Terapeutas
A mudança de costumes faz com que volta-e-meia surjam termos novos para velhas funções. Na década passada surgiu a atividade de promoter ou promoteur. Pois o promoter agora recebeu o apelido de “cerimonialista”. Depois veio o personal training, que nada mais é quem um professor de educação física que, pela saturação do mercado, passou a atender individualmente.
De uns tempos para cá surgiu a figura de um novo terapeuta. A mudança dos costumes infletiu nos casamentos. Muitos jovens, depois de “ficar” por muito tempo, resolvem morar junto. Para resguardar o patrimônio aceitam o casamento civil, mas para não se considerarem “propriedade” do marido, ou para não ter que mudar a carteira de identidade num divórcio iminente, as patricinhas não adotam o nome do parceiro. As mães, no entanto, adoram uma cerimônia religiosa, não pelo espiritual, mas por causa da pompa e circunstância.
As noivas não querem abrir mão do vestido de noiva. Essa indumentária tem origem nos atos religiosos, e simboliza a virgindade e a pureza (??!) da noiva. Ora, vestir-se de noiva para uma cerimônia civil ou meramente social, depois de certos antecedentes públicos, a coisa se torna meio cabulosa. O que inventaram então os cerimonialistas?
Um simulacro de cerimônia religiosa em que alguém previamente selecionado vai lá na frente dizer “algumas palavras” para os noivos. É uma farsa capaz de iludir os menos atentos. O negócio fica tão parecido, que os noivos adentram no salão ao som da “marcha nupcial” de Wagner. Foi mais ou menos o que fez Padre Antônio Maria no “casamento” de Ronaldo com a Cicarelli.
Este ato, sem nenhuma conotação religiosa, sossega os pruridos éticos de mães e avós, e engana os menos avisados e possibilita as fotos de casamento. Surge, então, no dinâmico mundo da sociedade, a novel figura do “terapeuta matrimonial”, que é alguém, com alguma capacidade vernacular, que vai lá na frente dizer “algumas palavras”.
Trata-se de uma atividade emergente, muito bem remunerada, que está na moda entre o jet set. E não é que eu caí numa dessas? Pois no fim do ano passado pessoas conhecidas, ligadas à família me pediram que dissesse “algumas palavras” no casamento da fulaninha, já que os noivos optaram apenas pelo casamento civil.
Era o tipo do troço que ficava esquerdo dizer não, pois eram pessoas com as quais temos uma ligação bem próxima. E eu não tive como escapulir. Depois que aceitei, Carmen me disse: “Vais arrumar coisa para te incomodar!”. Sim, porque a mãe, a noiva e a cerimonialista me advertiram que não falasse em “até que a morte os separe” e frases do gênero.
Fui lá gratuitamente e disse o que minha consciência mandou. Condenei o divórcio como fator de desagregação, falei em amor, amor que vem de Deus e que ensina a construir uma “casa sobre a rocha”, e de lambuja meti o pau na filosofice de Vinicius de Morais (“que o amor seja infinito enquanto dure”), afirmando que um cara que teve três mulheres e morreu sozinho destruído pela bebida não tem a mínima autoridade para falar sobre amor. Mesmo assim todos os presentes gostaram dessas “algumas palavras”. Que bom!
Professor universitário, filósofo (especialista em “filosofia clínica”)