Para que escrever?
Intermitência poética
Nessa intermitência poética veio-me uma contestação:
-Escrever para quê?
Nunca mais escrever por nada
ou para ninguém.
Já sei, escreverei para os intelectuais!
Eles sim são verdadeiramente importantes para mim.
Eles sabem quando não quero acordar
e me entendem quando não preciso dizer nada,
mas mesmo assim me ovacionam
por parecer inteligente fazê-lo.
Usarei palavras como “peremptória” ou “conjecturas”
e criticarei a burrice entre os homens.
Coisas simples, eu escreverei com palavras obtusas.
Coisas complexas com palavras mais difíceis ainda.
Coisa nenhuma escreverei com tamanha sofreguidão
que eles pensarão estar lendo uma grande obra.
Não. Isso seria falso. Não é justo comigo.
Agora então fica fácil! Escreverei para o povão.
Aí sim é fácil de escrever.
No lugar de indelével, escreverei eterno.
Rimarei amor com dor
e xingarei os ricos e falsos intelectuais.
Pedirei pela pena de morte!
Não usarei de métricas, afinal, eles sequer estudaram para isso.
Jogarei palavras ao acaso, pois sei que serei aplaudido,
afinal, saberão que sou mais inteligente que eles.
Até darei autógrafos e tirarei fotos
com aquelas câmeras novinhas recém compradas nas Casas Bahia.
E estarei sempre sorrindo.
Pois o povo afundado em baratas alegrias,
adoraria me ver sorrindo.
Por que não?
Não... Isso também não me soa correto.
Agora sim! Escreverei para as crianças, elas sim me entenderão!
Falarei sobre casinhas e sóis sorridentes,
montanhas e duas nuvens no céu.
Aquarela da vida e algodão doce de sobremesa.
Escreverei histórias com finais felizes,
sobre um ursinho, cujo maior problema
é como arrumar os brinquedos na prateleira.
E aquelas crianças ouvirão minhas histórias
sentadinhas em cadeiras doadas pelo estado.
Cadeiras podres, velhas, pixadas
e com chiclete colado embaixo do assento.
Crianças com cadernos do Vai e Volta,
e camisetas por não mais vestir.
Crianças com tênis de gerações
e blusas de não mais recheio.
Essas sim irão me adorar!
Me darão abraços sinceros
por algo que não me furtei a fazer.
Elas desejarão ser igual a mim!
Falso... Isso seria tremendamente errado.
Pensando nisso, escreverei de raiva! Textos sobre política!
Escreverei críticas lascivas contra o estado!
Textos anarquistas e saturados de imagens
do povo de barrigas e cérebros condizentes.
Da corrupção, dos altos impostos,
da imagem do: –Está tudo bem!
Que se passa na televisão.
Da árvore de natal
que se ergue hegêmona sobre o povo extasiado
na praça central da cidade.
Criticarei os programas de reciclagem
e as penitenciárias precárias.
Xingarei as regalias que políticos adquirem,
e a impunidade entre os maiores.
Mostrarei a minha inveja intrínseca
na vida que eles levam.
Não... Para quê? Muitos já fazem isso!
Se for assim, vou escrever para outros países!
Dizer “I shall” quando me perguntarem sobre a “hope”
“and ask why” quando souber da miséria
no resto do mundo.
Dizer “He steal my clue” quando brigar por direitos autorais.
E escrever muitas e muitas vezes “love” or “change”
“disillusion” quando falar de amor
pois isso funciona muito bem para uma “poetry”.
Ou até com Francês,
flertar pelo romantismo da torre Eiffel,
Je T’aime ao comer “petit gateau”.
As “woman” ficarão enlouquecidas,
e eu serei um “icon” “between” as pessoas,
e “around” os ricos e pobres
meu nome será pronunciado.
Também não. Não sei Francês. E o Inglês nunca me adiantou para nada.
Então vou escrever para as mulheres apaixonadas.
Falar sobre homens de antigamente
e mostrar que eu entendo suas frustrações.
Escreverei poesias de rosas
e noites à dois em praia deserta.
Sobre a atenção e o carinho
que elas merecem só por ser mulher.
Dos olhos de infinitas verdades
e dentes de insolúvel sorriso.
Mostrarei-lhes que são únicas,
ainda que não seja verdade.
Escreverei que o sexo é conseqüência
e a prioridade é a felicidade dela.
E que cama também serve para
dormir abraçadinhos.
Terei milhares de fãs, afinal, sou bonito e galanteador.
Também não adianta, já estou manjado nesse meio.
Escrever que o mundo é mundo só por causa das pessoas?
Da guerra imbecil no Oriente Médio?
Falar da filha da putice católica,
dessas centenas de anos?
Ou do opressor império americano?
Falar do preconceito contra os pobres e verdadeiros índios?
Já sei! Andarei com uma camiseta
escrito 100% Branco,
só para ser diferente.
Ou me sentarei calmamente no chão da sala,
e esperarei alguém escrever por mim.
Pois já não tenho mais máscaras
para expressar o que penso.
E segundo meus leitores,
fiquei com medo de levar um tiro no peito.