Trumpetando a Ruína — O Brado da Ganância Imperialista.
Ao longo da história da humanidade, impérios poderosos exerceram forte influência e significativo controle militar, cultural e tecnológico sobre muitas partes do planeta. Paralelamente à trajetória desses, nota-se como a ambição desencadeada por seus agentes, impulsionada pela sede de poder e pela disputa de egos, agiu a favor dos seus próprios inimigos e da autodesfragmentação.
O problema não está no "chegar ao poder", mas no que acontece depois. “A ganância torna o homem escravo, mesmo quando ele acredita que está dominando o mundo.” Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) - O filósofo estóico nos remete à reflexão acerca de um paradoxo: do homem ganancioso acreditando ser livre, poderoso, dominador — mas, acorrentado aos próprios desejos, tornando-se escravo de si mesmo. Ou seja, a percepção de poder não passa de um fenômeno disfarçado de expansão, progresso, força ou "grandeza", mas é uma concepção frágil, suscetível a várias camadas complexas, podendo subjugar pessoas, grupos ou civilizações inteiras ao nada, tornando-as vulmeráveis. Esse tipo de comportamento se repete constantemente dentro de diversas estruturas sociais e políticas, dos tempos antigos aos modernos.
A simetria é quase sempre a mesma: um paralelismo entre ideias e egos que culminou no trágico fim de grandes nações. No que se refere a poder, desde o Egito dos faraós ao Império Persa de Ciro, da Macedônia de Alexandre à Roma de César e Augusto, fatos e relatos históricos marcam trajetórias de povos importantes, criadores de rotas comerciais, desenvolvedores de tecnologias, sistemas políticos e administrativos impressionantíssimos para seu tempo. Nações visionárias e criativas, porém, sob a égide de líderes obcecados pela permanência no poder, tornaram-se vítimas de sua própria arrogância e prepotência.
O caso de Roma é emblemático: ela não cai apenas por causa dos invasores bárbaros, como alguns pensam, mas por conta da sua corrupção interna, do egoísmo aristocrático e da ganância generalizada entre seus principais agentes. Na Macedônia, Alexandre foi quase um mito militar, um autêntico sonhador, um líder que pretendia unir o Oriente e o Ocidente. No entanto, a sua colossal expansão tornou-se insustentável. Após a sua morte precoce, seus generais começaram a disputar o império em guerras intermináveis, quase todos movidos pela cobiça e pelo ego. O império macedônico fragmentou-se rapidamente e a promessa de uma nova era helenística unificada dissolveu-se em pura ambição individual.
Poderíamos mencionar alguns outros, como o Império Mongol de Gêngis Khan: logo após sua morte, por conta de disputas entre seus herdeiros, o império foi dividido, consequentemente enfraquecido e aniquilado. O Império Otomano (antiga Constantinopla), em seu auge, nos séculos XVI e XVII, sob Suleimã “o Magnífico” — um autêntico rival direto dos Habsburgos e de outros reinos cristãos da Europa — transformou Constantinopla (Istambul) em um importante centro de arte, cultura e ciência. Um império que manteve seu domínio territorial do sudeste europeu ao norte da África e parte do Oriente Médio. Após muitos anos de expansão, Constantinopla foi, finalmente, corroída pela corrupção interna, por guerras constantes e pela má administração de seus territórios — mantidos à força —, a ambição interna levou o império a conflitos desnecessários e à estagnação.
Os impérios ibéricos (espanhol e português) seguem o mesmo padrão. A obsessiva busca por ouro e prata no Novo Mundo levou suas colônias à exploração extrema e à escravidão, lamentável e vergonhosa marca registrada dessa época. Com o passar do tempo, tanto Portugal como Espanha se enfraqueceram por consequência de má gestão, guerras caras e colapso econômico. Mesmo com toda a riqueza adquirida, a Peníssula Ibérica apenas ficou a ver suas colônias tornarem-se países independentes e, consequentemente, foram perdendo expressividade mundial. Por falar em Novo Mundo, não há como não mencionar o Império Inca (1438–1533), indubtavelmente, o maior da América pré-colombiana, também enfraquecido por uma guerra civil promovida por Atahualpa e Huáscar, dois irmãos herdeiros do império, conflito motivado pela disputa de poder. Não significa, certamente, que o império seria imbatível e faria frente aos europeus, mas é inegável que o fato — promovido pela ambição interna entre irmãos — facilitou a conquista dos territórios pelos espanhóis.
Finalmente, chegamos a 2025. Não é preciso muito esforço para imaginar qual seria o “Grande Império” dos tempos atuais. A China? Calma, vamos por partes… Certamente, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos surgem como a nação a assumir o protagonismo de potência dominante do planeta. Seu poder militar, sua influência cultural e tecnológica, inegavelmente, moldaram todo o mundo moderno. Trata-se, ainda, da nação com maior riqueza e poder (político, bélico e tecnológico) do mundo. A exemplo de Roma, uma potência mundial que também surge com ideias nobres: liberdade, democracia, oportunidade. De fato, do pós-guerra para cá, o país exerceu um importante papel na trajetória mundial. Porém, como a ideia deste artigo é abordar a ganância como a principal desfragmentação de impérios — e que todo fim parte de um princípio — é impossível não se inspirar na figura de Trump (um bilionário de carreira, com forte base em autopromoção e negócios duvidosos), tornando-se o símbolo máximo da representatividade política estadunidense, extremista e travestida de patriotismo.
O que a história nos mostra é que impérios não caem à toa; pessoas que ocupam importantes posições têm um papel crucial nesse trágico declínio. Trump é do tipo que ataca diretamente instituições fundamentais, como a imprensa, o judiciário e os órgãos de inteligência do país. Sua recusa à derrota eleitoral e os eventos ocorridos no Capitólio demonstraram, claramente, o que pode acontecer quando o apego ao poder supera o compromisso com o senso comum. Alegou fraudes sem provas (o que culminou no ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021). Sua política “America First” é contrária a importantes alianças estratégicas, como a OTAN, o Nafta e tratados ambientais, ou seja, vai de encontro aos laços que sustentaram o próprio domínio global dos EUA por décadas. É o governante que se diz protetor do “americano comum”, todavia suas políticas favoreceram bilionários e grandes corporações (corte de impostos, desregulação ambiental, lobby militar). De certa forma, isso promove desigualdade interna, deslegitima o sistema e afasta, cada vez mais, o país do saudoso “sonho americano”. Sua política de taxações prejudica não apenas toda a economia mundial, mas diretamente os agricultores e os consumidores internos, promovendo aumento de preços e perdas de mercado. O desentendimento com vizinhos estratégicos (Canadá e México) gera tensões diplomáticas e produz incertezas econômicas regionais. A longo prazo, haverá, certamente, aumento de preços aos consumidores americanos (porque as empresas importadoras repassarão os custos). A política de tarifas enfraquece o próprio mercado interno e abre favoráveis condições para a união comercial entre países concorrentes. Grandes empresas americanas já acumulam prejuízos na ordem de bilhões.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos: seria o "início do fim" do maior império dos últimos dois séculos? Os Estados Unidos perderão o seu protagonismo mundial e serão desfragmentados regionalmente? Ou será que Trump está certo? Os americanos darão a “volta por cima” e irão se restabelecer como uma grande nação?
Trump é uma bomba-relógio, mas também um déspota eleito pelo seu próprio povo. Seja ele um fracassado ou vitorioso (em suas atitudes), os eleitores americanos precisarão entender a sua parcela de responsabilidade por trás de seus votos, porque caberá apenas a eles o ônus pela escolha.