Viagens de bike (Sonhando com o Maranhão – Parte IV)
Reencontrando Banco da Vitória
Remanchando, como de costume, (acho que aprendemos com o nosso gato, o glorioso príncipe Baltasar) nós terminamos de arrumar os nossos apetrechos, logo após o café da manhã de Segunda-Feira, e nos pusemos a caminho de Ilhéus, uma pedalada que queríamos fazer desde a primeira vez que Eliana e eu viemos à Bahia, isso há quase três anos. Eliana ficou apaixonada pelo túnel que se forma com as copas das árvores sobre a rodovia, e desde então ficamos a imaginar como seria maravilhoso poder pedalar debaixo daquele verde sem fim.
Depois de atravessarmos o bairro de Fátima pegamos a BA-415 e, com a fresca companhia do rio Cachoeira seguimos rumo à cidade de Gabriela, distante trinta e quatro quilômetros de Itabuna. Máquina fotográfica a tiracolo, logo achamos cenário atraente para ficarmos um bom tempo clicando, com as nossas bikes colocadas às margens da estrada: aliás, o que não falta nesse pedaço da região sul da Bahia é cenário para quem gosta de fotografia!
Saciada a sede de água e de fotos de Eliana (pelo menos por um momento...) nós retomamos a nossa marcha, visto que queríamos chegar em Ilhéus antes do almoço, além de irmos apreciando com vagar tudo o que o trajeto punha a nossa disposição. Um tráfego intenso mas muito bem ordenado nos permitiu pedalar com muita tranquilidade pelo acostamento da rodovia, (que, cabe registrar, estava muito melhor do que a pista de rolamento principal) e uns vinte minutos depois paramos numa mistura de mercearia e lanchonete no bairro de Salobrinho, lotada de cocos.
Sem nem descer direito da bicicleta Eliana se agarrou num coco e só o largou depois que eu garanti que tomaríamos água de coco, mesmo que eu fosse devidamente esfolado pelo dono da mercearia... Prá minha sorte e de nossos esquálidos fundos de viagem a ganancia que assola os pontos turísticos do Brasil ainda não atingiu as tranquilas plagas da região cacaueira, fato alvissareiro que nos permitiu degustar a água de dois gigantescos cocos pela módica quantia de dois reais.
Com a nossa viagem deslanchando num mar de almirante, pouco mais de vinte minutos depois nós estávamos penetrando nas ruas do povoado de Banco da Vitória, uma bucólica localidade a pouco mais de vinte minutos de bike de Ilhéus e com a qual eu tenho uma relação toda especial, pois lá passei bons momentos na minha fase de adolescente. Eliana, que tem um carinho imenso pelas pequenas povoações, enamorou-se de imediato por Banco da Vitória, a ponto de precisar que eu a chamasse à realidade, já que a moçoila não despregava os olhos dos doces em compotas enfileirados nas janelas das casinhas simples do lugar, sem falar na vontade que ela ficou de jogar pega-varetas com os meninos que estavam na pracinha de Banco da Vitória, um deles chamou-lhe especialmente a atenção, pois o moleque trazia uma gaiola com um papa-capim dentro, e protegido (segundo ele) do mau olhado por um dente de alho colocado estrategicamente na dita gaiola...
Deixamos Banco da Vitória e nos pusemos a cumprir o último trecho para chegarmos em Ilhéus, cujas primeiras casas vimos logo depois da terceira curva da estrada. Passamos pela rodoviária, cruzamos o centro da cidade e subimos o morro da Conquista, antes de despencarmos ladeira abaixo em direção à ponte que liga ao bairro do Pontal. Atravessar essa ponte é como imaginar um corredor polonês feito exclusivamente por carros, com nós devidamente ensanduichados no meio deles... Felizmente, conseguimos realizar a travessia incólumes, com Eliana achando que foi bem mais fácil atravessar o corredor polonês da ponte do Pontal do que descer as ruas de paralepípedos superinclinadas do bairro da Conquista.
Depois de nossa parada para fotos no Pontal, com direito a closes de barcos, muito verde e mar, nós seguimos para o bairro Nelson Costa, aonde eu pretendia visitar minha prima Marlene e meu amigo Djalma. Da primeira eu recebi a notícia de seu óbito, ocorrido na rodovia BR-101 seis meses antes, e do segundo, após uma demanda de algumas horas, (já que eu, com minha natural cabeça de vento não havia pego o endereço) compartilhamos um tardio almoço, cuja peça de resistência foi um dourado que eu mesmo cometi o desplante de preparar, sob a atenta supervisão de Eliana, preocupada para que não faltasse a sua cota de pimenta e dendê no dito peixe.
Atingidos pela a síndrome do cachorro magro (aquela em que o sujeito termina de comer e vai saindo de fininho antes que seja convocado para lavar a louça...), Eliana e eu, assim que almoçamos nos preparamos para fazer a viagem de volta, não sem antes prometer a Djalma que voltaríamos em um outro momento para ficarmos uns dois dias em sua casa. Pusemos logo o pé na estrada, pois o dia já estava chegando ao fim e nós tínhamos mais de quarenta quilômetros antes de chegar em Itabuna.
Depois de sobreviver a uma nova travessia da ponte do Pontal, Eliana e eu despencamos ladeira abaixo pelas curvas de uma avenida asfaltada (agora ela adorou a descida) entre os carros antes de chegarmos ao centro de Ilhéus, e a partir dali iniciamos a volta propriamente dita de nosso passeio.
Prá não faltar um quesito de suspense, nós só contávamos com um farol em nossas bikes, pois o outro fora perdido no ônibus da Rota logo em nossa chegada, e para ajudar, (o clima de suspense, claro...) a noite avançou rapidamente sobre nós. Depois de passarmos pela rodoviária de Ilhéus, pegamos de novo a BA-415 e tocamos em direção a Itabuna, com Eliana na minha frente, já que a bike dela estava com o nosso único farol.
Não chegamos a rodar nem dez quilômetros para percebermos que não seria muito seguro pedalar a noite com um único farol, visto que nos manter juntos não era nada fácil naquele breu e o resultado foi que, num momento em que nos desgarramos, eu acabei enfiando a cara (literalmente) numa placa da estrada, numa daquelas distrações imperdoáveis, (distração essa que me custou a perda de uma lente dos óculos que eu estava usando e algumas pequenas escoriações) não tendo havido maiores consequências devido ao capacete que eu estava usando.
Ficamos quase uma hora e meia no ponto, até que finalmente conseguimos parar um ônibus da Rota (depois de várias tentativas infrutíferas) e colocar as nossas bikes dentro do porta-malas, para então regressarmos a Itabuna em segurança.
Apesar do pequeno contratempo no final o nosso passeio a Ilhéus foi fantástico, restando apenas fazê-lo de forma completa, pedalando o percurso de ida e volta, o que ficará para uma outra viagem que faremos em um futuro próximo.