MONSANTO, ALDEIA DE PORTUGAL - Para Henricabílio e Susana Custódio, amigos do Recanto
Por Zuleika dos Reis
Neste segundo dia de primavera aqui em São Paulo, Brasil, hemisfério sul, fiquei um bom tempo a ouvir música brasileira e, depois, música portuguesa na Rádio Clube de Monsanto, aldeia de origem medieval. Usando os termos de lá, Monsanto é freguesia do concelho de Idanha-a-Nova, cidadezinha também originária da Idade Média, em Portugal que está, neste momento, nos começos da estação do outono.
Monsanto, em verdade, é uma aldeia cuja história remonta ao período paleolítico, nela existindo até mesmo vestígios de termas da Roma antiga, aldeia na qual foi construído um castelo para os Templários, aldeia que, tendo sobrevivido, ao longo dos séculos, a inumeráveis batalhas de vária natureza, conseguiu chegar viva até nós. Um conjunto de pequenas casas cercadas de antiquíssimas, enormes pedras – pedras, com seu musgo, no revestimento das ruazinhas... sobre o telhado das casas... pedras encravadas nas paredes... escadas de pedra... pedras... pedras... pedras... pedras... e, no entanto, aldeiazinha a transpirar humanidade de suas torres, de suas flores nas janelas, principalmente a transpirar humanidade de seus habitantes, a maioria composta por senhoras e senhores antigos que carregam, nos olhos e nos passos lentos, histórias de muito trabalho, no dia-a-dia dos dias, e de segredos ancestrais; aldeiazinha de ovelhas míticas, aldeiazinha a tocar adufes, instrumento de percussão de origem árabe, com um som mágico que nos conduz a outros tempos, a outros mundos, instrumento que acompanha cantos folclóricos e também o lindíssimo cântico de louvor à Senhora do Almortão, cuja ermida se ergue nas cercanias de Idanha-a-Nova.
Idanha-a-Nova e Monsanto próximas estão das fronteiras da Espanha, por isso seus sons nos trazem ecos de uma história entrelaçada, ainda que quase somente por lutas terríveis entre os dois países, ao longo da História.
Confesso que o som dos adufes me faz tremer de emoção, de uma emoção misteriosa como a evocar mistérios da minha própria história pessoal, mistérios talvez de vidas e vidas passadas, esquecidas sob séculos e séculos, sob pedras e musgos de mim, como as pedras e musgos da aldeia de Monsanto.
Para sair deste clima que foi penetrando, sem que eu o percebesse, certos círculos mágicos, devo voltar ao que dizia no início deste pequeno artigo sem qualquer pretensão: eu a ouvir música brasileira, e música portuguesa... direto da Rádio Clube de Monsanto, aldeia de origem medieval, Monsanto, freguesia de Idanha-a-Nova, em Portugal; eu, aqui, em São Paulo, no Brasil, o que não deixa, a seu modo, de sempre parecer algo mágico a mim, ser tão antigo que ainda se espanta fundamente com o alcance das tecnologias contemporâneas que nos permitem viagens muito para além de virtuais. Viagem mágica para mim, ser de outro tempo e, com certeza, para inúmeros outros seres como eu; viagem corriqueira para jovens e crianças, estes seres já nascidos sob o império das realidades virtuais da nossa “aldeia global”.
Republicação no início da tarde de 09 de fevereiro de 2012.