PUNTA DEL DIABLO - PERTINHO DO BRASIL
Minha recente viagem começou em Belo Horizonte (Minas Gerais), no aeroporto Tancredo Neves, quando embarquei num avião Embraer E195 da Azul Linhas Aéreas e duas horas depois, com muito conforto e simpatia dos comissários, cheguei a Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.
Já sendo esperado com reserva na Hertz Rent a Car, parti da capital gaúcha em direção a Pelotas pela rodovia BR-116. São exatos 256 km entre o aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, até a rótula de saída para Pelotas são 256 km e 04 pedágios de R$ 7,80 cada. A rodovia, muito embora seja Federal, está em boas condições, com sinalização visível em 99% do trecho e poucas curvas. Postos de combustíveis e locais para lanches são escassos e os poucos que há, não possuem um padrão de excelência, mas como se diz no popular, dá para quebrar um galho!
Saindo de Pelotas até Jaguarão, passa-se por Capão do Leão e Arroio Grande; o trajeto até a última cidade brasileira (Jaguarão) compreende mais 134 km (pela mesma BR-116); mais uma vez o trecho é bem sinalizado e não há curvas muito sinuosas, mas a atenção de quem trafega por este recanto do Brasil deve ser redobrado, porque há muitas raposas, gambás e outros animais silvestres atravessando permanentemente a rodovia. Durante a minha viagem de Carnaval, quando fui com um amigo e minha família, mesmo tendo toda a atenção ao volante, atropelei uma raposa nas proximidades de Cerro Largo; o animal morreu e por sorte nossa não houve danos ao carro porque estávamos na velocidade permitida.
Nossa primeira parada foi em Jaguarão, uma belíssima cidade gaúcha que faz fronteira com o Uruguai, que abriga um excepcional conjunto arquitetônico secular, com portas em madeira maciça, esculpidas como obras de arte. Outra edificação que chama a atenção de visitantes que chegam a Jaguarão, cidade que a história remonta desde 1751, ainda quando era espanhola por domínio, é a antiga enfermaria militar; uma obra de 1880 que atualmente está abandonada, mas que já possui um projeto de revitalização. Quem visita Jaguarão não pode deixar de passar a Ponte Internacional Barão de Mauá; inaugurada em 1930, faz a ligação bi-nacional entre o Brasil e o Uruguai.
Em Jaguarão ficamos no Hotel Paganini, que tem localização privilegiada bem no início da Ponte Mauá. O hotel é na verdade uma pousada sem luxos, mas aconchegante, limpa e barata; uma pessoa que permaneça num quarto com ar-condicionado e sanitário privativo, paga cerca de R$ 40,00 por uma diária, mas há opções ainda mais em conta; não deixe de pedir tais opções a Neiva, Curuca ou ao próprio Paganini, que estão sempre a postos para auxiliar quem quer que chegue.
Quem também demonstra uma rara educação, polidez e apreço pelos visitantes é o Prefeito Cláudio Martins e o Secretário de Cultura Alencar Porto; a população de Jaguarão recepciona sempre muito bem quem chega; principalmente os que respeitam as tradições gaúchas e os costumes locais.
Mas é hora de pôr o carro na estrada e agora saímos do Brasil e já estamos em Rio Branco, cidade uruguaia que pertence ao Departamento de Cerro Largo (no Uruguai um “departamento” equivale ao que no Brasil chamamos de “estado”). Já em Rio Branco o atrativo maior são as compras, pois a cidade está cheia de “free shopping” que vende quase de tudo. Os produtos mais atrativos são as roupas importadas de grife, bebidas alcoólicas, perfumes e infreqüentes eletrônicos. Um aviso importante é que na Ponte Internacional Barão de Mauá há um posto da Receita Federal e este fiscaliza alguns carros que passam para o lado brasileiro. Quem se aventura nas compras não deve exceder ao limite de U$ 300,00 por pessoa e caso sobrepuje, deverá declarar e pagar o imposto antes de cruzar a ponte em direção ao Brasil. O melhor mesmo é se informar com antecedência e declarar as compras; caso extrapole a quota exigida pela Lei os agentes alfandegários poderão reter, multar e até embargar alguns itens.
Quem já foi alguma vez a Cidade de Leste, no Paraguai, e não conhece Rio Branco, pode fazer algum tipo de referência, por causa do clima de fronteira; mas isso é um ledo engano! Os agentes da Receita Federal costumam ser atuantes, mas nem por isso deixam de ser simpáticos e informativos. Naquela região de fronteira, até onde eu conheça, não há incidências perigosas envolvendo o crime pesado como no Paraguai; das vezes que visitei a cidade não ouvi falar em drogas, tráfico de armas ou carros roubados, que são os maiores atrativos do ciclo vicioso entre Foz do Iguaçu e Cidade de Leste.
É sempre importante lembrar que em Jaguarão há uma Delegacia da Polícia Federal e outra da Receita Federal; evitem a compra de itens não permitidos pela Lei brasileira; evitem o uso ou o tráfico de drogas; evitem andar sem estar portando documentos e quando ingressarem para o Uruguai, levem sempre a Carteira de Identidade com menos de 10 anos de emitida ou o Passaporte; outros documentos como Carteira de Habilitação, Carteira de Trabalho ou identidades emitidas por órgão de classe, como a OAB, não são aceitas como documentos pelas autoridades uruguaias; eles estão apenas atendendo aos tratados internacionais e costumam ser mais do que simpáticos, educados e prestativos. Se o visitante estiver todo legalizado e respeitar as Leis, tanto do Brasil, quanto do Uruguai, ele entrará e sairá daquela região trazendo consigo boas lembranças e uma vontade enorme de retornar!
Eu visitei a Praia Doce do lado uruguaio que fica bem pertinho de Rio Branco; entrando na cidade e antes de passar no Paso de Frontera, local de parada obrigatória para checagem de documentos, cruze a linha férrea e procure saber onde fica a praia da laguna; é um pequeno povoado com algumas cabanas para alugar e um único hotel. O lugar é aprazível e a areia da praia é branquinha, mas a água é completamente doce, porque faz parte da Lagoa Mirim, ou como eles a chamam: Laguna Merín; apesar do nome, Mirim, de pequena não tem nada; se você sair de um ponto e percorrê-la inteira, quando voltar ao mesmo ponto já terá percorrido cerca de 400 km!
Saindo de Rio Branco e oficialmente dar entrada no Uruguai, você precisa passar pelo Paso de Frontera; é lá que as autoridades de imigração farão checagem de seus documentos e é de lá que fomos em direção a Placido Rosas, Rincon, Vergara, até chegarmos à amena Treinta y Tres; desde Rio Branco já são mais 125 km em excelente estrada com dois pontos de curvas fechadas, passando pelas Rutas 26, 18 até chegar ao início da Ruta 8. Até este trecho já se deixou para trás, desde Porto Alegre, mais de 500 km sem nenhum estresse e sem ter enxergado nenhum acidente.
Pela Ruta 8 vamos a Jose Pedro Varela e depois iniciamos a viagem pela Ruta 14 até Lascano (70 km); um trecho com paisagem diferente, com alguns pontos belíssimos com árvores fazendo uma espécie de túnel na estrada. As paradas para necessidades ou para abastecimento devem ocorrer nas cidades, porque no trajeto entre uma e outra não há quase nada, apenas pastagens e gado.
De Lascano você escolhe o melhor caminho para levá-lo até o mar, ou a ponta mais ao sul do Brasil; eu preferi percorrer a Ruta 15 e entrar na Ruta 19, porque está em melhor condição do que a Ruta 14 direto. Não há muita sinalização e é sempre bom não tirar o olho da estrada, porque há uma bifurcação simples que encontra as rutas 15 e 19; siga sempre as placas que indicam a direção de Chuy ou do Fortín de San Miguel, esta é a melhor opção para se chegar. De Lascano até este ponto bifurcado são mais 35 km!
Quando estiver na Ruta 19, salvo a conhecendo; não a perceberá, porque não há placas informativas. A próxima cidade é Dieciocho de Julio, um pequeno lugar típico do interior do Uruguai sem nada pra fazer, que pouco oferece para comer e sem posto de combustível. Quando estive em Dieciocho de Julio, quis pedir uma informação e não vi ninguém nas ruas; ao avista uma pequena aglomeração, parei para orientar-me onde poderíamos comprar água; quando pedi à informação que queria a uma mulher, notei que ela chorava e que estávamos num velório...
Um quilômetro adiante está uma das maravilhas da região, aliás, duas maravilhas; um super hotel no estilo de fortificação que leva o nome da maravilha ao lado, Fortín de San Miguel (WWW.elfortin.com); descrevê-lo é inconsciente; vivê-lo é o prazer! O site está desatualizado, sobretudo pelos preços; hoje eles cobram U$ 110,00 por um casal, por noite; mas fica aqui um conselho: fique pelo menos uma noite lá, porque é indescritível! A Fortaleza de São Miguel fica ao lado do hotel; uma edificação militar portuguesa datada de 1750 que fora erguida para vigiar uma posição estratégica de uma região pretendida por Espanha; embora seja hoje Uruguai, já foi Brasil até 1828; depois desta data, passou integralmente ao controle uruguaio e permanece até dias atuais sem conflitos!
É uma região magnífica de clima quente boa parte do ano e muito frio a outra parte que compreende o inverno; possui características históricas soberbas, pois retrata uma parte de nossa história que a maioria de nós sequer sabe de sua existência. Naquela região, no Departamento de Rocha, a Ruta 19 logo vira Avenida Brasil; trafegamos 5 km por uma rua uruguaia vendo outra rua brasileira bem ao lado, sem guardas, sem vigilância e sem distúrbios; a pura demonstração de que Brasil e Uruguai são povos irmãos, amigos e companheiros. Adiante as duas cidades que se entrelaçam; Chui no Brasil e Chuy no Uruguay; um simples canteiro florido com bancos de concreto é a linha imaginária de fronteira...
A linha de fronteira na região entre Chui e Chuy chega a ser engraçada e confunde a cabeça de quem pensa que conhece geografia; no final da avenida uruguaia (Av. Brasil), onde segue paralelamente a avenida brasileira (Av. Uruguai), encontram-se duas rodovias; a brasileira BR-471, que ao contrário do que se pensa, não é a parte mais ao sul do Brasil, depara-se livremente com a Ruta 9; mais adiante, no lado uruguaio, um posto de checagem de imigração; já do lado brasileiro não há postos de imigração.
O ponto mais ao sul do Brasil, onde de fato se iniciam as terras brasileiras dista cerca de 8 km da placa oficial que está na BR-471, num ponto sem nenhuma referência; isso ocorre, porque da placa onde afirma ser o começo do Brasil, geograficamente a linha de divisão desce cerca de 8 km para o sul, ziguezagueando o Arroio Chui que sobe e desce no mapa, até desaguar no mar. Percorrendo de carro a região, é fácil se perder entre Brasil e Uruguai em alguns metros de diferença; isso ocorreu comigo também!
Desde Lascano até Chuy foram mais 85 km e finalmente cheguei ao mar; ao todo já são 675 km. Eu saí de Porto Alegre, percorri parte dos Pampas; cheguei a duas partes da fronteira entre o Brasil e o Uruguai; agora me resta explorar as praias da região para saber onde ficarei. Tenho a minha frente, em território uruguaio algumas opções; Barra del Chuy que não oferece estrutura e é muito suja; Las Maravillas, que também não é grande coisa; La Coronilla, que tem uma razoável estrutura, mas peca com a falta de hotéis; e Punta Del Diablo, um paraíso hippie lotado de argentinos, brasileiros e uruguaios que gostam de uma vida mais livre. Mesmo não sendo um destes, foi lá que fiquei!
De Chui até Punta Del Diablo são mais 56 km pela mesma rodovia que poderá levá-lo a Punta del Este, Maldonado e Montevidéu; aqui encerrou-se a minha viagem de ida após 731 km; um pouco antes de Punta del Diablo, pare um pouco e visite outra fortificação militar secular; a Fortaleza de Santa Tereza também faz parte da história entre Brasil, Portugal, Espanha e Uruguai e dentro dela há um museu com armas, fardas e documentos de época. O ingresso custa 20 pesos uruguaios, ou R$ 2,00.
Hospedamos-nos no Hotel Parque Oceânico; uma hotel fazenda 4 estrelas muito confortável (WWW.hotelparqueoceanico.com.uy) com praia particular e um precinho inacreditável (para a época), U$ 125,00 para casal com café da manhã e um dos poucos lugares onde os cartões de crédito internacional são aceitos facilmente. A estrutura hoteleira conta com lagos para pesca, campos de equitação, piscina, praia, bosque, passeios de cavalos, dentre outros atrativos. É um excelente lugar para descansar com a família e recarregar as baterias para encarar a estrada de volta até Porto Alegre novamente!
Dar dicas de viagens é uma coisa simplesmente única, porque muitas das pessoas confiam a partem para aquele lugar; outras mais cautelosas pesquisam mais e acabam encontrando rotas alternativas, que muitas vezes podem ser até melhores. Mas o melhor de tudo isso não é só oferecer aos leitores uma boa razão para viajar e explorar o mundo; o melhor de tudo está em poder viver com satisfação os recantos, as paradas, as conversas com as pessoas, as comidas típicas e poder sentir os cheiros, as cores e vivenciar parte da história de cada lugar.
DICAS IMPORTANTES
Hotéis de cidades menores costumam não aceitar cartões de crédito, da mesma forma que a maioria dos pequenos restaurantes; gasolina é uma das mais caras da América Latina e alugar um carro é praticamente o mesmo preço do Brasil, com basicamente as mesmas regras. Nossa carteira de habilitação é válida por lá e Passaporte é apenas um detalhe para você guardar os carimbos de entrada e saída do país. Visto não é exigido e celulares brasileiros sem roaming internacional funcionam pouco além da fronteira.
Oficialmente as locadoras de veículos do Brasil incluem uma cláusula contratual que proíbe a saída de seus carros de nosso território sem a prévia autorização internacional, mas no Uruguai as autoridades exigem apenas uma apólice de seguro internacional para terceiros que se chama CARTA VERDE. A minha foi adquirida em Jaguarão no Posto do Banrisul do amigo Costinha, ao preço de R$ 68,00 para 3 dias de trânsito. A informação de que somente a Carta Verde em nome do condutor oficial do veículo me foi passada pela Policia Caminera do Uruguai, o mesmo que a Polícia Rodoviária Federal do Brasil.
Comer no Uruguai é um prazer para poucos, porque a alimentação mais comum é Parrilla (churrasco), pão e salada. Os doces uruguaios a base de leite são divinos e o que eu acho melhor deles, os cortes de cordeiro, raramente são encontrados, pois são feitos para exportação. Postos de polícia na estrada são raros, mas há radares rigorosos por todas as rodovias, portanto, não exceda o limite apontado nas placas ou poderá ter uma surpresa desagradável. O dinheiro do país é o Peso Uruguaio, mas o Dólar é a maior força da economia. Estando lá sempre tenha às mãos Dólar, Euro, Real ou Pesos, eles aceitam tudo em praticamente todo país.
Não me recordo de quantas vezes estive no Uruguai; conheci quase todo o território daquele país e pude viver muitas das delícias que eles têm para oferecer aos visitantes. Posso afirmar que sempre fui tratado com toda cortesia e respeito. As autoridades e o povo, em geral nos enxergam como um fator de crescimento de seu turismo ou de sua indústria de negócios, portanto, qualquer pessoa é sempre bem vinda, desde que obedeçam as regras estabelecidas.
Se puder um dia, faça este roteiro e aproveite para treinar seu espanhol; você curtirá tudo que o Brasil e o Uruguai oferecem; eu afirmo que vai valer à pena e se puder ainda, conte-me tudo!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
WWW.irregular.com.br