O RECANTO DAS LETRAS É
UMA MADRASTA MEGERA
Uma madrasta chamada Recanto
O Recanto é uma plataforma literária de nicho, portanto poderia ser mais gentil com seus usuários. Por dia, seus usuários ativos devem ser menos de cem; daria perfeitamente para os webmasters serem mais solícitos e próximos com os escritores — principalmente com os que contribuem com a plataforma por meio da assinatura premium e com a proposta literária do site.
Alguns ali, é verdade, prestam um desserviço à literatura e à imagem da rede: estão mais interessados em praticar o “69 literário” e em fazer amizades do que em escrever.
Mas o fato de eu não ser sequer consultado sobre a proposta de melhoria do site — mesmo contribuindo mensalmente com a assinatura, com divulgação e com a construção de uma boa imagem para o Recanto — é um desrespeito. Se o Recanto é uma mãe, ela é madrasta.
O valor da imagem e da estética
A divulgação de escritores como eu, ou como a Sociofóbica, ajuda na valorização da plataforma e na venda das ferramentas de edição premium. Graças à nossa identidade visual, ao uso de imagens ilustrativas e à demonstração de que a edição melhora o texto, mostramos que é possível torná-lo esteticamente mais atrativo.
Minha preocupação atual tem sido encontrar uma assinatura de identidade visual que facilite a leitura, torne o texto mais agradável e que os leitores reconheçam como minha. Por isso, estou padronizando a edição, em melhoria contínua, para deixar o texto mais clean e bonito de ler. Estou na procura, agora, de ilustrações que dialoguem com meu estilo — sejam imagens que eu encontre, sejam geradas por inteligência artificial a partir de um briefing pessoal.
Os usuários que me leem percebem a importância da edição e da tipografia. Sentem-se impelidos a contratar o serviço premium da plataforma, não apenas por vaidade visual, mas por verem valor cultural no conteúdo. A qualidade cultural do que produzo contribui diretamente para a imagem da rede.
Mas, em vez de reconhecer isso, a plataforma opta por ouvir quem não contribui mensalmente — nem em termos financeiros, nem em termos de qualidade.
A dança mais cool da história do cinema
E aí chegamos, finalmente, à gravura que ilustra o texto. A imagem é do filme Bando à Parte, de Jean-Luc Godard, mais precisamente da cena de dança — talvez a mais cool da história do cinema. Este é, possivelmente, o filme mais acessível de Godard.
Quem quiser ver a cena inteira, ela está disponível no YouTube:
https://youtu.be/u1MKUJN7vUk?si=OfHF3s7cp2SyoMAi
Nela, Anna Karina dança com os meninos do seu curso de inglês. No meio da dança, há uma edição do próprio Godard — como se fosse narrador de um romance — em que ele diz: “uma breve pausa pra entrarmos na mente dos nossos personagens”, como se fosse Stendhal. Ele comenta que Anna Karina pensa que os rapazes estão reparando nos seus SEIOS ternos enquanto ela dança, entre outras divagações deliciosas.
Entre Alice e Kafka
No enredo do filme, Anna Karina interpreta uma moça ingênua que mora com a avó e conhece esses rapazes no curso de inglês. Juntos, eles planejam roubar as joias da avó, enquanto ela se envolve em um triângulo amoroso.
O rapaz alto tem bom coração. Ela tem mais afinidade com ele, inclusive em uma cena curiosa em que usam um estranho aparato para medir a química entre os dois — colocam as mãos no dispositivo e, quando o fluxo da água se equilibra, isso indicaria que há uma conexão. Ele é o “bom”, o “de bem”.
Mas o rapaz baixo é o “mal”. Porém, ele é o habilidoso, o cafajeste, o mentor intelectual do crime, e mais sedutor. Ela se sente mais atraída por ele do que pelo rapaz bondoso, ainda que ele seja um canalha que não ama ninguém, interessado apenas em dinheiro e promiscuidade. Quando fazem o mesmo teste de fidelidade, as águas não fluem em equilíbrio. O dispositivo denuncia o desequilíbrio da relação.
Para descrever seu filme, Godard disse que é um encontro entre Alice no País das Maravilhas e Franz Kafka, em uma espécie de comédia paranoica. O filme é tão icônico que Quentin Tarantino batizou sua produtora de Band à Part — e isso aparece em vários de seus filmes.
O extraordinário seduz
No final, é o cafajeste quem conquista o coração da protagonista — não o bondoso. Justamente por ele ser mais singular, mais imprevisível, mais… Godard.
É uma prova de que o singular sempre atrai mais do que o ordinário. Por mais que o “bom partido” seja alto, bonito e de bom coração, às vezes o extraordinário leva uma vida mais intensa, mais sedutora, mais prazerosa do que o banal.
Então, é um grande desperdício a plataforma investir no banal, em detrimento do extraordinário. E essa lógica vale para os relacionamentos também.