EX-DEPENDENTE QUÍMICO EXISTE SIM, CASAGRANDE!
Casagrande foi um grande jogador de futebol e um bom comentarista, mas está longe de ser um pensador. Um exemplo disso foi quando ele disse que não gostava do termo Dinizismo—referência ao estilo de jogo, digamos, mais lúdico de Fernando Diniz—porque o sufixo lhe lembrava nazismo. Essa é uma ignorância sem precedentes, pois desconsidera a importância de outros ”-ismos” fundamentais na história, como romantismo, iluminismo, humanismo, pacifismo, abolicionismo, racionalismo, modernismo e até darwinismo. Tudo isso para manter uma visão maniqueísta e estreita da realidade.
E é essa mesma visão estrábica que ele apresenta no seu livro, onde afirma que “não existe ex-dependente químico”.
A Cartilha Engessada dos 12 Passos
Essa teoria repetida por Casagrande está presente na cartilha do Narcóticos Anônimos (NA), muito baseada nos 12 Passos de Recuperação. Esse método, no entanto, é totalmente quadrado e engessado, um guia de autoajuda que coloca todo dependente químico na mesma condição, como se fossem todos iguais, sem distinção, sem levar em conta sua individualidade singular.
Para quem tem uma visão atarracada, isso pode ser útil. Mas para mim, não. A filosofia é o contraponto do senso comum, e os 12 Passos são apenas uma receita de bolo que não respeita a complexidade da existência humana.
Agora, vamos rebater o argumento de Casagrande e das cartilhas de NA com embasamento real.
A Falácia do “Sempre Serás”
Dizer que “não existe ex-dependente químico” significa afirmar que o dependente já nasceu dependente, que essa condição é inata, algo essencial e imutável. Mas, segundo os princípios do existencialismo, isso não faz sentido. O ser humano primeiro existe e depois adquire sua essência.
Se alguém escolhe deixar o caminho destrutivo da dependência química para cuidar de sua mente e corpo, tornando-se confiante, respeitável, um bom pai de família, culto, elegante, um bom marido, ele não está exercendo sua liberdade?
É exatamente por isso que Sartre chama essa negação de má-fé—quando alguém se recusa a reconhecer sua capacidade de escolha e mudança.
Se NA e Casagrande negam essa liberdade ao homem, argumentando que a substância retirou sua capacidade de decisão, eles ignoram a própria condição humana, que é existir e, ao existir, decidir.
Portanto, afirmar que “uma vez dependente, sempre dependente” é de uma ignorância abissal.
A Marca no Corpo Não Define a Consciência
Michel Foucault já analisou como a sociedade marca os corpos com rótulos, assim como Kafka descreve no conto Na Colônia Penal, onde a sentença do condenado é cravada na sua pele como uma marca indelével.
Sim, a cicatriz da dependência pode continuar ali. Mas ela é apenas uma cicatriz. O corpo continua existindo independente dela. Ela não dita sua existência, não define quem você é.
O estigma social funciona como pedras que obstruem o fluxo da água em um rio. Mas a água sempre encontra um caminho.
Por isso, aprender a não ressentir o passado e lidar com ele é essencial.
Hoje, bato no peito e digo com orgulho: sou ex-dependente químico. E nunca mais me vejo voltando a sê-lo.