A maldita misoginia na Internet
Há um bom tempo, temos observado que têm chamado a atenção canais no Youtube, perfis no Instagram e Facebook e tantos outros espaços virtuais que possuem uma característica em comum: a misoginia. Um termo que se tornou comum para se referir a esses grupos misóginos que andam ganhando espaço é “redpill”. Além dos redpill, podemos citar também os mgtow(men going their own way) e incel(involuntary celibataire). Todos eles se denominam masculinistas e dizem que seu objetivo é resgatar a verdadeira masculinidade e proteger os homens de um mundo dominado por mulheres. Se repararmos bem, todos esses grupos dão a entender que as mulheres é que sempre foram as verdadeiras opressoras e que atualmente é inviável um homem se relacionar porque todas as mulheres seriam interesseiras, promíscuas, fúteis e egoístas, incapazes de amar.
O que significa redpill? Traduzindo literalmente, redpill significa “pílula vermelha” e é uma alusão à pílula vermelha do filme Matrix. No filme, a pílula vermelha faria com que quem a tomasse passasse a conhecer a realidade ao passo que a bluepill(pílula azul) manteria a pessoa numa ilusão confortável. Então, redpill, segundo esses homens, significa que eles perceberam a realidade e viram que a realidade é assim: as mulheres são todas pérfidas, traiçoeiras e querem prejudicar os homens de todas as formas. Engraçado que o filme foi produzido por duas mulheres trans e os redpill são todos anti-LGBTQIA+. Mgtow, se traduzirmos, quer dizer homens que seguem seu próprio caminho e incel, celibatário involuntário. O que há em comum em todos eles? Eles afirmam que se envolver com uma mulher é a pior coisa que um homem pode fazer. Todos eles odeiam principalmente as feministas, afirmam que vivemos numa sociedade misândrica e ginocêntrica que privilegia as mulheres, são totalmente contra o casamento e dizem que o homem que se preza só deve usar a mulher para momentos de prazer e se concentrar em si mesmo. Entre muitos desses redpill, destacam-se O calvo do Campari, o canal do don Sandro, o canal Forever 78 e - por incrível que pareça - o canal Criados para governar, que é de uma mulher, Zelma Werneck de Castro, que se diz uma educadora cristã e fala que o homem é a mais perfeita obra da criação, nasceu para dominar e deve se defender da “maldade secular da mulher”.
Esses grupos e perfis misóginos degradam as mulheres de todas as formas, dando a entender que nenhuma mulher presta, todas só se casam para se dar bem, que o homem que se envolve com uma mulher irá ser traído e ficar mais pobre porque toda mulher é hipergâmica e já se casa pensando em pegar uma parte do patrimônio dele e também em conseguir uma pensão para os filhos. Eles fazem piadas carregadas de ódio, dizendo que mulher não vale mais nada ao passar dos trinta anos, só quer o bom homem em última hipótese, achincalham as mães solteiras chamando de msol e os filhos delas são chamados de Enzos e Valentinas. O homem que quiser ter um relacionamento com uma mulher será chamado pejorativamente de Miqueinha, mangina e escravoceta. Qualquer homem que tentar defender as mulheres dizendo que não se deve generalizar e dizer que todas as mulheres são más será chamado de feministo.
Segundo pessoas como Zelma Werneck, as mulheres hoje estariam insuportáveis por causa do feminismo e ela ainda tem a ousadia de afirmar que nunca houve realmente a política do filho único na China. Seria bom que essa senhora fosse questionada sobre o fato de que, na China, por causa dessa política, por muito tempo foi feito o aborto seletivo de meninas e muitas recém-nascidas eram vítimas de infanticídio ou então abandonadas para morrer, o que levou a uma diminuição significativa do número de mulheres. A digna senhora, que diz que os homens nasceram para dominar, deveria ir a um país muçulmano ou à Índia. Aliás, na Índia, por muito tempo também se praticou aborto seletivo de meninas e tanto na Índia como em países muçulmanos, muitas meninas são obrigadas a casar com homens com o dobro de suas idades e nesses países há muito estupro e violência doméstica. A Índia e os países muçulmanos são os países onde as mulheres mais cometem suicídio. Será que essa mulher - que é admiradora de Bolsonaro, Trump e Pablo Marçal - sabe dessas coisas?
Generalizar é um golpe baixo e um ato típico de pessoas preconceituosas. Tanto há mulheres más como boas, assim como há homens bons e maus. Se é errado dizer que todo homem é estuprador e abusador, com certeza também é errado dizer que toda mulher é potencialmente má. Quem entrar no espaço de um redpill ficará com a impressão de que se vive numa realidade onde todas as mulheres são predadoras espreitando os homens à espera da oportunidade de caçar um para se dar bem. Em suma, os redpill acusam as feministas de ser vitimistas mas eles próprios se vitimizam, dizendo-se vítimas de uma sociedade que busca emascular os homens, colocando todos como vilões opressores. Eles até mesmo dizem que toda mulher é mentirosa e inventa que foi agredida ou estuprada. Como se pode ver, eles odeiam a lei Maria da Penha e, quando acontece de aparecer na mídia um caso de falsa acusação de estupro ou violência doméstica, eles se aproveitam para dizer que todas as mulheres são falsas e capazes de qualquer coisa para prejudicar os homens.
O que podemos ver é que esses grupos são um terreno fértil para homens frustrados e machistas que adorariam que as coisas voltassem a ser como nos tempos antigos, em que mulher não tinha os direitos que tem hoje. Se fizermos um esforço de memória, lembraremos bem que antes as mulheres eram oprimidas, os pais (e também as mães) davam muito mais liberdade aos filhos homens que às filhas mulheres e moças que perdessem a virgindade e ficassem grávidas sendo solteiras eram muitas vezes expulsas de casa. Sempre houve mães solteiras mas antes elas se sacrificavam sozinhas para sustentar os filhos e os pais desses filhos - principalmente se fossem casados - nem queriam saber desses filhos, que eram chamados de ilegítimos ou bastardos.
Entrar no espaço de um redpill é jogar a saúde mental pela janela. Nenhuma mulher escapa da crueldade dos redpill. Mulher evangélica costuma ser chamada de forma pejorativa de “honradinha” e eles dizem que todo mundo deve fugir de “mulher rodada”, especialmente aquela que se converteu esperando “zerar a quilometragem”. Nem mesmo as antifeministas como a deputada Ana Campagnolo estão livres do ódio deles. Eles as chamam de “conservadias”, dizendo que elas aprontaram enquanto jovens e se tornaram conservadoras ao ver que a idade estava chegando. Muitos ex-redpill disseram que saíram desses grupos porque esperavam aprender a resgatar os verdadeiros valores viris mas viram que eles são altamente tóxicos porque só fazem falar mal de mulher. Alguns homens que deixaram de ser redpill disseram que tinham a impressão que não podiam confiar nem na própria mãe. Por sinal, não são poucos os homens que esculhambam os redpill dizendo que eles não passam de uns fracassados que não sabem se aproximar das mulheres e que seriam todos uns homossexuais enrustidos e que, para acobertar sua inabilidade, preferem agir como a raposa da fábula, que, por não conseguir pegar as uvas, disse que elas estavam verdes.