POLÍTICA e RELIGIÃO Não Se Discute no RECANTO!

 

Por Que Não Sou Marxista?

A extrema-direita beócia se apropriou de alguns símbolos que vão contra sua própria ideologia pró-capitalista e contra a desigualdade social para banalizar o debate, vulgarizar conceitos e fugir da argumentação. Fazem isso sem sequer entender plenamente as ideias que criticam — muitas vezes sem terem lido uma única obra do autor que atacam.

 

Essa estratégia já é bem conhecida: usam o escárnio para deslegitimar quem pensa diferente. Pensadores que dominam o pensamento oposto passam a ser retratados como serpentes, responsáveis por massacres ou, ironicamente, como “messias”. O curioso é que raramente vejo esses críticos fazerem referência ou explicarem concretamente o método da crítica ao pensamento marxista. O motivo? Desconhecem-no por completo, já que nunca o estudaram. Pois bem, eu farei isso agora.

 

Entre Marx e Outros Pensadores

Quem conhece meus escritos sabe que não sou exatamente um entusiasta de Marx ou da Escola de Frankfurt. Simplesmente porque considero seu pensamento desatualizado diante do mundo contemporâneo e distante da minha forma de enxergar a vida. Para mim, filosofia e vida são indissociáveis — filosofar é pensar a vida e viver o pensamento. Prefiro trabalhar com a ideia de agenciamentos de Deleuze e me alinho mais a outros autores, como Nietzsche, Foucault, Bourdieu, Spinoza, Žižek, Bergson e Epicuro. São esses os pilares que compõem minha base filosófica.

 

A Contradição do Marx Revolucionário

No entanto, o que raramente vejo os críticos de Marx mencionarem é que seu pensamento é, essencialmente, o materialismo histórico. Enquanto sociólogo, Marx teve certo êxito ao analisar as relações de produção nos primórdios da Revolução Industrial e do capitalismo. Porém, o Marx revolucionário, que não apenas teorizou, mas afirmou que era necessário agir na prática, me parece ter se perdido completamente. O “paraíso comunista” nada mais é do que o paraíso cristão transposto para a Terra — ou seja, uma forma de niilismo reativo, uma utopia inalcançável.

 

Curiosamente, quem lê o Manifesto Comunista sem um olhar crítico pode ter a ilusão de que Marx faz uma verdadeira ode ao capitalismo. Afinal, ele reconhece como o sistema burguês transformou o mundo e gerou forças produtivas colossais. Em suas palavras:

 

“A burguesia, durante seu domínio de apenas cem anos, criou forças produtivas mais maciças e colossais do que todas as gerações passadas juntas. Submissão das forças da natureza ao homem, maquinaria, aplicação da química à indústria e à agricultura, navegação a vapor, ferrovias, telégrafos elétricos, desbravamento de continentes inteiros, canalização de rios, populações inteiras surgindo como que do chão – que século anterior sequer suspeitava que tais forças produtivas adormeciam no seio do trabalho social?”

 

Mas o elogio é apenas um prelúdio para a crítica. Para Marx, o capitalismo, ao mesmo tempo que cria riquezas e revoluciona a produção, também intensifica a exploração e as contradições sociais. E é nesse ponto que sua análise se desdobra para propor a superação desse sistema — algo com o qual não concordo.

 

Capitalismo e Liberdade Econômica

Me considero capitalista porque, para mim, esse é o sistema que melhor traduz a condição essencial do ser humano: a vontade de potência, o desejo constante de expansão e lucro. Apesar disso, sou liberal e acredito na necessidade de um Estado regulador, não no sentido de um dirigismo econômico excessivo, mas de um regulador estrutural, como proposto por Keynes e Schumpeter. A economia não deve ser sufocada pelo Estado, mas tampouco pode operar sem qualquer controle, como alertava Adam Smith ao reconhecer que certos mecanismos de correção são necessários para evitar monopólios, desigualdades extremas e colapsos sistêmicos.

 

A lógica dos agentes econômicos é o lucro, enquanto a do governo deve ser a busca pelo equilíbrio social. Por isso, defendo que o Estado tenha um papel de intervenção mínima, mas estratégica, promovendo infraestrutura, acesso à educação e saúde, bem como incentivos ao empreendedorismo. Schumpeter demonstrou como o capitalismo evolui por meio da “destruição criativa” — ou seja, inovações que substituem modelos anteriores — e, para que esse ciclo ocorra sem desordem social, é essencial que exista uma estrutura regulatória que garanta oportunidades e competitividade.

 

Portanto, um sistema funcional não é aquele que sufoca a economia com controle excessivo, mas sim o que permite que as forças de mercado operem dentro de um quadro que favoreça o bem comum. Sem regulação, há apenas o caos; sem liberdade econômica, há estagnação. O equilíbrio entre esses fatores é o verdadeiro desafio. Portanto, considero-me liberal na economia e nos valores, conservador de tradições e instituições. Liberal conservative, à inglesa, como bem exemplificado por Edmund Burke, que acreditava na importância da preservação das instituições e na ordem social, ao mesmo tempo em que defendia a liberdade econômica com uma regulação que respeitasse as tradições.

 

O Marx Sociólogo: Reflexões Contemporâneas

Agora, o Marx sociólogo, que analisou as dinâmicas das relações de produção e como a infraestrutura econômica gera a superestrutura — incluindo as ideologias, a mídia, o discurso — continua sendo atual. Essa análise ainda reverbera no entendimento das estruturas de poder e controle nas sociedades contemporâneas.

 

Porém, atribuir aos massacres e distorções do marxismo as mortes ocorridas sob regimes autoritários é um puro exercício de mal-caratismo. A afirmação de que o marxismo foi responsável por 100 milhões de mortes é uma falácia histórica. Esse número vem do Livro Negro do Comunismo, uma obra amplamente criticada por sua metodologia falha, que atribui todas as mortes ocorridas em regimes que se diziam marxistas diretamente ao marxismo, ignorando os contextos de guerra, disputas internas e dinâmicas geopolíticas da época. Se seguirmos esse raciocínio simplista, poderíamos também responsabilizar o cristianismo pelos massacres das Cruzadas, pela Inquisição e pelo colonialismo europeu — mas isso seria uma análise reducionista da história.

 

Religião e Marxismo: Um Paradoxo Inquietante

A violência do stalinismo, por exemplo, não pode ser atribuída diretamente a Marx. Ela é uma distorção de seus princípios, no contexto de um regime que se afastou da teoria original, transformando-se em um sistema opressor e repressivo.

 

Além disso, os católicos são grandes críticos da Teologia da Libertação, e em muitos aspectos, têm razão, pois a própria ideia do materialismo histórico nega a dualidade proposta pela religião. Contudo, ao mesmo tempo, o marxismo tenta aplicar a ideia de um “paraíso cristão” na terra, o que gera um contraditório movimento de aproximação e afastamento entre os dois pensamentos. A Igreja Católica, por sua vez, tem uma longa história de colaboração com o poder e a economia, frequentemente alinhada ao capitalismo. Já o comunismo, em sua proposta teórica, busca a socialização dos bens e a abolição da propriedade privada, o que, historicamente, o colocou em constante conflito com instituições religiosas.

 

Apesar disso, existe um paradoxo: os ideais de igualdade e justiça social defendidos pelo comunismo têm ressonância com valores cristãos, como a compaixão e o amparo aos pobres. Da mesma forma, o capitalismo, com sua competição acirrada e a busca incessante pelo lucro, frequentemente entra em contradição com os ensinamentos cristãos sobre humildade e solidariedade. Então, por que tanto ódio entre essas visões?

 

O Choque entre Fé e Ideologia

Talvez porque, no fundo, o que se disputa não sejam apenas modelos econômicos ou estruturas políticas, mas narrativas sobre o mundo e sobre o próprio ser humano. Religião e ideologia, quando se tornam absolutas, tendem a excluir qualquer alternativa, tornando-se dogmáticas e rígidas.

 

No fim, o que parece faltar é um espaço de conciliação entre fé e justiça social, entre espiritualidade e liberdade econômica, sem que um precise negar o outro. Esse equilíbrio ainda é um desafio para o pensamento contemporâneo, que insiste em dividir e polarizar, em vez de buscar uma síntese que contemple a complexidade humana.

 

O Legado de Paulo Freire e Seus Críticos

Agora, aos que criticam Paulo Freire, negando seu método de ensino e sua relevância intelectual, vale refletir. Freire é, sem dúvida, um intelectual com o qual não costumo fazer agenciamento direto com meus pensamentos, mas sua obra, especialmente Pedagogia do Oprimido, apresenta uma crítica legítima e coerente ao modelo educacional tradicional. A crítica ao “método bancário”, no qual o professor é visto como o depositário do conhecimento e o aluno (sem luz) como um mero receptor passivo, sem questionamentos, é de uma atualidade imensa. Esse modelo acrítico e vertical de ensino é exatamente o que produz pessoas completamente analfabetas funcionais — como muitos dos próprios críticos de Freire.

 

Se esses críticos tivessem sido alfabetizados conforme as premissas de Freire, não se contentariam apenas em reproduzir citações de outros, como papagaios de pirata. Eles soam como aquele relógio do Silvio Santos que apenas fala as horas, sem reflexão alguma.

 

O Desafio da Educação no Brasil

Freire defendia a troca de experiências entre aluno e professor e uma alfabetização que levasse em conta o contexto social e cultural do aluno, utilizando parábolas e metáforas como ferramentas de ensino. Ora, quem mais defendia isso, senão o próprio Cristo? Mas, os extremistas da direita, com um cabresto ideológico que os impede de ver além do próprio nariz, precisam encontrar um bode expiatório, um Judas, para culpar pelos problemas estruturais da educação brasileira — como a falta de verba e a precarização da profissão docente. Quando o governo ultra-direitista de Jair Bolsonaro assumiu o poder, o que se viu foi exatamente o desvio de pautas importantes, como a alocação de verbas e a melhoria da infraestrutura, para discutir questões como ideologia de gênero, escola sem partido e um falso moralismo que impede qualquer reflexão sobre o macro.

 

Ideologia, Filosofia e a Busca pela Coerência

Agora, o grande salto carpado está em negar a relevância mundial de Paulo Freire, enquanto idolatraram a figura de um “pornô-filósofo” como Olavo de Carvalho, que nada produziu de significativo, não tem uma obra relevante reconhecida na academia e cujos cursos de filosofia são arbitrários, sem base sólida. Olavo sequer se dedica ao estudo das escolas fundamentais da filosofia e, mais ainda, falta-lhe o didatismo necessário para ensinar. Então, Olavo de Carvalho é foda e Paulo Freire é um “merda”? Me expliquem melhor.

 

As ideias de Marx, que segundo alguns causaram mortes de milhares, são mais perigosas do que as ações da Igreja Católica, com a Inquisição, as Cruzadas e, mais recentemente, os escândalos de pedofilia? O que realmente estamos discutindo aqui?

 

A Filosofia como Agenciamento

É por isso que, na minha forma de pensar, evito me apegar a ideologias, para não cair nessas contradições e incoerências. Prefiro trabalhar com a ideia de agenciamentos materialistas e históricos, desde que haja coerência. Ao contrário de muitos, reconheço a importância da espiritualidade na vida das pessoas e defendo que todos tenham o direito de professar a fé que escolherem. No entanto, como cético, à maneira de Montaigne, acredito que a espiritualidade ideal é a laica.

 

O Desafio de Conciliar Pensamento e Estilo

A ideia de agenciamento é muito mais rica, pois me permite traçar paralelos entre Hegel e Kant, entre Goethe e Nietzsche, entre música e poesia, por exemplo, desde que haja coerência, é claro, e não se trate de um contra-senso, onde um pensamento simplesmente nega o outro. Brinquei, certa vez, com o caso de um recantista que tentou juntar Kant, Schopenhauer e satanismo, no que chamou de “luciferianismo transcendental” — o coitado, ignorando que as ideias de cada pensador negam as do outro. Isso não é originalidade, é apenas uma tentativa de parecer criativo.

 

O pensamento, assim como a moda, exige saber combinar as cores, ter coerência, elegância, finesse e estilo. Caso contrário, você vai se vestir como um pastor, com camisa verde musgo e um terno que seria maior o corpo do defunto.

DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo)
Enviado por DAVE LE DAVE II (Sim Ele Mesmo) em 24/02/2025
Reeditado em 24/02/2025
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