AINDA SOMOS SELVAGENS
AINDA SOMOS SELVAGENS
Nos últimos dias, fui acometido por notícias e situações que revelam a falta de humanidade para com a natureza e os animais. Deparo-me com a notícia de que um garoto de 9 anos invadiu uma clínica veterinária e matou 23 animais, sendo 20 coelhos e 3 porquinhos-da-índia. Na mesma hora, não quis me render à busca por detalhes, pois já sentia que a simples manchete poderia acarretar pesadelos e isso já me parecia ser.
Gostaria de me convencer de que a criança não sabia o que estava fazendo, a família relatou que não há histórico de violência por parte do infante. Desculpem-me, mas não consigo ser complacente com tamanha atrocidade vinda de quem quer que seja. Eu não desejaria ser pai, sequer parente de uma pessoa assim. Não há estudo da psicologia que me faça ser tolerante com quem sente prazer em provocar sofrimento e destruição. A
No dia anterior, a notícia de que uma mulher colocou dois pitbulls em um prédio situado no Bairro dos Estados – João Pessoa – PB para atacar e expulsar cerca de 40 gatos que lá residiam. Além de submeter os felinos ao risco de morte, que de fato ocorreu com vários destes, sujeita os cães ao contra-ataque e consequentes lesões. Onde estão as autoridades para intervir? A intervenção que, para além da proteção aos animais, representa uma questão de saúde pública, pois a presença de quarenta gatos confinados em um prédio é insalubre, haja vista as más condições nas quais estavam. Porém, não justifica a atitude da senhora.
Reporto-me agora à situação já conhecida por muitos paraibanos: o Rio Jaguaribe pede socorro há anos. O rio que atravessa toda a cidade e deságua em Cabedelo pode ser ainda assim chamado? O rio que há meio século servia para pescar, alegrava pessoas que desfrutavam das suas águas para se banhar, hoje é esgoto a céu aberto. Fede. Não obstante, a vida persiste, ainda há peixes, jacarés, capivaras e outras espécies que (sobre)vivem por meio da sua resistência... Até quando? Há algum tempo, prometeram buscar recursos em Barcelona para revitalizá-lo. Que resposta tivemos? Mudam os (des)governantes e os problemas persistem. Falta interesse? Os homens destroem a natureza e chamam isso de progresso.
Várias áreas que deveriam ser de preservação ambiental estão sendo invadidas para satisfazer a ânsia do empresariado que pouco ou nada se importa com a natureza. O único verde que almejam é o das cédulas. A quem pertence a cidade? Animais estão morrendo, e nós estamos pagando o preço da destruição. As queimadas têm tornado o ar irrespirável, São Paulo, Rondônia, Roraima, Brasília, Belo Horizonte, a tragédia no Rio Grande do Sul... são respostas que a natureza tem nos dado depois de séculos da nossa ânsia pelo desenvolvimento sem considerar a sustentabilidade.
O esgoto que invade as praias de João Pessoa e outras regiões do Brasil nos envergonha. A Paraíba é conhecida por suas belas praias, mas virou vergonha nacional. O problema persiste. Basta caminhar pela orla do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra, Bessa e Intermares. Enquanto isso, por todo o Brasil constroem-se parques aquáticos. Tornar as praias impróprias para banho para depois vender ingressos para piscinas? É esse o plano?
E como posso conceber o fato de que há uma Secretaria de Meio Ambiente e ao lado, literalmente, há uma sucessiva derrubada de árvores? Estão sorrateiramente ceifando-as, mas qualquer transeunte que andar pela principal avenida da cidade poderá observar a destruição. Que conveniência é essa? Quem e o que está ganhando com isso?
E vão justificar que “um dia tudo foi mato”, que “gerará empregos”... Eu prefiro o canto dos pássaros, o verde das florestas, os animais e as pessoas vivendo em harmonia, um ar que nos dê condições de respirar sem auxílio de máscaras e aparelhos; mares e rios em que possamos nos banhar sem o receio de sermos contaminados. Ainda somos selvagens. A selva cada vez mais de pedra nos tem legado corações de concreto. A esperança é verde.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado no jornal A União em 18/10/24)