Crise hídrica e guerra mundial
Os eventos recentes escancaram que já estamos vivendo as consequências do aquecimento global e da emergência climática: enchentes catastróficas, secas prolongadas, recordes de temperatura, incêndios... As previsões são que os eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e agudos.
A água tem sido considerada a substância chave para o Século XXI. Por isso é chamada “o ouro azul” do século. A distribuição da água potável no planeta deverá sofrer profunda crise com as mudanças climáticas. Atualmente, segundo a UNICEF (órgão da ONU para a infância), a escassez de água já penaliza cruelmente a humanidade: 2,1 bilhões de pessoas sofrem de insegurança hídrica, 4,5 bilhões não contam com serviços de saneamento seguro. E esta atroz realidade só vai piorar.
No Brasil, parecemos não querer nos preocupar com a água. Afinal, o país é o detentor dos maiores volumes de água doce do planeta. Mas a despreocupação está dando origem à negligência, à ruína. Poluímos águas superficiais, incendiamos a vegetação nativa e degradamos solos que são essenciais no ciclo da água, causamos a depleção de aquíferos... Os “rios voadores”, que transportam umidade da Amazônia para o Centro-Oeste, Sul e Sudeste do país, com os incêndios na floresta estão se transformando em torrentes de fumaça e fuligem. Atenção: comprometer a capacidade da Amazônia de abastecer os rios voadores que irrigam o Brasil causaria mais danos que um ataque nuclear ao nosso país.
Com o agravamento da emergência climática, as águas subterrâneas passam a ter importância estratégica crescente. Os aquíferos – as unidades rochosas que acumulam água nos seus poros e vazios – fornecem água de boa qualidade, em volumes que podem suprir as necessidades humanas por muito tempo. A água subterrânea tem algumas vantagens: não depende das mudanças nas precipitações; a água é de boa qualidade e em volumes apreciáveis; dispensa tratamento prévio; os poços podem ser perfurados no local de uso, evitando redes de distribuição. Mas a água subterrânea também tem sua vulnerabilidade: se poluídos, os aquíferos tornam-se praticamente irrecuperáveis. Assim, diante da emergência climática, nunca foi tão importante cuidar da proteção dos aquíferos.
A cidade de Ponta Grossa no Paraná - um exemplo bem oportuno - é abençoada com a existência de um generoso manancial subterrâneo em seu subsolo: o Aquífero Furnas. Em estudos realizados em 2010, os poços tubulares profundos que exploravam águas desse aquífero na cidade já tinham possibilidade de produzir 30% da demanda. Decerto essa capacidade cresceu com a perfuração de novos poços desde então. Novos estudos têm que ser feitos.
A preservação da qualidade da água do Aquífero Furnas depende de ação firme. É urgente um regramento municipal que regule o uso da terra nas áreas de recarga do aquífero: na porção leste da cidade, onde aflora o Arenito Furnas, é essencial a condição de proteção de manancial, que evite qualquer atividade potencialmente poluente. Lá não é lugar para aterros sanitários, efluentes da pecuária e uso de agrotóxicos. O que implica inclusive a remoção do lixo contido no encerrado Aterro Botuquara para outro local. Ademais, a exploração pelos poços também tem de ser regulamentada, para evitar a depleção e a poluição pela contaminação com águas impróprias provindas de unidades rochosas justapostas.
Enquanto a humanidade se preocupa com o risco de uma nova guerra mundial, com o agravamento das crises na Ucrânia e no Oriente Médio, urge a atenção com a água, diante do incerto futuro climático. Sua escassez pode ser igualmente devastadora.