IDENTIDADE
IDENTIDADE
A identidade se refere à parte do nosso ser responsável pelo entendimento de quem somos, de modo a nos diferenciarmos e nos constituirmos como sujeitos. Porém, isso ocorre quando passamos a analisar o outro de forma a validar ou invalidar aspectos alheios.
A psicologia aponta que as primeiras pessoas a quem tendemos esse movimento de diferenciação são os nossos pais. Ao perceber que a mãe não é sua extensão, o bebê vai ampliando, aos poucos, o seu olhar sobre o mundo. Diante disso, observa-se que não somente o nosso olhar sobre o outro é essencial nesse processo, mas também o olhar do outro sobre nós.
À medida que mais olhares vêm e vão, vamos nos transformando, o que torna o processo de identificação dinâmico. É preciso mudar para permanecermos sendo. Oportunidades de estudo, de trabalho, as experiências amorosas/sexuais e as culturais são exemplos de como as vivências podem modificar a forma de enxergarmos a nós mesmos e, por conseguinte, o mundo.
Nesse processo, ora consciente, ora inconscientemente vamos elegendo nossos (des)afetos. No sim há um não e vice-versa. Contudo, há momentos em que, por estarmos vulneráveis e rodeados de possibilidades múltiplas, somos invadidos por uma angústia que nos faz questionarmos quem somos ou estamos sendo. A isso denomina-se crise de identidade. É o momento de grande oportunidade para recalcularmos nosso ser-estar no mundo. Refletir: quem sou eu para mim e para o outro? Fui de ou ao encontro de mim?
A adolescência é vista como uma fase exemplar da crise de identidade. Angustiado por não ser criança, o indivíduo fica entremeado entre quem foi, quem é e quem pode vir a ser. No entanto, em outras fases da vida (se bem pensadas), também nos ocorrem crises. Na adultez, é comum a inquietude por se posicionar no mercado de trabalho e construir uma persona profissional digna de apreço, cidadão pagador de impostos e boletos, pai, mãe... Na velhice, muitos refletem acerca das escolhas que fizeram e do tempo que lhes resta...
“Ser ou não ser, eis a questão”. “Ser”, embora infinitivo, é gerúndio, é processo constante. O mundo é dinâmico, gira, e nós precisamos prosseguir. Quem é afeito à mesmice não entende o prazer que a mudança pode conter. Quase sempre é doído, mas quem não se decifra é devorado pelas diversas circunstâncias que nos sucedem.
A construção de uma identidade, na medida do possível autêntica, está na proporção do quão atentos estamos ao que fazemos de nós e permitimos que os outros nos façam. A identidade é esse olhar cruzado, via de mão dupla, que às vezes se choca. Ocorre quando o indivíduo vai na contramão de si, forçando entrar em contextos que não são condizentes de fato com seus ideais para se sentir reconhecido ou amado. Num contexto de carência afetiva, sensação de abandono e desamor por si, vai em busca de uma mudança brusca como se essa fosse uma alternativa plausível diante da necessidade de afeto.
Na era de diversas redes sociais, muito contato virtual e pouco real, muitas mensagens digitadas, áudios e vídeos, mas pouca presença, pouco olho no olho, os sujeitos se fragmentam, esfacelam sua identidade por se basearem em vidas excessivamente maquiadas nesses ambientes nos quais a vida do outro é perfeita. Assim, elegem-se ídolos com os quais sequer tiveram contato próximo, de modo a conferir os defeitos daqueles que julgam liderar um modelo ideal de viver.
A sociedade se modifica, visto que direitos são conquistados, tendências surgem, exigências profissionais nos absorvem, levando-nos a nos render ao que não corresponde à nossa subjetividade. O autoconhecimento é imprescindível para que não nos percamos na balbúrdia do caos. Terapia, literatura, arte, amizades legítimas e distanciamento de situações e pessoas que nos “sequestram” são maneiras de preservar nossa identidade.
O ser humano deve ser livre das amarras que o oprimem, deve entender quem é para realmente exercer suas potências. Do contrário, será como uma semente na qual está aprisionada uma bela flor, mas que fenece porque desconhece suas raízes.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado no jornal A União em 6/9/2024)