A nova neurose do cancelamento. Por Meraldo Zisman
Estamos vivendo em um tempo em que as redes sociais conectam as pessoas, mas também as expõem a uma constante vigilância. Nesse contexto, surge o “cancelamento,” uma forma moderna de exclusão, onde indivíduos ou grupos são boicotados e, às vezes, destruídos publicamente por suas palavras ou ações. Embora muitos vejam o cancelamento como uma forma justa de responsabilização, ele cria um ambiente de medo e autocensura, que pode ser chamado de “Neurose do Cancelamento.”
No campo da psicologia, “neurose” se refere a um estado de ansiedade persistente. No século XXI, essa neurose tem uma nova face: o medo de ser cancelado nas redes sociais. O cancelamento é rápido e muitas vezes cruel, deixando pouco espaço para defesa ou reconciliação. Isso faz com que expressar opiniões genuínas se torne arriscado, levando as pessoas a se autocensurarem como forma de proteção.
O cancelamento é especialmente prejudicial porque não afeta apenas figuras públicas. Qualquer pessoa com uma presença online significativa pode ser alvo, independentemente do contexto ou intenção. As redes sociais, com sua comunicação rápida e busca por validação através de curtidas e compartilhamentos, tornam o cancelamento ainda mais poderoso. Em questão de minutos, um comentário ou ideia pode se espalhar pelo mundo, causando danos irreparáveis à reputação de alguém.
Essa neurose é impulsionada por um mecanismo psicológico chamado “Superego,” que é a parte da nossa mente que internaliza as normas e valores da sociedade, funcionando como uma espécie de consciência. Nas redes sociais, esse Superego coletivo se torna mais rígido e punitivo. O medo de ser julgado publicamente força as pessoas a ajustar suas opiniões e comportamentos para se adequar ao que é socialmente aceitável, criando uma ansiedade constante.
O psicanalista Donald Winnicott introduziu os conceitos de “falso Self” e “verdadeiro Self,” importantes para entender a neurose do cancelamento. O verdadeiro Self é quem realmente somos, com nossos pensamentos e emoções autênticos. O falso Self é uma máscara que usamos para agradar os outros e evitar críticas. Nas redes sociais, muitas pessoas escondem seu verdadeiro Self e adotam um falso Self para evitar o cancelamento, o que causa estresse e insatisfação pessoal, além de enfraquecer a qualidade das discussões.
A neurose do cancelamento também afeta intelectuais e cientistas, que dependem da credibilidade e aceitação de suas ideias. Em vez de prosperarem em um ambiente de livre expressão e debate, muitos acabam se autocensurando para evitar o cancelamento, limitando assim o progresso intelectual.
Embora o cancelamento seja visto por alguns como uma forma de responsabilização, ele carece de justiça. As redes sociais atuam como um tribunal rápido e severo, sem espaço para reflexão ou perdão. Quem é cancelado frequentemente é excluído do discurso público, independentemente de arrependimento ou circunstâncias atenuantes.
Superar essa neurose exige um esforço coletivo para criar espaços de diálogo, compreensão e empatia. As redes sociais têm o potencial de serem plataformas de conexão verdadeira, onde as pessoas possam se expressar como realmente, sem medo de retaliação. Isso requer uma mudança cultural, focando na reparação e na busca de soluções construtivas, em vez de punições rápidas e severas.
Em resumo, a neurose do cancelamento reflete as ansiedades de uma sociedade em rápida mudança. Para enfrentá-la, precisamos cultivar uma cultura que valorize a diversidade de pensamentos, proteja a liberdade de expressão e incentive o crescimento pessoal. Assim, o medo do cancelamento pode ser substituído pela confiança no diálogo aberto e na capacidade de perdoar e aprender, com as ideias de outros ou com seus próprios erros.