La Niña e a cultura do desperdício
Institutos de previsão do tempo consideram que o fenômeno climático La Niña já estaria atuando na América do Sul, fazendo com que águas frias de profundidade do Oceano Pacífico subam para mais perto da superfície, causando o resfriamento nessa região. Os impactos desse evento natural são associados com chuvas acima da média em áreas da região Norte e Nordeste e precipitações abaixo da média nas regiões Centro Oeste e Sul do Brasil. É nesse cenário de estiagem severa que se sobressai a cultura do desperdício, comportamento recorrente arraigado em uma significativa parcela da população brasileira. De nada adiantam as portarias dos governos municipais restringir o consumo de água, principalmente em épocas tradicionalmente com esparsas ocorrências pluviométricas. Os esbanjadores contumazes fazem questão de afrontar os ditames oficiais, que visam preservar e garantir o fornecimento do precioso e indispensável líquido da vida. Nem as multas, quando e se efetivadas, parecem surtir o efeito desejado, uma vez que o desperdício é ardilosamente transferido para o horário noturno, uma maneira peculiar de driblar a fiscalização.
É compreensível que a população queira desfrutar de serviços públicos como energia elétrica, água potável, coleta de resíduos e outros, da forma como bem imaginar. Teoricamente, essa condição seria completamente democrática e um direito inalienável de qualquer cidadão. Ocorre que, em épocas de dificuldades hídricas, os direitos elementares individuais são relegados em segundo plano enquanto que os direitos coletivos passam a prevalecer. Essa situação de total indiferença aos apelos das autoridades demonstra o grau de comprometimento com as demandas pontuais da sociedade. As cenas de desperdício variam do inconsequente deslumbrado que insiste em lavar incansavelmente o carro todo fim de semana, por horas a fio. Ou da senhorinha, que do alto de sua experiência de vida não consegue ter discernimento suficiente para enxergar o absurdo da torneira esquecida aberta na calçada, enquanto coloca em dia as conversas com a vizinha prosadora. Ou ainda, a dona de casa que resolve transformar a mangueira de água em vassoura lavando a calçada, a rua e adjacências. É basicamente essa a mentalidade de nossa gente, ao estilo do “estou pagando, então gasto o quanto quiser”.
A patota costumeiramente reativa a contingências eventuais é do mesmo naipe das que promovem outras cenas dignas de aplausos. Como se imaginam detentores de plenos e intransferíveis direitos, passam a apresentar costumes bizarros como descartar resíduos, móveis e objetos usados em vias públicas, fundos de vale, estradas rurais; atirar lixo e vasilhames de bebidas pela janela do veículo, entre outras traquinagens. Também ignoram a necessidade em separar corretamente o lixo doméstico, uma atitude imprescindível para a destinação final dos resíduos. Esse estilo de vida reflete a falta de cultura e principalmente, de educação de um povo. O sentimento de consciência coletiva se desenvolve no lar e é fruto da dedicação dos pais em transmitir e incutir nos descendentes o respeito às pessoas, ao meio ambiente e a vida em sociedade. Enfim, essa situação momentaneamente caótica será certamente superada com o retorno das chuvas. Restará explicito, portanto, o verdadeiro caráter daqueles omissos perante suas responsabilidades, que infelizmente, afetam diretamente toda a coletividade.