(IM)PULSÃO DE VIDA

(IM)PULSÃO DE VIDA

O filósofo Nietzsche dizia: “quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como”. Essa frase nos convoca a buscar um propósito em nossas vidas para que consigamos prosseguir, mesmo diante de grandes adversidades. Que viver não é fácil todo mundo com mais de quinze anos deve saber ou em breve saberá. Mesmo uma pessoa criada sob todas as regalias, certamente terá do que se queixar, talvez justamente pelo fato de que, por ter tudo à sua disposição, sente o vazio existencial de não saber pelo que lutar. Então, a “vida fácil” torna-se entristecedora, pois a angústia da falta ausente em si a deixa paralisada diante do universo de possibilidades que a vida tem.

Dia desses, em conversa informal, conversávamos uns amigos e eu sobre a tristeza que assola o mundo, reverberando em depressão. Um falava sobre o caráter físico, ao passo de eu vê-la como plural. Sim, são depressões. Diante disso, aponto para uma depressão no aspecto biológico, como a suspeita da baixa da serotonina, neurotransmissor responsável pela regulação do humor. Mas há outra para a qual quero me voltar: a depressão por não se sentir validado pela vida, a social. O sentimento de que se é um existente e não vivente, por ver a vida passar sem reconhecer o que aqui está fazendo, como se todo dia fosse o tenebroso vácuo que acomete muitas pessoas aos domingos.

Domingo bem poderia ter o status de um momento de trégua, e para muitos assim o é, quando bem conduzido, uma oportunidade de usar a ociosidade como aliada, como um “carpe diem”, desfrutando desses momentos como melhor julgar. Todavia, por um sem-número de pessoas odiarem a própria presença, por medo ou covardia, sentem-se na obrigação de preencher as horas com companhias ou atividades das quais logo, logo se arrependerão. Há tanto para se viver, caso um tanto se goste. Se não, ainda há tempo para aprender a se amar, aprender a ser companhia agradável a si, aprender a ser uva antes de querer ser vinho, aprender a frear sem se capotar. Quando a solidão bater à porta, convide-a para o café.

“Precisamos aprender e também ensinar às pessoas em desespero que a rigor nunca e jamais importa o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim o que a vida espera de nós”, afirma o psicólogo Viktor Frankl. Admito: já acreditei que a vida não esperava nada de mim, mas era eu que já não esperava muito. Se viver é desejar, eu não queria mais viver. Faltou-me a (im)pulsão de vida. O mundo me devia explicações, achava e pensava estar entregando muito, mas pouco recebendo. Não era a vida sem cores, eram meus óculos embasados. Até um dia alguém me auxiliar a descortinar o sofrimento fazendo-me ver com outras lentes. Amigos têm esse poder – eles nos enxergam com olhar pacífico.

Drummond apontava para a grandeza do mundo e para a necessidade de não nos afastarmos, para irmos de mãos dadas. É preciso, de fato, dar-nos as mãos, entendermos que não somos autossuficientes. Não, nenhum homem é uma ilha. Quem assim pensa está cercado de águas que o levaram ao afogamento em mágoas. É inadiável deixar vazar, construir pontes e acender faróis para que, na medida do possível, possamos avistar as delícias e as malícias entre nós.

Sou um satisfeito inconformado. De domingo a domingo exercito a gratidão – essa palavra tão disseminada, mas pouco assimilada. De domingo a domingo tenho sede, porque sou um reduto de desejos. Estou no limiar da tensão e do tesão. Inquieto entre aquilo que sou e aquilo que almejo ser. Vou ao encontro de mim ou de encontro a mim? Uma preposição muda tudo, porque está amparada por uma proposição, autenticidade. O conformismo (fazer porque os outros fazem) e o totalitarismo (fazer somente o que querem que façam) é causa de grande sofrimento.

Ter por que viver é um impulso para uma vida que não se limita à existência. É o espírito conectado com a transcendência, a consciência de si, para que a vida não seja apenas pulsação, mas também um impulso para algo que, se não conseguimos medir, ao menos sentiremos como um encontrar-se aliado, conciliado consigo.

Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.

(Texto publicado no jornal A União em 17/05/2024)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 17/05/2024
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