(A)TEMPORAL
(A)TEMPORAL
O amor não se comanda, pois é o amor que comanda. (André Comte-Sponville)
Todos nós estaremos em tese seguros no porto, mas isolados numa falsa fortaleza, haja vista que somente quem se aventura terá histórias para contar. Assim são as nossas paixões, nossos sonhos, nosso anseio por amar e nos sentirmos amados. Entre a temperança e a tempestade. Da intempestividade ao tempero. Essa ambivalência que nos atrai e nos afasta, tal qual o movimento do mar. Amar é persistir no incerto e, portanto, legitimar o sentimento.
Demorei alguns anos para entender que nenhuma experiência é inválida se com ela aprendermos. É possível até mesmo para eu líricos dramáticos, pragmáticos e românticos. Aqueles que cansaram de esperar e aqueles que esperam esperar, pois amar - como diria um poeta - “é entrar no tempo do outro”. Em outras palavras, diz Zygmunt Bauman, em sua obra “Amor líquido”: não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese das coisas.
O tempo nos convoca a muitas reflexões. O amor e suas tramas. O amor e seus dramas, tecido que se dissolve no tique-taque das horas. Na euforia, muitas palavras são ditas. Na raiva, abolidas. (A)temporal é uma dissolução do efêmero. Um (im)possível ou (im)provável retrato do que se emoldurou a partir de romances. Eis a sina do poeta: fazer da tristeza uma canção. Mas, será que ser romântico no mundo de hoje é acender uma vela para si mesmo? Como se vive um grande amor? Com intensidade ou com calma? Na tempestade ou na brisa? O mar é a maior metáfora para vida. Suas ondas se ajustam à toada do vento. Nesse movimento cíclico, recolhe e avança, retrocede e rompe barreiras. Vez em quando, ruge, reclama, tem ressaca de ser o que se é. Porém, a cada dia se aprofunda...
A ampulheta está virada. Enquanto eu estiver aqui, deixá-la-ei na horizontal. Talvez o tempo seja generoso e me dê horizontes de sentido ou me faça perder a noção do que há de vir. Essa é mais uma tentativa de fazer com que a palavra consiga traduzir silêncios, são registros de solidão, dor e, possivelmente, dramas e tramas. Amargura? Amar cura ou fenece. Escolhi não fenecer. Acolhi o imaterial para que pudesse dar corpo ao impalpável, quebrando as horas enquanto escrevia.
Para algumas coisas, estou cansado. Para outras, persevero. Persigo o amor, no quase enfarto de procurá-lo. Andava mais acreditado na maldade humana do que no bem, confesso. Todavia, sigo atualizando a (des)ordem aqui dentro, atracado na possibilidade de prosseguir. E, qual Adélia, “minha tristeza não tem pedigree, mas o que sinto, escrevo”. Eis a minha sina. Eis a minha rima. Não sei aonde vou, mas sei onde quero chegar – no limiar do tempo e da palavra.
O amor nos convida a refazer nossas estruturas. É o tecido cuja trama se envolve com várias contrariedades. Nele retiramos os excessos que nos impedem de caminhar na direção do coerente, ainda que desestabilizados. Amar é estar vulnerável a um campo minado, por isso que a entrega deve ser confidenciada apenas entre os amantes. Eles sabem que tão logo uma chaga pode nascer e esta não deve ser publicizada.
No avesso das realidades, um verso se esconde. O tempo dá trégua a um coração que se permite ser livre. São apenas alguns instantes que, no entanto, se eternizam na história para nos mostrar que, ao sermos sentinelas de nossos sentimentos, também podemos abrir essa brecha no tempo para que nos revelemos consagrados à mística da vida. Isso deve ser mais que sobrenatural. Só os corajosos admitem romper as etiquetas fixadas em suas armaduras que, de tão usadas, já denunciam a corrosão da ferrugem.
Não desejo ser blindado quando as verdades se mostrarem outras. Como a trama se constrói, meu drama se edifica perante o recorrente. Acorrentado, liberto-me dessa máscara para anunciar que a vida é uma rotina que impõe novidades para não desistirmos de nos assombrar e colher seus significativos acasos. Se acaso aqui estou, é porque desejo e o desejo não foi preenchido, é atemporal e persiste em meus multiversos.
Leo Barbosa é professor, escritor, poeta e revisor de textos.
(Texto publicado no jornal A União em 19/04/2024)