Pau que nasce torto morre torto

“Errei, quero uma chance pra recomeçar/ dizem que pau que nasce torto morre torto/ eu não sou pau, posso me regenerar” são versos da linda canção “Fraqueza”, sucesso de 1973 de Antônio Carlos e Jocafi. Nela, os compositores contestam poeticamente o ditado popular que afirma que o que começa mal nunca vai se consertar: o “pau que nasce torto morre torto”. Ou seja, que uma pessoa que é criada num meio com certos conceitos e convicções nunca vá ser capaz de modifica-los.

O ditado popular tem suas razões de existir: o ser humano tem notória dificuldade de admitir erros, e, mesmo que os reconheça, tem imensa dificuldade para mudar! E como erramos! Atualmente, os erros espontâneos, fruto de acidentes, equívocos ou do desconhecimento, são em número e importância muito menor que os erros plantados, aqueles para os quais somos conduzidos, pela manipulação e condicionamento.

O ser humano tem muita dificuldade de reconhecer o quanto ainda é um animal irracional, passível de ser adestrado tal como um cão. Assim mostrou Pavlov com os estudos sobre o reflexo condicionado, este depois comprovado também no Homo sapiens. Mentiras repetidas podem convencer que são verdades. O erro da mentira passa a guiar o comportamento do indivíduo ludibriado pelo condicionamento. Ele reage ferozmente, com todo seu instinto animal, se ousam alertá-lo de seu erro.

Estamos naquela idade da adolescência da humanidade, em que nossa amoral racionalidade ultrapassou a compreensão, o bom senso e a ética. As engenhosas tecnologias para a manipulação e o condicionamento, seja para o consumo, para a crença religiosa, para as convicções políticas, para a moral e valores, são muito mais poderosas que o discernimento humano. Não temos mais segurança de sabermos distinguir a mentira da verdade. Nunca antes as mentiras induziram tantos ao erro. A despeito de tudo o que nossa inteligência já nos comprovou, ainda são muitos os terraplanistas, os antivacinas, os céticos do aquecimento global, os que acreditam num deus dinheirista e segregacionista, ou que o especulativo mercado é capaz de uma justa gestão econômica, e que, entre as raças e culturas, há as superiores e as inferiores.

E, diante de evidências do equívoco e do erro, como a humanidade tem reagido? Diálogos francos em busca da compreensão e do acerto? Ao contrário! Reconhecer o erro seria suposto sinal de fraqueza, de ignorância, de inferioridade. Radicalizamos e blindamos a crença no erro. A convicção no erro passa a fazer parte da essência identitária do indivíduo, e mesmo de comunidades inteiras. Convicções acirradas, ainda que completamente equivocadas, enraízam-se, conduzem à segregação, ao ódio, à guerra.

Talvez a humanidade esteja só precisando ouvir mais canções, como aquelas de cinquenta anos atrás. Como as tais que, talvez com outras palavras, diziam algo como: “Errei, quero uma chance pra recomeçar/ dizem que pau que nasce torto morre torto/ eu não sou pau, posso me regenerar”.