Os Programas do Governo Federal para a ocupação do Cerrado Brasileiro
Aires José Pereira
O governo brasileiro criou várias formas de interiorizar a ocupação territorial deste país. Desde os primórdios de sua ocupação, o governo tem agido no sentido de incentivar essa ocupação, inclusive, para garantir sua posse. No entanto, nos últimos anos do século passado (século XX) é que essa ação foi mais intensa, organizada, sistematizada, instrumentalizada tanto no que diz respeito à política de ocupação, política ideológica, política de incentivos, política estratégica, política técnica-científica, enfim, o governo oferece todas as condições necessárias ao empreendedorismo do grande capitalista agropecuarista. Linhas de financiamentos são criadas para que o grande empresário do ramo agropecuário tenha todas as condições de “capacitar” o cerrado para a produção de grãos e carne para o mercado interno (região sudeste, principalmente) e o mercado externo.
O Polocentro teve como objetivo propiciar a ocupação racional e ordenada dos cerrados, difundindo a tecnologia agropecuária, permitindo elevados níveis de produtividade, e ao mesmo tempo, aumentando e preservando a fertilidade do solo. O programa beneficiou principalmente médios e grandes produtores no período em que vigorou (1975-1982). Nesse período foram aprovados 3.373 projetos, em um montante de recursos equivalentes a 577 milhões de dólares. Dos beneficiados, 81% operavam áreas de mais de 200 hectares, que absorveram 88% do crédito oferecido. MAROUELLI, 2003. p. 26.
Pelo o que acompanhamos em relação aos percentuais acima descritos sobre o apoio financeiro concedido aos grandes empresários pelo Programa Polocentro, se percebe que o pequeno produtor ficou totalmente fora desse mega-projeto de ocupação do cerrado. Aliás, as próprias características naturais do cerrado já são excludentes aos pequenos produtores, uma vez que as que as máquinas de implementos agrícolas são muito caras e dispensam mão-de-obra braçal.
A estratégia do programa consistia na implantação dos pólos de desenvolvimento, localizados de modo a facilitar a difusão da tecnologia agrícola adequada para toda a extensão dos cerrados. A sua ação foi desenvolvida através da integração entre a pesquisa, assistência técnica, crédito rural orientado e apoio de infraestrutura, a partir de facilidades para formação de patrulhas mecanizadas. MAROUELLI, 2003. p. 26.
Dessa maneira, tivemos o Polocentro atendendo definitivamente aos seus objetivos propostos, uma vez que atualmente, para se ter uma ideia, a maior produtividade de soja por hectare do mundo se encontra em Sapezal – MT. Mato Grosso sozinho respondia em 2001 por 54% da produção de algodão do país. Assim, os objetivos dos planos governamentais foram alcançados plenamente para o atendimento do novo modelo de produção de grãos e carnes dessas áreas de cerrado. É até importante destacar que todo mundo sonha em possuir “bois” no pasto, mesmo sabendo que essa é uma realidade de poucos.
O Polocentro foi bem-sucedido em induzir a expansão da agricultura comercial nos cerrados, tendo o governo “pago” aos agricultores para que cultivassem a terra em seu próprio proveito, presumindo que seu impacto indireto tenha sido maior que o impacto direto. MAROUELLI, 2003. p. 29.
É evidente, como já afirmamos anteriormente que esse processo de ocupação traz sérios problemas ambientais ao cerrado. As matas de galeria, por exemplo, são totalmente devastadas para serem plantadas as sementes de soja até as margens de córregos e rios.
O intenso processo de ocupação da região dos cerrados, realizado mediante programas e políticas governamentais orientadas por visões que desconsideraram o meio ambiente e que, apesar de seu discurso “racionalizador” e “integrador” da sociedade nacional, causa danos ambientais, culturais e sociais enormes. PEDROSO. 2009. p. 06.
Como já havíamos comentado anteriormente sobre os objetivos atendidos no processo recente de ocupação do cerrado, Lima nos dá uma visão bem clara das expectativas dos programas de incentivos à produção agrícola no cerrado e como havia também outros interesses subjacentes à própria configuração espacial enquanto tal.
A expansão da fronteira agrícola no Brasil deveria ter se dado inicialmente por três motivos: primeiro reduzir o inchaço das cidades e com isso a pobreza urbana; segundo, produzir mais alimentos, bem como produzir um excedente para a exportação e, com isso, fortalecer a balança comercial; e, terceiro, povoar as áreas devolutas da união através de uma reforma agrária, ampla geral e irrestrita, o que favoreceria a diminuição da miséria e integraria de vez essas áreas ao território nacional brasileiro, ajudando a aumentar a produção de produtos da cesta básica dos brasileiros. LIMA, 2001. p. 4-5.
A maneira com que essa ocupação do cerrado brasileiro ocorreu só trouxe mais conflitos pela posse da terra entre os grandes latifundiários rurais – vale salientar que alguns deles são grileiros – e os posseiros. Tanto isto é verdade que os maiores conflitos de terras no Brasil estão acontecendo justamente em Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Pará. Essa área também é considerada como o “arco do fogo” do Brasil, quer dizer, os Estados que mais possuem queimadas do País.
Se por um lado, o Estado implantou uma agricultura moderna altamente tecnificada, por outro forneceu condições para que aumentasse o tamanho dos latifúndios, que chegam à incrível marca de 28.000 hectares no Sul do Pará. No norte de Mato Grosso e Norte de Goiás (atual estado do Tocantins) existem propriedades de mais de 14.000 hectares. Este acúmulo de terras nas mãos de poucos acarretou a expulsão dos pequenos proprietários rurais para os grandes centros urbanos, pois nessas “mega fazendas”, tanto o cultivo de lavouras como a soja e milho ou a criação de bovina, necessita de meia dúzia de peões que cuidam perfeitamente dos afazeres dessas imensas propriedades, sem contar que sai mais em conta para o proprietário manter os peões do que o colono, tendo em vista que, sem ter que dividir a sua produção com o colono, seu lucro acaba sendo maior, além de não correr o risco de perder partes de suas terras em uma disputa judicial favorecida pela lei do usucapião. LIMA 2001. p. 6.
Além de tudo isso acima discutido por Lima, podemos acrescentar também que os Estados acima mencionados, quais sejam: Mato Grosso, Pará, Maranhão e Tocantins, têm o maior contingente de escravos por dívidas do País. É “normal” aparecer como manchete de jornais nacionais e internacionais um ou vários casos de situação de escravidão que algumas pessoas se encontram nessas grandes propriedades rurais nos referidos estados. Se por um lado houve avanço tecnológico, científico para essa mecanização da produção agrícola, por outro lado, alguns fazendeiros recorrem ao período colonial para “justificar”, se é que podem fazer isso, suas ações no mínimo desumanas contra seres humanos desprovidos de conhecimentos de seus próprios direitos.
*Observação: este artigo faz parte de artigo publicado em Revista Científica de Geografia, bem como, de minha tese de Doutorado intitulada: LEITURAS DE PAISAGENS URBANAS: Um Estudo de Araguaína - TO, defendida em 24 de abril de 2013 na Universidade Federal de Uberlândia.
Aires José Pereira é professor do curso de Geografia e do Mestrado em Gestão e Tecnologia Ambiental da Universidade Federal de Rondonópolis, é coautor do Hino Oficial de Rondonópolis, possui vários livros e artigos publicados. É membro efetivo da Academia Rondonopolitana de Letras e da Academia de Araguaína e Norte Tocantinense.