A censura e o simulacro de cultura

Cultura é o cultivo: tal como a humanidade depende de cultivar a terra para produzir o alimento do corpo, depende também de cultivar a mente e o espírito, para alimentar o caráter. Assim cultivamos ideias, identidades, valores autênticos, universais e duradouros. O lastro, o húmus da cultura, é a História: tudo aquilo que, desde tempos ancestrais, tem nos trazido ao que somos no presente. Os frutos da cultura são o porvir, a emancipação, prosperidade e plenitude dos povos e de cada ser humano.

A censura é a discriminação de conteúdos do fazer humano, taxando-os ou de aprovados ou reprovados para divulgação e compartilhamento. Às vezes a censura baseia-se numa avaliação preliminar. Mas muitas vezes ela é só fruto de manipulações, preconceitos, intolerâncias: conteúdos são rotulados e condenados só por serem libertadores.

A censura foi muito importante durante a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985. Os jornais impressos traziam espaços em branco ou preenchidos com receitas culinárias, compositores consagrados tiveram que lançar suas canções sob pseudônimos, escritores e articulistas tinham de publicar anonimamente. Tanto compositores quanto escritores, bem como muitos jovens idealistas e inconformados, foram aprisionados e executados, ou tiveram que refugiar-se no exílio. Suas ideias eram censuradas e consideradas subversivas por falarem de liberdade, de independência e soberania frente à tirania das nações imperialistas que cultivam o ódio para subjugar suas colônias.

A censura também foi muito importante nos regimes totalitários, como no nazismo e no fascismo. Mas até hoje ainda promovem-se queimas de livros em nome da censura. Sob o pretexto de erradicar ideias tidas como perturbadoras do frágil equilíbrio social, condenam-se as ideias que questionam os métodos dos detentores do poder. Combinando-se censura e desinformação, perpetua-se a ignorância e a tirania.

Nestes tempos de polarização ideológica, no Brasil e em todo o mundo, há quem creia que é necessário censurar o debate político, pois ele amiúde descamba para intrigas viscerais, regidas pela emoção e destempero, e não pela razão e discernimento. É preciso reconhecer que é verdade que ainda temos muito que aprender para travarmos debates que sejam construtivos. Mas evitar o debate não é o caminho para isso. Talvez se justifique essa censura em grupos familiares, para evitar desavenças. Mas em grupos que têm justamente a intenção de incentivar a cultura e o esclarecimento, censurar significa justamente o contrário do que seja cultura.

Por outro lado, deixar de censurar não quer dizer total liberdade de compartilhamento de quaisquer conteúdos. Talvez a dificuldade maior seja estabelecer o limite entre os conteúdos que contribuem para a cultura, e os que procuram conduzir-nos de volta à barbárie. Precisaríamos então pensar o conceito de barbárie.

Questão complicada! Mas precisamos enfrentá-la, com sensatez e coragem. Escamoteá-la é alimentar a barbárie. Temos que aprender a fazer o bom debate. A principal qualidade de que carecemos é o discernimento.