Ladeira abaixo

Em um passado recente, figuras simbólicas eram admiradas e reverenciadas por crianças e adultos. Aquele simpático ancião, trajando espessos agasalhos de inverno e que aparecia em época de Natal parece não ter mais o poder de cativar os impúberes inconsequentes do século 21. O velhinho de fala mansa, tradicionalmente imbuído por sentimentos altruístas, aos poucos vai perdendo seu encantamento. Em um triste acontecimento recente, Papai Noel foi apedrejado e brindado com palavras de baixo calão por crianças de nove a doze anos, depois que as guloseimas que distribuía em um trenó acabaram. Durante as comemorações pela emancipação de um município maranhense, houve confusão quando um bolo de 62 metros de comprimento foi destruído instantaneamente por populares, em uma demonstração primorosa de respeito e educação coletiva.

Assim acontece em diferentes situações, em que se perdeu completamente o bom senso e quaisquer resquícios de respeito. Isso leva necessariamente a uma reflexão acerca dos valores morais vigentes na atualidade. Em absolutamente todas as regiões desse continente miscigenado etnicamente chamado Brasil, os exemplos de falta de educação se multiplicam. No trânsito os veículos materializam o humor volátil de seus condutores, que não raro se envolvem em atritos ou resolvem ignorar a legislação pertinente, colocando em risco a própria vida e a dos outros usuários das vias públicas. Nos eventos futebolísticos, em que os estádios e entornos se transformam em praça de guerra, expondo a selvageria de marginais travestidos de torcedores. Nas baladas noturnas, em que o consumo exagerado de álcool é o combustível preferido para a demonstração de exagerada testosterona. Nas ruas, nos clubes, nos restaurantes, no comércio em geral, onde estiverem pessoas lá também estarão os exemplos de educação deficiente ou inexistente. A emblemática imagem da famosa praia carioca imersa em toneladas de lixo após as comemorações do réveillon, além de inadmissível, provoca náuseas de indignação. A insensibilidade coletiva transforma qualquer lugar passível de se tornar um lixão a céu aberto. A consciência ambiental existe mesmo somente no papel, porque a hipocrisia generalizada aos poucos acabou anestesiando o cidadão, que deliberadamente coloca a ética para escanteio ante suas responsabilidades sociais.

Outra evidência de que o País caminha ladeira abaixo em direção às profundezas soturnas da ignorância, são os lamentáveis resultados obtidos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Prova ministrada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), colocou o Brasil entre os 20 países com pior desempenho em matemática. No cômputo geral, o aluno brasileiro atingiu a pontuação de 379, abaixo da média que é de 479, ficando na 65ª posição. Por essas e por muitas outras, nada de bom se pode esperar daqueles que ignoram por completo a responsabilidade em mudar os destinos de um povo extorquido diuturnamente. Nossos ilustres representantes se preocupam de forma efetiva com seus exclusivos interesses, que obviamente atendem minimamente às demandas constitucionais da população. Pelo menos em curto prazo, não se avista luz no fim do túnel, nem perspectivas de melhoras nesse cenário desalentador. Aos trancos e barrancos o povo, incompreensivelmente resignado, caminha rumo ao futuro incerto e desconhecido. Até quando, quem viver verá.