INVOLUÇÃO
“A internet deu voz à Aldeia”. Essa frase é atribuída ao intelectual italiano Umberto Eco, falecido em 1916, aos 84 anos, em Milão, cuja biografia acadêmica é tão vasta que considero desnecessária elencá-la aqui. Apesar de discordar de alguns conceitos teóricos do autor dos famosos romances, O Nome da Rosa e O Pêndulo de Foucault, estou de pleno acordo que a internet deu voz às pessoas, que até então não se comunicavam ou no máximo usavam os métodos tradicionais e morosos, como cartas, telegramas e por último os telefones discados.
A frase introdutória é uma ácida crítica ao direito soberano do senso comum de manifestar-se e expressar sua opinião sobre o que considera certo e errado, e assim iniciar um debate em massa sobre todos os assuntos que afligem ou encantam seu Existir. Por outro lado concordo, quase que integralmente, com o conteúdo dessa frase, pois pela internet, de fato, cada ser humano tornou-se um “especialista” em todos os ramos do conhecimento humano, desde algum esporte, como o futebol, até os mais intrincados estudos científicos, por exemplo.
Graças a ajuda ou incentivo da avançada nanotecnologia e da condução, por cabos, de dados por fótons/luz (fibra ótica), exemplos de obstáculos científicos de muitos anos de estudo, o homem comum possui acesso ao mundo, em questões de segundos, sem ao menos ter entrado em uma escola, e por conseguinte (a maioria) desconhecendo totalmente seu próprio idioma e/ou escrita nativa.
Há bem pouco tempo era preciso saber escrever e falar para que houvesse uma comunicação entre a sociedade dita organizada. Havia algo que se denominava constrangimento por aqueles que não sabiam escrever, ler ou interpretar. No entanto, com o advento da internet essa questão deixou de existir e cada um expressa-se como sabe, pensa ou que até mesmo nem sabe ou nem pensa. Nos “chats da vida” discute-se absolutamente tudo: religião, medicina, filosofia, economia e principalmente política. Além de já terem “encontrado” cura para o câncer, aids ou diabetes.
Não mais existe um parâmetro para o que é certo e errado. Por exemplo, não se sabe se é certo falar errado ou se é errado falar certo; se minoria é maioria ou se maioria é minoria; se o ridículo é belo ou se o belo é ser ridículo, e por aí caminha a humanidade. A vitimização, no entanto, é, seguramente, uma moda em ascensão. Tanto a auto-vitimização, como a discriminação oficial ou estatal, ou seja, aquela em que o Estado estabelece cotas raciais para concursos públicos, vestibulares, etc., como se cor de pele fosse critério para definir a inteligência (ou conhecimento) de um ser humano. A inteligência é nata da humanidade, todos nascemos inteligentes, mas a questão é o que fazermos com ela. Se a usaremos, por exemplo, para adquirir conhecimento dignificante a nós mesmos, à sociedade ou não. Tanto que não existe “Escolas de Inteligência”, e sim “Escolas de Aquisição de Conhecimento”, para o bem ou para o mal, e nestas escolas inclui-se nossa própria existência nesta Realidade, mais conhecida como “Escola da Vida”.
Outro atributo humano que deixou de existir é aquele orgulho próprio que antes era salutar, desafiador, aos quais eram simplesmente chamados de brio, vergonha ou algo assim. Quando se dizia que algo era difícil de se entender, compreender, como um livro, um filme, uma tese ou uma simples equação matemática, por exemplos. Imediatamente, isso se tornava um desafio digno de ser decifrado, entendido ou explicado. Hoje em dia a indolência e covardia é que imperam em grande parte dos homens. É difícil se fazer ouvir; de recomendar um livro; um filme, etc. As pessoas instintivamente perguntam: “se o texto é longo, se a fonte do livro é miúda ou grande, se possui muitas páginas, etc.” E, claro, dessa forma não percebem que elas mesmas é que estão se tornando artificiais. Ora, mesmo ao comunicarem-se com um amigo, um familiar e assim por diante, limitam-se em transmitir “quadrinhos” de bom dia, boa tarde (aos grupos), os quais muitas vezes nem se lembram a quem exatamente enviaram.
E, assim, aquilo que veio para facilitar a comunicação indiscriminatória entre os povos da Terra, conforme critica por sua célebre frase, Umberto Eco, tem se tornado, infelizmente, na fonte da decadência ou involução da humanidade.
As pessoas não mais debatem, falam, leem, se instruem. Usam a tecnologia à disposição para dividirem-se; vitimizarem-se; espionarem-se e digladiarem-se, mas tudo em silêncio, ou seja, sem abrirem a boca e sim pelos dedos ágeis em seus aparelhos celulares. No entanto, a desculpa convencional, recorrente para a ignorância, apesar do uso diário de um microcomputador em mãos, é: “eu só o uso para trabalhar”.
Quando houve a invenção da telefonia celular, algo que facilitara em muito a comunicação, jamais pensei que em alguns anos após, com o espantoso avanço tecnológico, os seres humanos ficariam a mercê de um aparelho que conectaria os iletrados aldeões aos zumbis das grandes metrópoles, conforme refere-se Umberto Eco. Aliás, uma citação consoante a de um outro escritor, desta vez o brasileiro Nélson Rodrigues, que profetizou lá nos idos de 1967: “os idiotas dominarão o mundo, não por sua capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. Tenho a triste impressão que ambos estavam certos!