IMPACTO DA MACHITUDE

Impacto da machitude

Se o Brasil começou a reconhecer a violência contra a mulher como um problema social, isso se deve à força-tarefa realizada pelas mulheres que, incessantemente, lutaram contra a falta de políticas públicas, contra o pacto do machismo/misoginia e toda sorte de agressões veladas. Não obstante, somente em 2023 o STF decidiu proibir a tese de legítima defesa da honra em casos de feminicídio. Sim, até esse ano, um homem poderia matar uma mulher e ser absolvido, caso comprovasse que sua companheira o traiu, algo que poderíamos questionar se poderia valer caso fosse a mulher traída.

Percebam que argumento arcaico e repleto de objetificação, haja vista que a mulher é tratada como uma posse do homem. Ele seria o único dotado de honra? O estarrecedor é que, mesmo com a criação de delegacias especializadas no atendimento a mulher, além da promulgação da Lei Maria da Penha em 2006 (tardiamente), deparamo-nos com casos extremos de violência, em que pessoas que deveriam defender as mulheres são as que as ridicularizam, as que fecham olhos, boca e ouvidos para a dignidade feminina.

Diante de tamanho desrespeito, o Ministério dos Direitos Humanos criou no ano de 2023 uma ouvidoria relacionada à violência doméstica, que vimos aumentar exponencialmente durante a pandemia do Coronavírus. O atendimento pode ser realizado pelo canal do disque 100 e também pelo WhatsApp (61 99611-0100) e Telegram (disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/). Pode parecer que ações interventivas que protegem as mulheres sempre existiram, mas o fato é que, durante muito tempo, era um problema de ordem privada, como dizia o ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

Ganhando o espaço público, entendendo que o crime pode ser tipificado como feminicídio, assassinato em função do gênero, não deixam de ser assustadores os dados do “Relógios da Violência”, órgão vinculado ao Instituto Maria da Penha, revelando que a cada 7,2 segundos uma mulher é vítima de violência física. A cada 4 minutos, uma mulher dá entrada no SUS, vitimada por violência sexual.

Famosas e anônimas. Crianças, adolescentes, idosas. Esposas, filhas, mães, irmãs. Nenhuma mulher está imune à violência provocada por homens raivosos, homens estruturados sob o patriarcalismo, sob a idealização de que nasceram para serem reis, mandarem em todas, utilizando-as a seu bel-prazer, como marionetes, para depois destruí-las. Posteriormente, os machões aparecem nas delegacias, nas redes sociais e canais de TV com o discurso “quem me conhece sabe”, culpando as vítimas, dando diagnósticos diversos de problemas mentais. Elas são “loucas”, “manipuladoras”, “dissimuladas”. Em outros tempos, estariam enjauladas em suas residências ou até em hospícios, a exemplo do que foi o Colônia, em Barbacena, tão bem retratado por Daniela Arbex no livro “Holocausto Brasileiro”.

A situação fica ainda mais crítica se nos voltarmos para mulheres negras, pobres, vulneráveis pelo contexto no qual estão situadas, porque essas, uma vez invisibilizadas, nem mesmo a criminalidade as levará à tona. Para muitos, será apenas mais um caso em que a violência será justificada pelo temperamento do homem ou da mulher.

Para que justificativas fantasiosas não sejam mais pauta, é preciso que haja maior espaço de representatividade feminina em espaços de poder – na política, na religião, nas grandes empresas, enfim, nas principais instituições do país. Enquanto isso não ocorre, como diz a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, estaremos dando “vazão não só à violência física, mas também à violência simbólica e moral”.

Leo Barbosa é professor, poeta, escritor e revisor de textos.

(Texto publicado em A União em 15/12/2023)

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 15/12/2023
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