O homem é um animal que pensa, e pensa que não é um animal

Devo esta frase-título ao estimado amigo de infância Valenz, que já a utilizou para comentar alguns dos textos que escrevo. Que frase mais arguta! E tão oportuna para os tempos atuais que temos vivido, nesta adolescência da civilização em que a tecnologia tem evoluído mais rapidamente do que a capacidade humana de assimilá-la. Bem como o adolescente que já tem todos os atributos do adulto, mas que ainda não sabe que os tem, e muito menos sabe como utilizá-los.

O homem que acredita que já não é um animal remete a outros temas que são essenciais. O primeiro, é o “reflexo condicionado” do laureado Ivan Pavlov. No início do século XX seus estudos mostraram como cães podem ter seu comportamento condicionado por estímulos repetidos, ainda que estes estímulos sejam completamente falsos. Nos anos após a descoberta de Pavlov, ela vem sendo cada vez mais aperfeiçoada e utilizada nos humanos, tanto para o consumo de bens como de ideologias e de reacionários medos. O primeiro momento extraordinário em que isso aconteceu foi durante o fascismo e o nazismo, que tanto endeusaram quanto demonizaram ídolos, povos, raças e crenças.

Um segundo tema essencial é o reconhecimento que nosso cérebro é complexo. Ele guarda ainda toda a ancestralidade animal, desde os répteis e mamíferos primitivos, até a racionalidade do Homo sapiens e a ainda incipiente amorosidade do homem fraterno, no qual os instintos básicos da agressividade e da reprodução passam a ser superados por sentimentos de sociabilidade e solidariedade. Ainda reagimos primeiro como o réptil, cujo único impulso é sobreviver. É vital que a reflexão nos conceda tempo e compreensão para que nosso cérebro mais humanizado possa manifestar-se, e assim controlar o cérebro reptiliano. Caso contrário, não será necessária nenhuma catástrofe natural: a própria humanidade dará conta de extinguir-se, guerreando guerras fratricidas ou contaminando e exaurindo o planeta.

O terceiro tema, que é o resultado no século XXI dos dois anteriores, é a sofisticada manipulação midiática. Ela usa avançadas tecnologias de desinformação e condicionamento. Diante das aprimoradíssimas possibilidades atuais de comunicação, parecemos o adolescente cujo corpo cresceu rápido demais, e ele ainda se bate e se magoa pelos cantos da casa, por ainda não ter noção do próprio tamanho. Descobrimos que o réptil em nosso cérebro é muito mais receptivo a uma mentira exótica e insidiosa que a uma verdade evidente e emancipadora. Pode-se passar a acreditar que a Terra é plana, que um psicopata pode ser um bom líder, que um povo é o escolhido de Deus, que a solidariedade é uma quimera inalcançável...

Dizem que a humanidade constitui-se de três terços, mais ou menos equivalentes: um que reptilianamente usa a manipulação midiática para predominar e preservar privilégios; outro que acredita na solidariedade e na possibilidade de uma sociedade justa e fraterna, mas debate-se ainda com seus próprios instintos; um terceiro que está a procura de encontrar-se, e que é disputado pelos dois grupos precedentes. Alguns espiritualistas dizem que nós, habitantes da Terra, somos isto mesmo: uma mistura de índoles, na tentativa de que o convívio com o diferente nos faça evoluir.

De volta à frase-título, pensamos, presunçosamente, que não somos animais. Mas somos sim! Todos nós, os supostos três terços que constituem a humanidade. O desafio que temos é encontrar em nós o cérebro fraterno que nos conduzirá à sobrevivência. E logo! Pois o planeta já dá mostras de que não consegue nos suportar.