Duas visões sobre a família: A produção da patologia e da saúde
A patologia na família
Ao se examinar o legado teórico-conceitual da psicologia contemporânea – com suas múltiplas vertentes − no tocante à família, depara-se com dois grandes grupos de ideias a seu respeito.
Um deles pode ser descrito como aquele que dá ênfase à patologia da família. Assim, Fromm-Reichman (1989) estabelece o conceito de mãe esquizofrenogênica. Esta remete à relação patogênica, que se esteia numa atitude materna ambivalente de superproteção e rejeição do filho. Pouco depois, Bateson (2000) – pensador da teoria da comunicação e da cibernética de Palo Alto – apresenta o conceito do duplo vínculo. Este depende de algumas condições básicas: alto grau de envolvimento entre duas pessoas, geralmente mãe e bebê; um paradoxo infringido pela mãe a ele; a repetição da experiência e a impossibilidade da vítima abandonar o campo ou escapar ao paradoxo. O duplo vínculo pode aparecer nas patologias em geral, inclusive nas neuroses.
Nessa linha de investigação da ambivalência e do paradoxo, faz-se necessário considerar outro aporte à família.
A abordagem sistêmica enfoca a comunicação, que envolve a transmissão da informação – nível do relato – e a natureza da relação entre emissor e receptor – nível da ordem. A contradição entre os dois níveis gera o paradoxo. A comunicação paradoxal se encontra na origem da patologia familiar. A despeito das diferenças entre suas escolas, algumas ideias podem ser destacadas. O funcionamento familiar adequado se deve às fronteiras nítidas e claras – regras que definem quem participa e como participa na família. A patologia advém dos excessos e das faltas de poder nas relações familiares, havendo uma luta pelo poder entre os membros. Além disso, pode haver uma inadequação dos padrões de comportamento nas situações atuais. Todos os seus membros são corresponsáveis pelo sofrimento de que padecem (Féres-Carneiro, 1996).
Nessa abordagem, a família funcional se funda no respeito à hierarquia, às fronteiras claras e nítidas e às regras de organização, de forma flexível. Consiste num sistema vivo e aberto para a criação de pessoas, que se desenvolvem em direção à humanização, à liberdade e à responsabilidade. Nesse sistema aberto, há trocas internas e externas. Sua estruturação e sua organização são estabelecidas a partir de duas tendências: oposição e conciliação. Há a primazia das alianças confiáveis e duradouras. Por outro lado, a família disfuncional é um sistema fechado em si mesmo e paralisado, de modo que seus partícipes são escravos sem liberdade e sem autonomia. Nela, reinam a dependência, a sabotagem e a destrutividade. É um sistema com poucas trocas ou intercâmbios afetivos. Seu dia a dia é rotineiro, monótono e mecanizado. Impera a força dos valores financeiros, envolvendo heranças e bens. Vigora a pobreza das alianças e da cooperação, as tensões aumentam e a solidariedade surge nos sacrifícios, nas salvações e nas doenças graves. Dada a quebra da hierarquia, a mãe desqualifica o pai, que desqualifica o filho predileto da mãe. A convivência com o sofrimento se conjuga com atitudes heroicas, nas quais a vítima/bode expiatório é salva pelo herói, santo ou mártir. Sobressaem a fragmentação e o isolamento das pessoas que a compõem.
A tradição psicanalítica de cunho diádico (mãe-filho), triádico (pai-mãe-filho) e transgeracional tem chamado a atenção para a patologia da família. Nesse contexto, pathos adquire grande importância. Do grego, pathos significa paixão, excesso, catástrofe, sofrimento, assujeitamento e passagem. Em psicanálise, concerne ao sofrimento psíquico, cuja via de passagem/mudança pode ser a associação de ideias, que permite sua elaboração e sua ressignificação.
Nesta filiação teórica, Freud (1913) aborda as neuroses nas famílias e sua relação com o complexo de édipo, nos primórdios da psicanálise.
Ao longo de seu desenvolvimento, vários autores pensaram a relação mãe-bebê.
Da escola das relações de objeto, Klein (2011) discute essa relação, os instintos, as fantasias, as angústias, os mecanismos de defesa, os objetos internos e a fixação do bebê nas posições esquizo-paranoide e depressiva, favorecendo a paranoia e os quadros maníaco-depressivos. Bion (2004) fala da relevância da figura materna em termos de continência e de reverie das angústias do bebê, inclusive quanto à nomeação e à representação do mundo para ele. A reverie da mãe é o órgão receptor de sensações que o bebê experimenta com relação a si mesmo. No desenvolvimento normal, a relação entre o bebê e o seio permite que ele projete, na mãe, a sensação de estar morrendo e que a reintrojete, após a permanência no seio ter feito com que ela se tornasse suportável para sua psique. Se a projeção não for aceita pela mãe, o bebê sente que o significado da sensação de estar morrendo foi retirado. Então, ele reintrojeta um pavor indefinível, sem nome.
O autor aponta três tipos de vínculo entre pares. No vínculo parasitário, o hospedeiro é altamente idealizado e o hóspede prende-se a esse grandioso anfitrião como apêndice parasitário, como objeto mutilado e ávido pela vida/existência do hospedeiro. Esse vínculo favorece a mútua destruição. No vínculo comensal, a vida emocional é compartimentada, a vida compartilhada sofre retração e os confrontos são evitados por temor da violência e insegurança quanto a recursos realistas para lidar com a dor mental. No vínculo simbiótico, surgem soluções criativas no casal. A tolerância ao vazio e às incertezas dá suporte a novas formas de ser e sua expansão cuidadosa – devido à paciência, perseverança e amor à verdade. A vitalidade da parceria é testada ao buscar soluções para administrar problemas inusitados, com sabedoria.
Da Escola húngara, Balint (1993) discute o amor primário da mãe pelo bebê, sendo que as falhas nessa relação podem produzir o filobatismo e a ocnofilia. O ocnófilo prende-se aos objetos, pois se sente perdido e inseguro sem eles. Ele superinveste suas relações objetais, visto ter horror aos espaços vazios. Em contraste com isso, o filóbata superinveste as funções do próprio ego, desenvolvendo habilidades para manter-se sozinho, com pouco ou nenhum auxílio dos objetos. Tem horror de ser aprisionado por eles.
Da escola winnicottiana de psicanálise, Winnicott (2005) também discute a relação mãe-bebê, suas falhas e sua influência sobre o self. O self total é uma formação que diferencia eu e não-eu, numa crescente integração. A falha da função materna de integrar sensações e capacidades do bebê com estímulos ambientais leva-o a substituir a proteção que lhe falta, por outra, fabricada. O falso self constitui-se às expensas do núcleo autêntico do self e está presente em qualquer indivíduo, com vários níveis de implicação patológica. Nos casos mais próximos à saúde, o falso self protege o verdadeiro, que se mantém oculto. Nos casos mais graves, o falso self substitui o verdadeiro e surge uma sensação subjetiva de vazio, falsidade, futilidade e irrealidade. Às vezes, o sujeito aparenta uma série de mazelas e desvalia, que encobrem seus valores positivos reais. Busca ser reconhecido pelo grupo social − extensão do grupo familiar –internalizado como oposto ao seu sucesso.
Para o autor, a preocupação materna primária se refere ao estado de sensibilidade exacerbada da mãe com relação ao bebê durante e, principalmente, ao final da gravidez. Capacita a mãe a se identificar com ele e se adaptar as suas necessidades.
O holding significa a firmeza com que ele é amado e desejado como filho. O handling é a experiência de entrar em contato com as diversas partes de seu corpo mediante as mãos carinhosas da mãe. Facilita a parceira mente-corpo no bebê.
A apresentação de outros objetos para o bebê ajuda-o a ampliar seu self. As falhas maternas nessas três funções podem gerar comportamentos delinquenciais no filho.
Por sua vez, Green (1988) examina a questão da mãe morta como o encontro entre uma mãe mergulhada no luto e uma criança. Esta, antes, era preenchida libidinalmente por sua mãe. A partir da vivência da mãe morta, constitui-se um luto branco ou um estado de vazio na criança, independentemente de sua perda do objeto real. A perda precoce do amor materno gera uma perda objetal, uma perda narcísica e uma perda de sentido, bem como um eu empobrecido e autodesvalorizado. A criança não consegue significar essa perda; dessa forma, estabelece uma estruturação psíquica patológica. A falta de investimento libidinal, narcísico e amoroso produz uma depressão infantil. O trauma infantil gerado por essa mãe ausente psiquicamente influi no destino libidinal, objetal e narcisista da criança. Ela vive uma catástrofe psíquica caracterizada por profundos desamparo e abandono. Com isso, marca-se sua impotência para sair de situações de conflito, assim como para amar, usufruir seus dotes e aumentar suas aquisições. Mesmo que as obtenha, não obtém satisfação com elas.
A escola transgeracional da psicanálise estuda a transmissão da vida psíquica entre as gerações da família. Ela descreve o sofrimento psíquico acarretado pelos traumas, junto com as falhas na representabilidade psíquica, as criptas, os ideais, os segredos, as pragas, a genealogia das fantasias, os lutos intermináveis, os pactos denegativos, as alianças, a culpa e a vergonha, em seus membros. Abraham e Torok (1995) descrevem a cripta ou o enquistamento no inconsciente do sujeito de parte das formações inconscientes de outros, que o perseguem como um fantasma. Deriva do mandato ancestral sobre a descendência. Enriquez (2001) discute a herança da psicose dos pais pela criança. O delírio parental incide sobre seu descendente, de modo que seu discurso delirante é uma violência, que mutila a atividade do pensamento do filho.
Faimberg (2001) descreve a telescopagem das gerações. Um tipo de identificação condensa uma história que, em parte, não pertence à geração do paciente. Sua introjeção da fórmula parental ‘amo, sou eu (o objeto bom sou eu) e odeio, és tu (o objeto mau és tu)’ define a dramática situação em que ele fica alienado por suas identificações inconscientes com a história dos pais. Essa identificação com a lógica narcisista dos pais congela seu psiquismo no ‘para sempre’ do sofrimento inconsciente. Para Eiguer (1997), a patologia transgeracional perturba os dados do tempo e quer anulá-los, não sustentando a sequência das gerações. Esta desorganização da duração liga-se aos lutos muito difíceis, quando os filhos vivem como seus os traumas de seus pais ou avós. Na identificação atributiva, o pai atribui ao filho uma vivência interior, um traço pessoal, uma representação de seus objetos internos, que ele não pode elaborar em si mesmo. Esta identificação entra em ação nos processos alienantes transgeracionais.
As contribuições da autora quanto à patologia da família se assentam em hipóteses de trabalho sobre o desejo, o trauma do absoluto e o sistema representacional. Elas são abordadas em outros trabalhos.
A saúde na família
Outro conjunto de ideias acerca da família centra-se na promoção da saúde. Como base de reflexão sobre ela, parte-se com as proposições de Papalia (2021) acerca do desenvolvimento humano. Essa teoria discute o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial das pessoas, ao longo das etapas de seu ciclo de vida. Em específico, estuda-se o desenvolvimento cognitivo e psicossocial da criança, da primeira infância até a adolescência. Algumas propostas da autora e dos autores citados por ela apresentam ressonâncias teóricas com pensadores da psicanálise, da abordagem cognitivo-comportamental, da neurociência e da resiliência. O diálogo da teoria do desenvolvimento com o enfoque comportamental visa entender o desenvolvimento cognitivo do sujeito. O diálogo da teoria do desenvolvimento com a psicanálise visa examinar seu desenvolvimento psicossocial.
Do ponto de vista cognitivo, entre zero e três anos de idade, a criança vivencia o estágio sensório-motor (Piaget, 1982). Seu conhecimento de si, do outro e do mundo ocorre mediante atividades sensório-motoras. Sua capacidade representacional permite-lhe entender o mundo mediante palavras, números e imagens. O desenvolvimento da linguagem faculta-lhe comunicar-se com o outro e a estimulação dos pais é essencial.
O senso de competência da criança envolve sua capacidade de superar obstáculos, buscar o que quer e funcionar bem no mundo (Papalia, 2021). Seu senso de competência favorece a autoeficácia de enfrentamento ou controle de situações adversas no adulto (Bandura, 1991). A autoeficácia refere-se à crença do individuo em sua capacidade de executar um comportamento específico ou uma tarefa no futuro. Ela influencia a maneira como a pessoa sente, pensa e age. A autoeficácia elevada relaciona-se à autoestima elevada, facilitando os processos cognitivos, a performance acadêmica, a motivação para a ação, o enfrentamento de desafios, os pensamentos otimistas quanto às próprias realizações e a persistência. E ainda, ela influencia o stress, determinante psicossocial da saúde. A teoria sociocognitiva do autor é utilizada pela OMS em seu Programa de Habilidades de Vida, para desenvolver a capacidade de tomada de decisões, de resolução de problemas, o pensamento crítico, o pensamento criativo, a empatia − em crianças e adolescentes.
Ainda no tocante ao desenvolvimento cognitivo de zero aos três anos, Papalia (2021) oferece sugestões, que podem ser denominadas de promoção da saúde na família: ficar próximo à criança sem vigiá-la, permitir-lhe explorar o ambiente com liberdade, atender seus interesses de momento, ler livros em voz alta como forma de prepará-la para a alfabetização. Ela precisa de um ambiente rico, mediante interações construtivas entre os pais e ela, móbiles coloridos, livros didáticos e brinquedos pedagógicos próprios para essa faixa etária. Nesse período, o desenvolvimento psicossocial da criança tem facetas interessantes. Erickson (1985) considera que a confiança básica – que lhe permite estabelecer vínculos – e a desconfiança básica – que lhe propicia se proteger dos vínculos perigosos – deve obter um ponto de equilíbrio. Este se pauta na alimentação, protótipo dos cuidados sensíveis, regulares e responsivos dos pais. Segundo Papalia (2021), seu apego a uma figura de afeto se revela em sua ansiedade de separação – quando o cuidador se afasta – e em sua ansiedade frente aos estranhos. Seu senso de identidade – capacidade de se distinguir do outro; seu senso de autonomia – busca de independência do outro – e sua autorregulação – capacidade de controlar seu comportamento, para atender as demandas do cuidador – estão em curso. A autorregulação do comportamento da criança – iniciada na primeira infância – parece conduzir ao autogerenciamento do adulto: controle e postura ativa quanto ao próprio comportamento, no enfoque cognitivo-comportamental (Bandura, 1991).
Cada um desses aspectos de seu eu tem consequências na vida adulta do sujeito. Desse modo, os três tipos de apego à sua mãe – seguro, evitativo e resistente no primeiro ano de vida (Bowlby, 2002) – se ligam às possibilidades de o jovem adulto estabelecer intimidade com o outro ou de se enclausurar no isolamento do eu (Erickson, 1985). Ademais, o precário senso de identidade, da primeira infância, deve se consolidar sob a forma de uma identidade diferenciada, autônoma e emancipada, na vida adulta.
Estas ideias dos autores encontram força plena no campo psicanalítico, mediante o pensamento de vários autores.
Mahler (1982) discute o desenvolvimento da relação mãe-criança durante os três primeiros anos e seus estágios. A indiferenciação eu-outro é a tônica dos primeiros estágios de desenvolvimento. Seu estágio final é a separação-individuação. A individuação consiste na evolução da autonomia psíquica, enquanto a separação implica diferenciação e desligamento da mãe. Assim, a criança pode desenvolver as funções de seu ego por meio do exercício de suas habilidades e capacidades autônomas. Disso decorre o senso de identidade da pessoa. Por sua vez, Prado (1988) reflete sobre a diferenciação eu-outro − em oposição aos estados de entranhamento. Estes se caracterizam pela indiferenciação primária total ou parcial com os objetos, alto grau de angústia, recorrência massiva à identificação projetiva e extensa área mental de pensamento não desenvolvido, em sua forma mais evoluída de pensamento simbólico. Em contraposição a tais entraves, Ruffiot (1985) propõe que a terapia familiar psicanalítica visa reatualizar o modo primitivo da psique e se dirige à autonomia dos psiquismos individuais dos membros da família.
Na seara psicanalítica, outro autor discute a questão da saúde psíquica. Winnicott (2000) afirma que saúde mental é maturidade, de acordo com a idade do indivíduo. A maturidade depende da transição por seis graus de dependência: da absoluta, no caso do lactente, passando pela independência ou capacidade de cuidar de si mesmo, até chegar ao senso social. Este designa a identificação do indivíduo com os adultos e a sociedade, sem a perda demasiada de seu impulso pessoal, de sua originalidade e de seus impulsos agressivos, que encontram uma expressão sublimada no meio social. A saúde mental caracteriza-se pela capacidade de amar e de se preocupar com o outro/concern. Esse senso de responsabilidade para com as relações revela integração e crescimento pessoal. Ele considera, ainda, que as bases da saúde mental são lançadas na primeira infância, a partir dos cuidados da mãe com seu bebê. As bases para a saúde mental são instauradas, desde a concepção, por meio dos cuidados maternos ao bebê, em razão de sua motivação nesse sentido. O cuidado materno facilita as tendências integrativas e a estruturação do ego da criança.
No âmbito do desenvolvimento cognitivo dos três aos seis anos, no estágio pré-operacional se estabelecem os rudimentos do pensamento simbólico da criança. Sua função simbólica envolve o uso de símbolos e representações mentais sobre si e o mundo, dotados de significado. Ademais, sua distinção entre fantasia e realidade se encontra ainda em seus primórdios (Piaget, 1982).
No desenvolvimento psicossocial dos três aos seis anos, o eu se configura como a estrutura cognitiva e afetiva da criança relativa às suas características e capacidades, segundo um sistema de representações sobre o eu. Sua autoestima remete ao julgamento sobre seu valor, revelado em seu comportamento, e inclui uma avaliação não realista sobre si. Segundo Erickson (1985), ocorre um conflito entre iniciativa e culpa, pois a criança busca atender suas demandas face à sua necessidade de aprovação social
Para Papalia (2021), a disciplina parental pode ser de três tipos nessa fase. A indução de comportamento desejado inclui o estabelecimento de limites, o reconhecimento das consequências lógicas das ações, explicações dos pais, bem como o raciocínio e as ideias da criança sobre essas relações. É a forma mais eficiente de educação. A negação de amor à criança implica ignorá-la, isolá-la ou mostrar aversão a ela. A afirmação do poder parental é exercida mediante ameaças, retirada de privilégios, castigos físicos e punições. É a menos eficiente em termos de educação infantil. Segundo a linha comportamental, a punição é menos eficiente que a extinção indireta ou o reforçamento do comportamento antagônico a aquele indesejado.
Baumrind (1996) aborda três tipos de educação parental: autoritária, democrática e permissiva. Pais autoritários visam obter o controle e a obediência infantis, sem questionamento. Seus filhos tendem a ser insatisfeitos, retraídos e desconfiados. Pais democráticos caracterizam-se pelo respeito à individualidade da criança e aos valores sociais. Eles confiam em sua educação dos filhos, bem como suas expectativas quanto a eles são razoáveis e realistas. Seus filhos tendem a ser independentes, autocontrolados, contentes, competentes, seguros e exploradores do mundo. Pais permissivos visam a autoexpressão e a espontaneidade da criança, mas têm dificuldades com limites. Seus filhos adquirem mínimo autocontrole e são pouco exploradores do mundo.
Dos seis aos doze anos, o desenvolvimento cognitivo é marcado pelo estágio das operações concretas, cujas operações mentais são utilizadas para resolver problemas concretos e reais. O pensamento lógico está se desenvolvendo, assim como surge maior empatia da criança pelo outro. Sua distinção entre fantasia e realidade está mais apurada (Piaget, 1982). Nessa fase, há uma relação entre competência e motivação da criança. A motivação intrínseca é construída mediante os elogios parentais ao seu esforço e as suas capacidades. A extrínseca deriva do uso de recompensas e castigos para seus comportamentos. Elas têm relação com estilos parentais de educação. Com respeito à promoção de saúde nesse período,
Papalia (2021) recomenda que se faça uma leitura crítica dos textos, mediante perguntas sobre o que, porque e como os fatos ocorrem. Na abordagem de problemas é interessante distinguir entre o que a criança sabe e não sabe, criar um plano para resolver o problema e, por fim, avaliar seu funcionamento.
Em termos de desenvolvimento psicossocial dos seis aos doze anos, o eu passa a incluir em seus sistemas representacionais, conceitos sobre si que integram suas diferentes características e sua capacidade de diferenciar o eu real e o eu ideal. Sua distinção entre fantasia e realidade adquiriu maior sofisticação. Erickson (1985) afirma que pode surgir o conflito entre produtividade, diligência e sucesso em contraposição ao sentimento de inferioridade. Assim, sua autoestima se refere à opinião da criança sobre sua capacidade para trabalho produtivo. Na adolescência, o desenvolvimento cognitivo é formalizado pelo estágio das operações formais. O pensamento abstrato examina possibilidades, faz testes de hipóteses e permite a formulação de teorias (Piaget, 1982).
No que diz respeito ao desenvolvimento psicossocial nessa etapa, a busca da identidade remete aos sentidos do eu. Consolida-se uma identidade própria ou a confusão de identidade. A primeira se refere à busca de ser um adulto único com um senso de identidade coerente consigo mesmo e com um papel valorizado na sociedade. A segunda revela a crise quanto ao eu e se revela mediante a adesão a grupos fechados, bem como em comportamentos de risco (Erickson, 1985).
O intercâmbio entre as teorias do desenvolvimento e outras linhas da psicologia – com foco na saúde, na resiliência e no stress − permite traçar os fatores que favorecem a identidade saudável e a promoção da saúde na família.
A psicologia positiva enfatiza as potencialidades, a criatividade e a saúde dos indivíduos. Silva (2003), Tavares (2002) e Yunes (2006) defendem que a resiliência − capacidade de enfrentamento de situações adversas − funda-se nos laços afetivos positivos do individuo com a família. Dentre os fatores de proteção, o amor, a disciplina e o envolvimento da família na vida do filho são fundamentais. São necessários cuidados responsáveis e constantes à criança, expectativas positivas nela depositadas, apego seguro, coesão da família e um adulto verdadeiramente interessado nela, capaz de cuidá-la e protegê-la. Um cuidador primário precisa ser significativo para ela, com poucas separações longas durante seu primeiro ano de vida.
Kobasa e Madi (1989) discutem o stress em sua relação com a personalidade hardiness. Esta designa a disposição de personalidade que inclui senso de controle, propósito, envolvimento, comprometimento, flexibilidade e desafio pessoal face às situações estressantes. Complementando essas ideias, Bandura (1991) aponta a importância da autoeficácia de enfrentamento ou manejo de situações estressoras. O stress se refere à relação entre indivíduo e o meio, no qual as exigências de ajustamento excederiam sua capacidade de enfrentamento/coping em áreas importantes para ele. Sem a autoeficácia de enfrentamento, sua exposição ao agente estressor ativa os neurotransmissores e os hormônios do stress, prejudicando o sistema imunológico. Em contrapartida, a autoeficácia elevada diminui o efeito do estressor sobre a secreção de adrenalina, noradrenalina, cortisol e aldosterona. Desse modo, melhora sua imunocompetência, mediante o aumento das células de defesa do organismo.
Na psiconeuroimunologia, Vasconcelos (2002) trabalha com o stress e a interação mente- corpo − eixo neuro-endócrino-hipotalâmico- hipofisário- supra-renal. Dada a conexão entre os sistemas nervoso, endócrino e imunológico, eles são afetados diretamente pelo stress. O hipotálamo é responsável pela secreção de pré-hormônios do stress. Ele atua sobre a hipófise, glândula que secreta os hormônios do stress. Dentre as glândulas sobre as quais eles atuam, a suprarenal produz catecolaminas – adrenalina e noradrenalina, bem como corticóides – cortisol e aldosterona. Eles geram uma imunosupressão significativa, visto que reduzem as células de defesa. Com isso, diminui o combate contra micro-organismos e tumores.
Numa linha de raciocínio próxima a psiconeuroimunologia, a neurociência dos seis primeiros anos de vida descreve o complexo psiconeuroendoimune na criança. A capacidade do cérebro de reagir a estímulos estressantes é fortemente influenciado por seu desenvolvimento nos primeiros anos. A qualidade da estimulação sensorial no início da vida ajuda a formar os circuitos neuroendócrinos e neuroimunes do cérebro. A relação ente o complexo psiconeuroendoimune − fixada nesse início − e a maneira de lidar com acontecimentos influencia o comportamento nos anos vindouros. Os cuidados maternos funcionam como gatilhos no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, permitindo responder de modo equilibrado às situações estressantes. Assim, aspectos psicológicos da relação da criança com a mãe atuam sobre o funcionamento e desenvolvimento dos sistemas nervoso, glandular e imunológico (Bartoszeck e Bartoszeck, 2000).
Junto com esses processos antomofisiológicos da criança ativados na relação com sua mãe e sua família, há os processos psicológicos de natureza cognitiva e afetiva nela envolvidos. Tendo-se em vista que seus sistemas representacionais se tornam mais complexos em seu desenvolvimento, a responsabilidade parental e familiar − no que se refere às representações atribuídas a ela − é evidente. Designá-la como inteligente, competente e dedicada ou como burra, incompetente e displicente faz toda a diferença na formação de seu eu. No caso da criança ser depreciada, as terapias psicológicas trabalham com as distorções em seus sistemas representacionais.
Além destes, outros autores poderiam ser arrolados como representantes do approach patológico e saudável da família. Fazer justiça a todos ultrapassa o objetivo desse panorama.
Considerações finais
Ao se cotejar as vertentes psicológicas que estudam a patologia e a saúde, há pontos similares e distintos entre elas.
No que se refere aos seus pontos comuns, o sujeito precisa diferenciar sua identidade do outro e fazer residir em si seu valor. Para tanto, cabe-lhe depurar representações depreciativas advindas de seus familiares e, então, constituir seu próprio conjunto de representações, afetos e significados.
Dentre seus pontos de distinção, as abordagens acerca da patologia psíquica entendem que a família é responsável por sua produção, juntamente com a forma do sujeito reagir a ela. O olhar psicanalítico é característico nesse aspecto, enfatizando a relação mãe-criança e a incidência dos traumas familiares na psique do infante. Em contrapartida, o enfoque cognitivo-comportamental não enfatiza a patologia, mas os recursos do indivíduo para fazer frente ao stress. Nas abordagens acerca do desenvolvimento e da saúde – seu sucesso na resiliência e seu insucesso no stress – a etiologia familiar detém certo valor. Patologia e saúde na família consistem em visões complementares no que se refere à vida psíquica.