As vivências mentais de grandeza, escassez e vazio no sistema das representações

Introdução

Esse trabalho almeja estudar a conjunção psíquica formada pelas vivências mentais de grandeza, de escassez e de vazio – ilustrada mediante um caso clínico. Ela tem relação com conceitos psicanalíticos e hipóteses de trabalho da autora.

Primeiramente, cabe definir essas vivências no âmbito linguístico. Grandeza se refere às qualidades do que é grandioso, imponente, valioso e, ainda, opulento, nobre e excelente – em coragem, magnanimidade, ânimo, caráter. Em contrapartida, escassez é sinônimo de falta e insuficiência. Por sua vez, vazio remete à ausência de conteúdo, sentimento de ausência ou de perda (Aurélio online, 2018). A seguir, as vivências de grandeza, escassez e de vazio são situadas no horizonte das relações familiares – de acordo com a psicanálise.

O sujeito experimenta diferentes vivências, em meio ao circuito das gerações da família. Dentre elas, encontra-se a conjunção psíquica das vivências de grandeza, escassez e vazio, relacionadas com seu desejo e seu sistema representacional. A vivência de grandeza envolve: ser grandioso, poder tudo, não ter limites – com relação a seu desejo. A vivência de escassez abarca: ser miserável, nada poder, ser limitado – quanto a seu desejo. O vazio remete à falta de representações adequadas para realizá-lo: ser amado, inteligente, competente, persistente, bem-sucedido, p. ex.

A conjunção psíquica e sua relação com conceitos psicanalíticos

Nesta seção, parte-se da vivência já estudada nesse campo do saber. Então, descreve-se sua relação com vários conceitos psicanalíticos, que se aplicam ao caso clínico selecionado. Às demais vivências também pode se aplicar tais conceitos.

A princípio, a vivência mental de grandeza evoca a vivência de sucesso. Cabe, então, apresentar a abordagem freudiana acerca do êxito/sucesso.

Freud (1916) afirma que quando as pessoas adoecem devido ao êxito, a frustração interna atua depois que uma frustração externa deu lugar à realização de um desejo. O ego se defende contra esse desejo, tão logo ele se aproxime de sua realização e possa tornar-se realidade. As forças inconscientes que induzem à doença ‒ em virtude do êxito ‒ estão relacionadas com o complexo de Édipo e a culpa. Posto isso, o complexo de Édipo constitui um conceito basilar para se pensar essa conjunção e suas vivências – do ponto de vista teórico e clínico.

Quanto a isso, Freud (1900) pontua a transmissão inconsciente por identificação com o objeto ou com a fantasia do desejo do outro. A transmissão psíquica abarca a relação do sujeito com sua herança cultural e psíquica, por meio do Édipo. Ainda segundo Freud (1924), Complexo de Édipo é central na orientação de seu desejo.

Na cadeia familiar, o Complexo de Édipo parental molda o Édipo da criança. Esse legado familiar – envolvendo questões edípicas e identificatórias – favorece a divisão do ego do sujeito e de seus objetos em aspectos amorosos e hostis.

No tocante à divisão do ego, Freud (1940) aponta o conflito entre certa exigência do instinto e a proibição da realidade. Por um lado, o ego rejeita a realidade; por outro, ele reconhece seu perigo. Essas reações são centrais na divisão do ego.

Transposta para a escala das gerações da família, a divisão do ego do herdeiro se articula às suas raízes parentais e ancestrais. Nesse veio, seu conflito edípico com seus pais favorece a divisão de seu ego. A ela pode se juntar a divisão do ego de seus pais – quanto à grandeza e a escassez. Na díade parental, a maior intensidade da grandeza ‒ em um genitor ‒ pode se confrontar com a maior força da escassez ‒ no outro. Essa contraposição funciona como fator de atração e de repulsa entre eles. Em síntese, o conflito e a divisão do ego de seus pais quanto a serem grandiosos ou insignificantes contribuem para o conflito e a divisão do ego do filho quanto a isso. Esse processo tem desdobramentos nas vivências em questão.

Dada a conjunção psíquica entre as vivências de grandeza, escassez e vazio no nível parental e ancestral, apresenta-se a concepção transgeracional sobre o vazio. Quanto a esse ponto, Eiguer (1998) considera que a representação de objeto transgeracional coexiste com a falta de representação e com o vazio. Na clínica, o irrepresentável relativo é concebido na falta de uma representação, que pode ser conhecida posteriormente – por meio da análise. Com base nessas ideias, o vazio pode ser visto como vazio de representações que propiciam a realização do desejo do sujeito: ser amado, inteligente, competente, persistente, entre outras. Esses processos decorrem de sua identificação com seus pais.

Nesse prisma ancestral, Kaës (2001) aponta a identificação como fundamental na transmissão psíquica. Para Eiguer (1997), na identificação atributiva, o pai atribui ao filho uma vivência interior, uma representação de seus objetos internos. Essa identificação atua nos processos transgeracionais alienantes do eu.

Assim, a identificação do filho com seus pais – com seus conflitos e sua divisão do ego quanto a tais vivências – permite sua introjeção do material traumático. Mais contribuições – de cunho psicanalítico – oferecem outra perspectiva acerca daquela conjunção e, igualmente, se aplicam ao caso clínico descrito.

A conjunção psíquica em pauta e sua relação com o desejo, o trauma do absoluto e o sistema representacional

Dada a relação entre essa formação e as propostas teóricas, cabe retomá-las.

O sistema das representações detém a propriedade de representar as vivências mentais. Porém, os conteúdos psíquicos da família podem ser salutares ou patológicos para o herdeiro, em termos de ele consolidar ou não seu desejo. Devido às questões da família, a estase no fluxo do desejo pode imperar (Almeida, 2003; Almeida, 2010).

O trauma do absoluto se deve ao intenso aporte de ódio e horror em: ser abandonado, desamparado, rejeitado, não-amado, perdedor, devedor, invulnerável ao amor, sofredor eterno, para sempre, sem lugar no mundo, impossível, intransponível, imutável – antagônicos ao desejo do sujeito. Por sua vez, ser amado, ser competente, ser inteligente, ser autossustentado, ser reconhecido, ter valor, ter méritos são favoráveis a seu desejo (Almeida, 2003; Almeida, 2010).

Sob a ação da análise, o sistema das representações utiliza certas operações mentais para promover a mudança psíquica dos conteúdos do trauma do absoluto. Essas operações mentais são: desdobramentos, contraposições e equivalências entre as representações. No desdobramento, representações que denotam uma carga intensa de sofrimento dão lugar a uma variante atenuada de si, na análise. Assim, ser abandonado, ser desamparado, ser um sábio isolado e inatingível podem dar lugar a ser solitário. Na contraposição de representações, uma representação mais branda confronta outra com forte teor de sofrimento. Por ex., ser invulnerável ao amor pode ser contraposta por buscar relações duradouras. Na equivalência, surge uma representação próxima a outra em significado: ser isolado e ser solitário (Almeida, 2011).

Esse trauma ancestral compromete a produção e o manejo das representações, bem como o investimento e a distribuição de afetos, pelo sistema (Almeida, 2003; Almeida, 2010; Almeida, 2011).

Outras hipóteses acerca da conjunção psíquica de grandeza, escassez e vazio diferenciam-na do trauma do absoluto.

Em face da transmissão da vida psíquica na família, a identificação (Freud, 1900; Kaës, 2001; Eiguer, 1997) e a contraidentificação do filho com seus pais são processos centrais para a constituição de seu desejo (Almeida, 2011).

A contraidentificação preside a formação do eu junto ao outro. Há diferenças no modo como ela se apresenta na conjunção estudada e no referido trauma.

No trauma do absoluto, a criança se contraidentifica com características odiadas dos pais, aos quais atribui seu sofrimento psíquico. Todavia, essas características e suas representações favorecem satisfazer seu desejo, quando adulta. Sua tentativa de romper os vínculos com os objetos é severa. Nesse caso, certo filho se contraidentifica com o desejo paterno de ter uma nova esposa, desejo ao qual atribui seu abandono e desamparo. Ao sobreinvestir de ódio ser abandonado, ser desamparado e ser invulnerável ao amor, não investe de amor ser amoroso, ser amado e ser bom parceiro como o pai. Tão somente essas representações e afeto dinamizam seu desejo.

No que tange à conjunção psíquica de grandeza, escassez e vazio, a contraidentificação com seus pais ocorre em um grau mais brando do que no trauma do absoluto. Nela, ocorre o investimento de amor e de ódio nas representações ‒ ao lado de seu sobreinvestimento em outras. Desse modo, a satisfação de seu desejo encontra menos barreiras em sua atualização, quando adulto. No entanto, seu portador ainda arca com alguns entraves nesse sentido. Assim sendo, certa filha se contraidentifica com a desonestidade, a desorganização e a falta de planejamento materno quanto a dinheiro. Então, ela investe de ódio ser desonesta, ser desorganizada e ser má planejadora quanto a dinheiro, investindo de amor ser honesta, organizada e boa planejadora quanto a ele.

Expostas essas ideias, as próximas considerações remetem à trama psíquica da grandeza, da escassez e do vazio, no sistema das representações.

No cascatear das gerações da família, a identificação do sujeito com seus genitores gera um tipo de soma da carga traumática ‒ de ambos ‒ depositada nele. No caso dos dois apresentarem um conteúdo psíquico em comum ‒ o vazio ‒ o funcionamento psíquico do filho é comprometido por essa carga traumática ‘dupla’. Na engrenagem do desejo dos progenitores, uma espécie de parentesco entre seus vazios representacionais determina a escolha de seu cônjuge. Esse parentesco se dá em torno de diferenças entre o vazio representacional de cada parceiro. No cônjuge em que prevalece a vivência de grandeza no sistema, o vazio pode remeter à falta de representações que favoreçam seu desejo de ser grande ‒ ser trabalhador, ser organizado, ser planejador e ser ganhador de dinheiro ‒ e à falta de representações relativas às consequências de seu desejo ‒ ser bom pagador. No consorte em que predomina a escassez em seu sistema, o vazio envolve a relação entre: as representações dos cônjuges ‒ ser superior versus ser inferior e ser recompensado versus ser prejudicado; os afetos investidos nelas ‒ amor e ódio; suas vivências mentais ‒ satisfação versus frustração e recompensa versus prejuízo. Nessa relação, seu sistema fixa-se na pior faceta das representações e afetos: ser inferior, odiar e ser odiado; ser frustrado e prejudicado – associados a ódio. Em meio a isso, ele projeta em seus objetos ‒ seu cônjuge e seus filhos ‒ a pior parcela da herança psíquica de que ele é suporte.

A escolha do consorte mantém a repressão de seu desejo, visto que aquele critica e se contrapõe ao seu desejo. Assim, no filho/herdeiro ocorre sua dupla identificação com o vazio representacional de seus pais – contra a realização de seu desejo – bem como sua identificação com as vivências parentais conflitantes ‒ grandeza e escassez. Quanto a essa escolha, há pares formados em torno da perda ‒ como em um casal em que ambos sofreram perdas consideráveis na guerra; do desamparo ‒ noutro casal, cuja esposa ampara cadelas-fêmeas desamparadas, o marido ampara pessoas desamparadas e ambos se desamparam com isso; da submissão de ambos ao autoritarismo parental ‒ no casal em que ambos foram submissos aos pais autoritários.

Logo, as vivências dos pais acarretam várias consequências no conflito do filho. A partir da divisão de seu ego, tende a ocorrer a divisão de suas representações em dois grupos distintos. Um deles pode incluir representações consoantes com seu desejo como: ser amado, ser reconhecido, ser competente, ter valor, ter méritos próprios, entre outras. Outro grupo pode incluir representações incongruentes com seu desejo, a saber: ser odiado, ser desvalorizado, ser incompetente, não ter valor, não ter méritos próprios, entre outras. Nesse segundo grupo, estão incluídas, igualmente, as representações do trauma do absoluto.

A divisão de suas representações em dois grupos, sua dupla identificação com o material psíquico comum a seus pais ‒ a vivência do vazio de representações favoráveis a seu desejo ‒ e sua identificação com as vivências conflitantes de grandeza e escassez neles formam uma trama psíquica confusional. Essa trama produz confusão mental do sujeito quanto a seu desejo. Assim, sua identificação ‒ com representações, afetos e vivências dos pais ‒ consiste numa filiação de seus conteúdos ao dos ascendentes. Enfim, isso contribui para manter seu sofrimento psíquico e dificulta a mudança psíquica de suas representações e afetos ‒ traumáticos ‒ para aqueles solidários a seu desejo ‒ mais recôndito e essencial.

Nessa transmissão, várias frases incompletas surgem no discurso do herdeiro. Seus complementos podem apontar seus vazios representacionais na relação com seus pais. Seu discurso – com seus vazios – reedita o discurso parental, pois este traz distorções quanto ao seu próprio desejo e quanto ao desejo do filho. Essa distorção do discurso envolve a alteração de representações e afetos, ligando sua família originária e ancestral – quando criança – a sua família atual – quando adulto.

Numa família, a figura paterna desampara seus filhos, há algumas gerações. Sendo assim, um filho desamparado torna-se genitor e desampara sua filha. Sua esposa acorda cedo, trabalha muito e o ajuda a pagar as despesas do dia a dia, bem como a compra de sua casa. Além disso, ela cuida muito bem da filha do casal. No futuro, ela vai receber uma herança de seus pais.

Em contrapartida, ele trabalha duramente e não tem qualquer possibilidade de receber uma herança. Numa crise, ele denomina o desejo da filha quanto a seu afeto e a objetos materiais bons como ‘coisa de criança mimada, que tem de tudo’. Diz que ‘isso é viver fora da realidade’ e ‘desconhecer a realidade’. Além disso, ele representa a esposa como dondoca. A referida herança gera, nele, sofrimento, ódio, inveja e distorção dos conteúdos atribuídos a elas. Essa distorção esconde seu desejo de ter sido bem-cuidado e de ganhar dinheiro com facilidade. Assim, desvaloriza a grandeza de seu desejo, favorecendo as distorções das representações de ambas: ser trabalhadora/ser dondoca e ser bem-cuidada/ser mimada.

Noutra família, a distorção das representações e afetos ocorre em um pai que denomina seu filho como valente, sem ter consciência de que ele é briguento. Esse pai viu seu próprio pai se acovardar diante de um homem poderoso, tendo deixado de defender a ele, filho. Ele odiou seu pai por isso, bem como odiou esse homem. Todavia, em parte, ele valorizou esse homem lutador, tal como queria que o pai tivesse feito. Assim, ser valente se equaciona a ser poderoso e ser lutador. Portanto, seu filho deve ser valente e não ser covarde, como seu pai o foi. Ser covarde é uma representação investida de ódio por ele, enquanto ser valente é investida de amor – acobertando ser briguento. Ser poderoso-ser lutador denota a vivência de grandeza que esse pai valoriza e desvaloriza, deslocando tal grandeza para a representação de seu filho ser valente.

A clínica da grandeza, da escassez e do vazio

Nessa seção, o uso de aspas simples visa destacar as falas diretas da paciente.

A vivência de grandeza da paciente refere-se à profusão de suas ideias e atividades. Por outro lado, sua escassez remete ao vazio implícito em sua grandeza e na grandeza de sua mãe. Contudo, a escassez está prevalentemente ligada à sua relação com seu pai, que nunca reconheceu seu valor. Remete, especificamente, à falta de representações sobre sua importância e valor como pessoa, intelectual e profissional.

Seus retornos à análise são marcados por certa emergência. Dessa vez, trata-se de sua relação com dinheiro. Desde seu doutorado ‒ há seis anos ‒ ela obteve várias bolsas, sendo que a última foi angariada em meio à grave crise do país. Essas bolsas tem assegurado sua sobrevivência, viagens a trabalho, participação em congressos internacionais e a compra de um computador. Apesar dessa renda, ela chegou afundada em dívidas, pois gastava muito mais do que ganhava. Para pagá-las, precisa vender um imóvel, que adquiriu e não conseguiu pagar. Ela sobrepõe referências sobre os imóveis, misturando seu imóvel, outro de sua irmã e um terceiro, que acumula dívidas. Assim, fica à mercê de mecanismos perversos das empresas de cartão – com juros exorbitantes.

Logo, uma abundância de ideias, projetos de pesquisa, atividades intelectuais e atividades social-religiosas ascende ao primeiro plano de suas questões. Ela sobrepõe ideias acerca de suas atividades acadêmicas em três universidades, sem concluir o raciocínio quanto a cada uma. Faz seu segundo pós-doutorado numa grande universidade, por meio de uma bolsa financiada por uma grande instituição de pesquisa. Essa bolsa foi obtida num momento de grave crise econômica no país, quando inúmeras outras bolsas foram recusadas. Esse pós-doutorado tem relação com outra grande universidade, na qual ela desenvolve projetos e atividades. Trabalha ainda numa pequena universidade. No futuro, deseja ser pesquisadora e professora numa grande universidade. Viajou para alguns países, com financiamento de instituições de pesquisa.

Todavia, depois de cada conquista acadêmica, ela banaliza seu valor e o valor de sua conquista, desconsiderando sua dedicação e esforço para obtê-la. Seu vazio de representações ‒ harmônicas com seu desejo ‒ aparece, ademais, em sua dificuldade de escrever artigos, sozinha. Fazê-lo significa reconhecimento público no domínio intelectual, com base em seus méritos. Atormenta-se com a ideia de que seu sucesso acadêmico é fake. Porém, nas atividades universitárias, seu sucesso profissional é real.

A configuração de grandeza ‒ dada sua inserção em duas grandes universidades, o financiamento de seus projetos por instituições de grande porte, bem como o grande número de projetos e atividades que desenvolve ‒ resvala para vivências de escassez e de miséria. Assim, ela diz: ‘não quero ter esse pensamento de escassez’ e ‘recorrer a isso é miséria’. E, ainda: ‘meu salário vai cair’, omitindo ‘na minha conta’. As figuras paterna e materna são emblemáticas com relação às suas vivências mentais de grandeza e escassez. Seus pais têm uma casa em comum. Sua mãe a alugou por metade do valor de mercado e pegou todo dinheiro para si, sem avisar o ex-marido; há 45 anos, a relação entre eles é assim. A paciente fala em desonestidade, omitindo sua mãe. Em sua infância, a mãe comprava coisas caras e raras como: máquina de lavar louça, há trinta anos. Ela não pagava as contas, ‘enrolava’. Assim, escondia-as no porão e não as usava. Comprava coisas caras, desperdiçava-as e ficava um vazio: não usufruía do prazer, do conforto e, ainda, faltava-lhe tranquilidade.

‘Minha mãe foi muito importante para eu me tornar quem eu me tornei’. Ela ‘sempre deu um jeitinho, buscou o caminho mais fácil’. Sua mãe obteve uma bolsa parcial para ela no melhor colégio da cidade, mas dava cheques sem fundo para pagar o restante da dívida, ‘minha mãe enrolava’. A paciente correspondeu a isso, estudando e sendo boa aluna. Todavia, ela não integra representações acerca de seu mérito ‒ ser dedicada, ser inteligente, ser estudiosa, ter valor, entre outras. Portanto, prevalece sua identificação com as vivências maternas de grandeza, escassez e de vazio. A abundância de compras de sua mãe oculta um vazio de representações. Sua mãe ‘não tem auto-estima, não compra coisas para si’. Seus aspectos positivos dizem respeito ao fato de ela ‘não ter noção da vida’ e, assim, ‘tudo era possível’. Ela desejava coisas grandes e as adquiria. Seus aspectos negativos envolvem o fato de ela não fazer planejamento, não ter casa própria e nem uma boa previdência.

Em sua identificação com sua mãe, diz: ‘como tudo era possível, eu tentava’, sem completá-la. Subentende-se que ela se refere a empreender uma ação para atender seu desejo. Quiçá, remeta à tentação/sedução de ficar tentada por certo objeto. Nesse contexto, ela confundia questões pessoais e profissionais junto a sua supervisora, envolvendo atividades e horários. Ela organizava as emergências de várias pessoas, buscando ser útil e ser prestativa, ‘até o limite’. Ela já teve muita necessidade de ser amada pelo outro e tentava agradá-lo ao máximo. ‘Minha mãe não consegue amar profundamente’. Com a mãe ‘não havia retorno’, como se a paciente plantasse amor no campo psíquico do impossível. Assim, ela tem um incomensurável vazio quanto a ser amada profundamente pela mãe e ser valorizada intelectualmente pelo pai. Então, revê sua insatisfação com sua aula na grande universidade. ‘Tenho uma boa percepção da realidade sobre a qualidade da aula, mas preciso saber tudo’, como forma de poder e de ser superior ao outro. Vem mudando isso, ao conviver com seu namorado. Já buscou ser poderosa com as pessoas.

Com relação a dinheiro e comida, é seduzida por ‘poder’, ‘não passar vontade’. ‘Não passar vontade’ envolve um diálogo interior que remete a ‘você pode tudo’. A princípio, a frase se refere a ela não ter limites quanto à comida e dinheiro. Depois, ela complementa ‘você pode tudo’ com ‘inclusive escolher’, que se associa a comer alimentos mais saudáveis e baratos. ‘Você pode tudo’ remete à sua mãe, ‘sem percepção da realidade’. Por sua vez, ‘passar vontade’ associa-se a ‘ser pobre’, ‘ser fracassada’. Porém, ‘não passar vontade’ e ‘poder tudo’ a levava a engordar, perder roupas boas e sofrer muito com isso: proporcionam prazer momentâneo e sofrimento prolongado. Apesar de seduzida pela ideia de ela ‘não ser pobre’, já pensou que ‘gente boa não fica rica’. Assim, ela e seus pais seriam bons.

Dinheiro, comida e falta de limite formam uma trama confusional na paciente. Ela come até que ‘quase explodir, faço tudo no limite’. Come, engorda, perde roupas boas e sofre muito. Diz: ‘olha o tamanho que eu tô’. Sua compulsão por comida está incontrolável. Ela é o oposto de sua mãe, que ‘queria não precisar comer’. Isso se associa a ódio de si e a fracasso imutável, que reverte para fracasso mutável, na análise.

Sente ódio de si ao tomar consciência de um limite intransponível: morar no segundo imóvel. Não tinha dívidas quando iniciou sua compra. Porém, ao fazer essa conquista importante, arrumou dívidas para impedir seu crescimento, sofreu muito e, por fim, se superou. Em duas situações, foi quase até o limite e vivenciou a sensação de morte, solidão e autossuperação. Sua ausência de limites associa-se, ainda, a um parâmetro quantitativo de atividades que a exaurem, ocultando o parâmetro qualitativo de conforto para o corpo e tranquilidade para a mente. Remete às questões de seu pai com o corpo e de sua mãe com o vazio de conforto e tranquilidade.

Há um núcleo de fracasso em seu sucesso como: estar em três universidades, mas faltar-lhe dinheiro, bem como um núcleo de sucesso no fracasso como: estar gorda e se sentir bonita, ter um parceiro que a ama e não ter problemas com sua sexualidade. Porém, ter sucesso é impossível. Isso remete ao impossível para seus pais: conforto, segurança e estabilidade quanto a dinheiro. Porém, seu discernimento quanto a dinheiro melhorou. Seu vazio de valor pessoal associa-se ao desejo de ser grande no mundo.

Ainda no tocante a dinheiro, excede seu orçamento ao amparar pessoas desamparadas e vulneráveis. É capaz de ser boa e magnânima com os desfavorecidos, mas lesa-se com isso. Quanto a pagar as sessões, ela se revela honesta, organizada, capaz de planejar e pronta para pagar ‒ traz o cheque pronto e paga no início da sessão. Todavia, apresenta grande dificuldade em receber dinheiro, pois ‘as pessoas querem levar vantagem em tudo até o final’ ‒ como sua mãe. Assim, ela parece identificar-se com as pessoas lesadas por sua mãe, quando tem dificuldade em cobrar quem lhe deve. Tal como sua mãe, seu pai nunca se responsabilizou por dinheiro. Desse modo, ela tem dupla herança quanto a ser irresponsável com dinheiro, com relação a si. Dinheiro significa passaporte para uma vida melhor, escudo de proteção para o desamparo, ‘para não ficar à mercê’. Não a completa com ‘do outro’. Seu namorado atual é calmo, acolhedor, atencioso e ela já não faz tudo o que quer, como antes. Ele lhe deu dois reais para pagar um remédio e o ‘tamanho’ disso foi muito grande. Tem com ele uma relação de amor construída a dois e de colaboração quanto a dinheiro. Dois namorados anteriores pagavam tudo para ela. Diferenciando-se de seus pais, precisa usar o dinheiro como forma de se amar, cuidar, proteger, dar alívio às suas dores e angústias. Dinheiro precisa associar-se a uma maneira amorosa, protetora e reflexiva de ser e de lidar com a realidade ‒ para ela ter uma vida melhor.

O discurso materno incluía ‘vai, você pode, você consegue’, enunciando seu investimento de amor e de sucesso nas atividades intelectuais da filha. Em contrapartida, o discurso paterno incluía ‘você é burra, você não consegue, você é um nada’. Subentende-se, nessa frase, seu ódio e seu desejo de fracasso, projetados na filha. Em meio a esse conflito, a comida servia para encobrir seu vazio representacional-afetivo. Pois, na escola, as crianças ricas e magras comiam o que queriam. Ela sentia que não era nada, era gorda, feia, burra, pobre, inferior, inadequada. A partir disso, para a adulta, a comida significa ‘posso tudo’, a despeito de prejudicar sua autoestima, sua saúde na realidade atual. O discurso paterno atual liga-se às vivências da paciente: ‘eu não tenho dinheiro, porque paguei sua faculdade’, ‘como você pode ser profissional e não ter dinheiro para me dar?’ e ‘como você usa essas roupas, se não tem dinheiro?’ Suas frases quando a esposa/mãe da paciente comprava objetos caros eram: ‘você quer aparecer’, ‘come mortadela, arrota peru’, ‘você não tem nem onde cair morta’ e ‘você não tem dinheiro nem pra uma diarreia’. Com a análise, a paciente parou de gastar mais do que ganha. Deseja coisas duradouras e permanentes, bem como estabilidade e segurança. Seu descontrole se mantém quanto à comida, como forma de carinho consigo. Era uma das poucas coisas mediante as quais se sentia amada, valorizada e importante, na infância. Isso fez/faz da comida, algo raro, precioso e imperdível, para além de suas vivências de desamparo.

A despeito de certas conquistas com dinheiro, ela vivencia um fracasso sem saída, ao se desidentificar com sua mãe. Fica pessimista e desmotivada, mas tem carinho para consigo mesma e vislumbra novas alternativas de vida. A seguir, ela passa por um período de apatia, paralisia, descrença de mudança e desesperança. Esse ódio a si revive sua identificação com seu pai. Assim, ao conquistar objetos de seu desejo, alça-os para além do patamar ‒ que ela efetivamente atingiu ‒ e os desvaloriza. A menção da analista quanto ao fracasso e à derrota de ambas funciona como uma espécie de turning point na análise, fazendo com que ela valorize cada pequena grande conquista no controle do dinheiro e da comida. Em face disso, ela pode experimentar ser realista, ser competente, ser amada, ser competente quanto a discriminar situações da realidade e ser competente em termos de visão global sobre o mundo.

Discussão

O uso de itálico destaca suas representações e suas mudanças na análise.

Na analisanda, suas vivências de grandeza, de escassez e de vazio ligam-se as de seus pais, por meio da identificação (Freud, 1900; Kaës, 2001; Eiguer, 1997). Kaës (2001) pontua que a identificação é o processo maior da transmissão psíquica. Elas se ligam, ainda, a sua contraidentificação com eles (Almeida, 2010; Almeida, 2011).

A partir de sua identificação com sua mãe, ressalta-se o desejo de ambas quanto a coisas grandes: boas e caras. No caso de sua mãe, há um vazio de representações quanto às bases para realizar seu desejo de grandeza ‒ ser trabalhadora, ser organizada, ser boa planejadora e ser competente para ganhar dinheiro ‒ bem como um vazio quanto a administrar as consequências desse desejo ‒ ser boa pagadora. Ademais, o vazio de representações maternas compreende: ser consequente, ser responsável, ser honesta. Por contraidentificação com sua mãe, a paciente é capaz de ser honesta com dinheiro. Todavia, não conseguia ser boa planejadora e ser organizada. Sua vivência de grandeza envolve as representações de tamanho no tocante a ser gorda e à grandeza de ser cuidada pelo namorado. O tamanho relativo a ser gorda articula-se ao plano concreto e o tamanho da grandeza de ser cuidada envolve o plano psicológico. No que tange às operações do sistema sob a influência da análise, a mudança de tamanho-grandeza-ser gorda para tamanho-grandeza-ser cuidada testemunha a contraposição de representações (Almeida, 2011).

Em sua identificação com seu pai, aparecem o vazio de ambos quanto a ter dinheiro. No caso de seu pai, parece que seu sistema é impregnado por representações ‒ ser inferior e ser prejudicado; afetos ‒ ódio, odiar e ser odiado ‒ e vivências negativas ‒ escassez, frustração e prejuízo. Na relação, ele tenta projetar na esposa e na filha seu ‘pior’ legado: ser inferior, ser prejudicado, ser odiado, ser frustrado e ser prejudicado.

No que se refere a seus pais, aparece o vazio de representações congruentes com seu desejo. Por parte da paciente, ressalta-se uma dupla identificação com o vazio de ambos e sua identificação com as vivências conflitantes de ambos ‒ grandeza e escassez. Seu vazio de representações promotoras de seu desejo compreende: ser possível amar-se e reconhecer-se como intelectual.

Em seu sistema representacional, imperam: ser impossível ser amada profundamente por sua mãe e ser impossível ser reconhecida intelectualmente por seu pai. Além disso, ter sucesso é impossível, estando associado ao impossível para ambos: conforto, segurança e estabilidade com dinheiro. Impossível, incontrolável, imutável, intransponível são representações do trauma do absoluto, que impedem de por em ação seu desejo. Um segundo grupo de representações não é típico do trauma do absoluto. São elas: ser gorda, ser feia, ser pobre, ser inferior, ser inadequada (Almeida, 2010).

No que se refere às operações do sistema surge a contraposição das representações, na mudança: de sucesso impossível para sucesso possível, de fracasso sem saída para sucesso real e construído por ela, de fracasso imutável para fracasso mutável, de compulsão incontrolável por comida para comida controlável, de limite intransponível para limite transponível. Há, igualmente, uma mudança dos afetos investidos nelas: de ódio para amor (Almeida, 2011).

Em seu sistema das representações, dois grupos de representações ligam-se à divisão de seu ego. De um lado, aparecem ser inteligente, ser importante, ter valor próprio, ser bem-sucedida, ter sucesso real, ser autora de artigos individuais, ser capaz de se autorreconhecer. De outro, aparecem ser burra, ser sem valor, ser fracassada, ter sucesso fake, ser co-autora de artigos, ser reconhecida pelos outros. Ser burra e ser incompetente são representações conscientes atribuídas a ela pelo pai. Quanto à divisão do ego, Freud (1940) aponta o conflito entre o instinto e a proibição da realidade. Por um lado, o ego rejeita a realidade; por outro, ele reconhece seu perigo. O conflito entre suas representações é notável. Pode ser ambiciosa, ser lutadora e ser bem sucedida no plano intelectual, mas seu sucesso acadêmico seria fake.

‘Você pode tudo’ evoca poder ilimitado quanto à comida e dinheiro. Contudo, ‘você pode tudo’ omite a possibilidade de ela escolher o melhor para si, impondo limites à comida e ao gasto de dinheiro. Contudo, no início da análise, ela dizia: ‘não quero ter esse pensamento de escassez’ e ‘recorrer a isso é miséria’. Quanto às operações do sistema, há uma contraposição de ideias na mudança de poder ilimitado para escolha do melhor por meio de limites (Almeida, 2011).

‘Poder tudo’ associa-se a ‘não passar vontade’, sendo que isso se associa a ‘ser pobre’ e a ‘ser fracassada’. Então, ela é capturada pela representação de não ser pobre. Todavia, ser rica evoca ser má, enquanto ser pobre associa-se a ser boa. Assim sendo, ela ficava presa nessa contradição entre suas representações.

As frases paternas confrontando o desejo materno de grandeza mesclam dinheiro e corpo, bem como suas funções, disfunções e vicissitudes. ‘Come mortadela, arrota peru’ evoca a representação de sua esposa ostentar ter dinheiro, sem tê-lo. Envolve, ainda, a metáfora de comida de pobre/mortadela e comida de rico/peru. Arrotar se refere ao funcionamento do corpo, visto culturalmente como deselegante. ‘Você não tem nem onde cair morta’ refere-se à necessidade de se ter dinheiro até para morrer/fim do corpo. ‘Você não tem dinheiro nem pra ter diarreia’ associa dinheiro e disfunção do corpo.

Nesse contexto, sua esposa diz: ‘não queria ter que comer’. Assim, o desejo incontrolável da paciente quanto à comida se ligaria às representações paternas sobre a relação entre dinheiro, comida, disfunção do corpo e suas funções, do ponto de vista cultural. Sua avidez por comida se contrapõe à rejeição materna à comida. Porém, sua mãe a oferecia como forma de carinho e de regalia a ela, quando criança.

No discurso paterno atual, a frase ‘não tenho dinheiro, porque paguei sua faculdade’ atribui seu vazio de dinheiro à realização do desejo profissional da filha. Parece indicar que seu vazio/fracasso se conjuga à possível prosperidade da filha e a seu sucesso. Além disso, parece que tão somente um membro da família pode ter sucesso/dinheiro. ‘Como você pode ser profissional e não ter dinheiro para me dar?’ afirma a ascensão social e a superioridade intelectual da filha, mas, a seguir, ele as nega por meio de seu rebaixamento social e sua inferioridade financeira. ‘Como você usa essas roupas, se não tem dinheiro?’ parece referir que o sucesso da filha é fake. Quanto a isso, Eiguer (1997) propõe que na identificação atributiva, o pai atribui ao filho uma vivência interior, um traço pessoal, certa representação de seus objetos internos.

No discurso da paciente, há várias frases incompletas. Em ‘meu salário vai cair’, ela omite ‘na minha conta’. Todavia, seu salário ia aumentar naquele mês. Assim sendo, impera, nela, a vivência de perda, de escassez e do prejuízo quanto a dinheiro, haja vista a troca entre cair e aumentar junto com a omissão de entrar dinheiro em sua conta. A escassez, a perda e o prejuízo fazem parte das vivências mentais de seu pai. Em ‘como tudo era possível, eu tentava’, tentava parece significar realizar uma ação para satisfazer certo desejo, talvez depois de ela se sentir tentada por certo objeto. Em ‘você pode tudo’, ela omite ‘inclusive escolher’. Quando ela se refere à desonestidade, omite ‘da minha mãe’. Em ‘não ficar à mercê’ falta o complemento ‘de meu pai e minha mãe. Portanto, os complementos excluídos das frases evocam, principalmente, sua figura materna.

Ao final desse período de análise, aparecem representações coerentes com seu desejo: ser realista, ser organizada, ser equilibrada com dinheiro, ser amada, ser competente quanto a discriminar situações da realidade e ser competente em termos de visão global sobre o mundo. Desse modo, ela começa a realizar seu desejo, em seus fundamentos mais profundos (Almeida, 2003; Almeida, 2010; Almeida, 2011).

Considerações finais

Resultantes da herança transgeracional, essa conjunção psíquica se fez presente na análise da paciente. Ela se associa à identificação e à contraidentificação, que transmitem o legado psíquico numa família.

A conjunção de grandeza e escassez se associava ao vazio de representações coerentes com seu desejo. Seu vazio se ligava ao vazio de representações de seus pais, dada sua identificação com eles. Entretanto, a parcela mais deletéria de sua identificação com eles aparece nas representações do trauma do absoluto: sem saída, intransponível, incontrolável, impossível, ser desamparada, não amada pela mãe e rejeitada pelo pai.

Desse modo, seu complexo de Édipo, com seus conteúdos amorosos e hostis, ao lado da divisão de seu ego contribuíram para seu conflito entre grandeza e escassez. Contudo, o vínculo de amor entre ela e sua mãe abrandou a força de sua herança psíquica. Nesse caso, o investimento materno de amor em sua grandeza e seu sucesso favoreceu elaborar seu sofrimento com mais facilidade, do que no caso de maior quantum de ódio ao desejo. Logo, seus bloqueios psíquicos contra a realização de seu desejo e sua atualização no presente são mais facilmente trabalhados em análise. Além disso, o desejo de grandeza de sua mãe ‒ mesmo dissociado da realidade ‒ serviu como modelo para sua identificação. Em meio a isso, sua contraidentificação com ela foi relativamente branda. Desse modo, o ódio investido nas representações de seu desejo é menor do que no caso do sobreinvestimento – típico do trauma do absoluto.

Próximo ao final da análise, sua identificação com seus pais impedia que representações coerentes com seu desejo assomassem ao estrato consciente do sistema. Sua desidentificação com esse material psíquico foi crucial nessa etapa. Para tanto, dentre as operações do sistema das representações, a contraposição de representações imperou, ao passo que o desdobramento das representações não ocorreu. Os aspectos diferenciais entre essa conjunção psíquica e o trauma do absoluto aparecem em relevo. Nessa conjunção, há o investimento de amor em certas representações – ser grande intelectualmente – o investimento de ódio em outras – ser bem-sucedida – e o sobreinvestimento de ódio nas restantes – sem saída, intransponível, entre outras. A desorganização funcional do sistema é mais branda do que no trauma do absoluto; o tempo de análise e a ruptura dos vínculos com os objetos humanos são menores; o objeto humano não é idealizado, pois ao vivenciar seu desejo de grandeza, não precisa projetá-lo no objeto. Então, o vazio de representações pode ser conhecido na análise, ao dar lugar àquelas consoantes com seu desejo.

A vivência mental de grandeza não é deletéria em si mesma. O desejo por objetos ‘grandiosos’, bons e caros pode ser legítimo do ponto de vista do sujeito. Todavia, torna-se problemático quando sua origem é inconsciente ‒ por identificação com o genitor ‒ ao emergir da divisão do ego e se mesclar à escassez e ao vazio. Em contrapartida, integrar seu valor e alicerçar seu desejo de ser grande na realidade ‒ com inteligência, dedicação e ética ‒ é essencial para ela. Porém, como ela parou a análise tão logo a emergência foi ‘resolvida’, a integração de representações coerentes com seu desejo foi pouco consistente. Elas não se tornaram, partes integrantes de seu eu.

Maria Emilia Sousa Almeida
Enviado por Maria Emilia Sousa Almeida em 02/10/2023
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