PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES

COMENTÁRIO RESPOSTA À MINHA CUNHADA MILENE CAVALCANTI FLORENTINO, QUE GENTILMENTE ME ENVIOU O ARTIGO ¨PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES¨, DO JORNALISTA ANTÔNIO CASTRO (KAKAY):

Excelente artigo. Muito boa a evocação da lucidez do que foram esses anos de trevas, da auto crítica e até da coragem assumida durante um período tão perigoso para o cidadão e a humanidade.

Assim foi comigo: Reconheci e reconheço meu erro ao apoiar a Lava Jato (não o ex juiz Moro, pois este desde o início não me enganou), mas em compensação critiquei severa e radicalmente Bolsonaro e seu governo desde sua campanha para presidente, inclusive publicando artigos a respeito, atitude que me deixa orgulhoso. Também critiquei sua postura na pandemia por escrito. Mais que isso, fui praticamente uma voz isolada entre meus pares de profissão, bolsonaristas na grande maioria.

Acompanhei e visitei todos os colaboradores das empresas que trabalho, indistintamente (mesmo sendo de alto risco: idoso, coronariopata grave e diabético), inclusive mudando as medicações inadequadas prescritas pelos colegas influenciados pelo bolsonarismo, com risco de ser denunciado ao CRM (nenhum teve coragem de fazer isso pois sabiam que estavam errados).

Com essa postura e ação consegui salvar muitos trabalhadores, não só das empresas que eu trabalho mas também de outras do sistema de transportes urbanos de Fortaleza cujos médicos não acompanhavam de perto, por medo, insegurança ou ignorância... quanto a isso não posso julga-los e critica-los.

Todos que atendi reconhecem meus esforços, incluindo as diretorias das respectivas empresas (só perdi um colaborador e não foi diretamente pra Covid-19 e sim para um AVC, consequente à nefasta virose).

Enfim, um período pra ser lembrado constantemente pela história... os acertos e os erros, para que possamos aprender, apreender e nunca mais esquecer das lições aprendidas. 👍👊👏😘😘

Marco Antônio Abreu Florentino

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS DORES

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

“Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.” Manoel de Barros

07/09/2023 06:00

É impossível superar um trauma se não fizermos um enfrentamento real das feridas e de suas sombras. O Brasil ainda passa por um momento pós-traumático dos ataques à democracia e das consequências nefastas de quatro anos de um governo corrupto, banal e fascista. As garras do fascismo lembram a famosa incursão do velho Pessoa pela área da publicidade, quando cunhou frase instigante e brilhante ao fazer uma propaganda para a Coca-Cola: “Primeiro estranha-se; depois entranha-se”. O fascismo é como uma praga que, sub-repticiamente, deixa marcas nas pessoas e na sociedade. Derretem-se os valores humanistas e corrompem-se os sentimentos humanitários. A própria noção de civilização tende a sofrer, ante a barbárie que se instala.

Por isso mesmo, repito à exaustão: é necessário valorizar todas as pessoas e instituições que conseguiram fazer frente - cada um à sua maneira e colocando o pé na porta -, para impedir a perpetuação do desastre que representa o bolsonarismo e seus consectários. Valorizar e apoiar. Não tenho dúvida de que estivemos todos cercados por um círculo de giz invisível, que estrangulou alguns e serviu de proteção a outros. Nem todas as pessoas reagem bem a pressões e ameaças.

Esse bando que saqueou o país não hesitou em, estrategicamente, inocular o ódio, a violência, o medo e a desesperança no seio da sociedade. Sem escrúpulos, fez da mentira e do engodo suas armas. O país foi como que emparedado e submetido a um tratamento de choque, onde vendas tampavam os olhos, o ar era rarefeito e as vozes saíam roucas ou até emudeciam. Resistir foi um ato de coragem. E de necessidade.

Passados os embates que levaram à vitória da democracia nas urnas, é hora de reconstruir o país e voltar a respirar ares democráticos. Tenho insistido que, para sairmos mais fortes nesses momentos, não podemos ceder à tentação de usar os mesmos métodos da barbárie que combatíamos. Senão, a barbárie terá vencido e o processo civilizatório dará passos para o abismo. Este é o principal sinal de

amadurecimento: dar aos inimigos - e aqui, no caso, são mais do que adversários - toda a estrutura democrática que eles tentaram liquidar.

Como o Poder Judiciário foi a peça fundamental nesse embate cruel e desigual contra os golpistas e abutres da civilização, sendo responsável pela manutenção da institucionalidade, todos os olhos se voltam para ele neste momento. E, mesmo revolvendo as dores que não devem e não podem ser esquecidas - até para não serem repetidas –, agora é hora da maturidade democrática. Mais do que nunca, faz-se imperioso termos o rigor e o cuidado com os direitos dos que atentaram contra a Constituição e contra o Estado democrático de direito.

E a saída é simples: cumprir a Carta Magna, sem perseguição, mas sem nenhum tipo de perdão, anistia ou complacência. E, principalmente, sem permitir que os excessos covardes que marcaram esse grupo, desde a era lavajatista, manchem o processo penal democrático a que serão submetidos.

Já é hora dos três poderes se ocuparem dos seus espaços naturais, cada um na sua vocação constitucional. Só assim restarão tempo e oportunidade para nós, pessoas comuns, darmos asas aos nossos sonhos, em busca de uma tranquilidade, e até felicidade, que pareciam ser inatingíveis.

Lembrando-nos do irrequieto Leminski:

“Uma pálpebra,

mais uma, mais outras,

enfim, dezenas,

de pálpebras sobre pálpebras

tentando fazer

das minhas trevas

alguma coisa a mais

q ue lágrimas.”

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay