Os gols que o Brasil tem perdido
O primeiro que me impactou muito, foi o gol que o Santos – meu time do coração – perdeu contra o Barcelona, na final do mundial de clubes de 2011. O time catalão dominava a contenda, punha o Peixe na roda. Mas não conseguia infiltrar-se na área, não conseguia finalizar. A defesa do Santos estava muito bem plantada. O placar ainda 0X0. Até que o Santos conseguiu um contra-ataque fulminante, rápido. Neymar pelo meio avançava com a bola, mas à frente dois zagueiros do Barça o bloqueavam. Correndo ao lado de Neymar, livre, ia o lateral Danilo, na entrada da área catalã. Mas Neymar quis passar no meio dos dois adversários. Tomaram-lhe a bola! E na continuidade do jogo, o Santos, envolvido pelo talentoso e entrosadíssimo Barcelona, acabou perdendo por 4X0. Teria sido diferente se tivesse feito o primeiro gol.
O segundo, que me lembrou muito aquele de 2011, foi neste 29 de julho de 2023, no jogo do campeonato mundial feminino de seleções, França versus Brasil. Estava 1X1, após o Brasil ter iniciado o jogo perdendo. Então, outro contra-ataque fulminante, muito parecido com aquele de 2011. Debinha com duas zagueiras francesas à sua frente, na entrada da área, a seu lado uma jogadora brasileira livre – não me lembro quem era. Mas Debinha quis passar pelo meio das duas adversárias, para fazer seu segundo gol na partida. Tomaram-lhe a bola! E o Brasil acabou perdendo, por 2X1. E depois, no 0X0 contra a Jamaica, foi desclassificado. Não teria sido, se tivesse empatado com a França.
Se há duas coisas que atualmente distinguem o melhor futebol do mundo deste que se tem praticado no Brasil, são o espírito coletivo acima da vaidade pessoal, e a rapidez e acerto da decisão, acima dos vícios da lentidão e do desnecessário drible a mais, que parece só querer humilhar o adversário. Os melhores do mundo hoje, inclusive os hermanos e as hermanas da América do Sul, já nos ultrapassaram nestes dois atributos, essenciais para o bom futebol.
O que há conosco, que não conseguimos praticar o futebol solidário e objetivo que os melhores têm praticado? E que já praticamos um dia? Talvez o futebol seja uma manifestação do sentimento de nação. Quantos talentos, e quantas benesses, temos desperdiçado, e quantos gols temos perdido? Perdas que nos perpetuam como a grande nação do futuro nunca alcançado?
Solidariedade, garra e acerto/objetividade nas decisões não são atributos que têm faltado somente ao nosso futebol. Talvez os esportes só estejam refletindo o que está acontecendo com o país, com sua população. Isso explicaria como fomos capazes de acolher, pelo voto universal, o surto de totalitarismo e obscurantismo que está grassando pelo mundo todo, mas que entre nós veio com demência inusitada. O retrocesso civilizatório que vimos no Brasil está se refletindo no futebol, e também noutros esportes. O individualismo e a vaidade superaram a solidariedade e a causa coletiva. O desvario, a negligência e o erro superaram o zelo e a diligência.
Apesar da extraordinária mudança de rumo nas últimas eleições, ainda temos tido exemplos demais que nos fazem desacreditar do Brasil, e nos impelem ao individualismo e ao descaso. Os estoicos exemplos de apreço e amor pelo país, e pela riqueza cultural e moral de seu povo, acabam soterrados pelos exemplos de iniquidade, improbidade e demência. E estes últimos parecem ser incansavelmente incensados por uma mídia insidiosa, que visa justamente nos desacreditar dos nossos valores, talentos, e de um futuro de generosa prosperidade.
Se não quisermos nos submeter a uma nova forma de escravidão, temos de recuperar nossa identidade, e resgatar os talentos que nos distinguem. É reaprender a sermos solidários e termos garra na busca das conquistas que representam avanço coletivo. Quer dizer, avanço civilizatório. Então também voltaremos a praticar o melhor futebol do mundo.