A primavera chegou!
No quintal aterrissa uma daquelas engenhosas sementes voadoras, que a natureza criou para que as plantas-mãe possam reproduzir-se a grandes distâncias. O vão das telhas do beiral da edícula já voltou a acolher a família de andorinhas que retorna todo ano, depois da migração de inverno. E, no céu, as exibidas andorinhas fazem graciosos malabarismos aéreos, pontilhados de chilreios de alegria. Debaixo da caramboleira do jardim, a metade de um pequeno ovo de pássaro, as bordas serrilhadas de bicadas, mostra que o ninho acima acolhe uma nova ave. Ao lado, a pitangueira já está coberta de flores e botões, o ar está perfumado, os ouvidos zumbem com a presença de um diligente enxame de abelhas. Em frente à casa, a sibipiruna, que ficou completamente desnuda de folhas há duas semanas, já está repleta de novos brotos de um verde luminosamente juvenil.
A natureza está nos dizendo: a primavera chegou! E estamos falando de Ponta Grossa, cidade com clima subtropical situada num planalto do sul do Brasil, com temperatura média histórica do mês de julho de 13,8ºC! Mas, apesar dos sinais que a natureza nos dá, não chegamos ainda ao final de julho, não alcançamos a metade do inverno. Ademais, o noticiário nos informa que temos tido no planeta as maiores temperaturas médias de que se tem notícia no último milênio, florestas ardem no Canadá, ondas de calor e temporais fazem vítimas na Europa.
A apressada chegada da primavera, mais de mês e meio antes da data prevista no calendário, a par de ser motivo de alegria pelos sinais de renascimento, torna-se também motivo de grande preocupação. As evidências do aquecimento do planeta estão indisfarçáveis. Para quem quer enxergar, não é mais possível alegar que os alertas para mudanças climáticas radicais sejam fruto do alarmismo de desatinados ou do oportunismo de aproveitadores.
Já há 60 anos temos tido os primeiros alertas do aquecimento global causado pela ação humana. Mas pouco conseguimos fazer para deter essa radical transformação, com consequências imprevisíveis para a humanidade. Vamos sobreviver?
A queima de combustíveis fósseis, os desmatamentos, a descriteriosa utilização agrícola dos solos e a atividade industrial têm sido os principais responsáveis pela emissão dos gases estufa que acirram o aquecimento do planeta. O arranjo socioeconômico que engloba estas atividades declara guerras, é hiperconsumista, incentiva a cupidez humana, cultiva o individualismo e a alienação, concentra renda, dissemina a pobreza, acarreta imenso desperdício de recursos e bens, depreda o ambiente e extingue espécies. E causa o aquecimento global. O que falta então para tomarmos consciência das insanidades que cometemos, e mudar para uma outra civilização, mais comprometida com sua sobrevivência?
Talvez esteja faltando abrir mão da cupidez, que gera a injustiça, a pobreza e a ignorância. Talvez esteja faltando chegar à beira da catástrofe e do morticínio, quando a evidência do erro nos faça escolher em tempo caminhos mais ajuizados.
Tomara acordemos antes de nos precipitarmos no abismo.