O MEDO DA MORTE: “Uma representação que circunda a história da humanidade”
Introdução
O medo da morte em uma perspectiva que pauta o imaginário da humanidade e as concepções coletivas referente a temática.
A história da humanidade é marcada por conflitos que iniciam se no período medieval e suas consequências se arrastam até os “dias de hoje”. A partir do século XIV, acumulavam grandes catástrofes, iniciando uma gigante e dramática caça às bruxas, não tardando a guerra dos cem anos, que fez afluir perseguições nas cidades; e em outros lugares a peste negra abateu “um terço do mundo”. As desgraças multiplicam a peste, desencadeando na Europa uma enorme angústia, a qual é apontada pelo historiador (Delumeau, 1989) em a História do Medo no Ocidente.
Percebe-se, na Europa nos anos 1000 a expressão, de uma solidariedade ativa, firme, enfrentando tanto a miséria quanto a consequência das calamidades; solidariedade que não se restringia aos vivos, e sim aos defuntos; na forma de oração, confissão penitência, pois as boas obras permitiam atenuar o temor ao inferno e prestar auxilio as almas do outro mundo. A matança de bruxas e judeus, a guerra dos cem anos e a peste negra afirma a ideia, pois o continente foi quase despovoado e tudo isto semeava a insegurança da sociedade que gemia e lamentava a perda de mais um homem.
A cristandade construiu um imaginário em volta da morte, até nas pinturas, um grande Lúcifer era representado como o grande causador dos problemas, pois ele provocava a fome, a doença, o medo e a morte dos indivíduos. O medo da morte é algo obcecador, e o homem com a sua convivência passa a cultuar, promovendo ensaios rompendo com o “silêncio do medo”, uma relação direta da morte com grandes temores que ameaçavam o desaparecimento da raça humana.
Satanás e os demônios eram assustadores no imaginário medieval, mas também ridículos e engraçados; baseado na afirmação que “ainda não havia chegado à hora do grande pavor satânico [...]” (Delumeau, 1923, p. 207) e hoje notamos que este imaginário ainda sobrepõe às pessoas. “É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela. É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental”. (MORIN, 1988)
O estudo do medo da morte é algo que se entrelaça com a vida humana. Assim, quando buscamos entender os mistérios da morte, embarcamos em uma expedição na busca pelos mistérios que nos afligem todos os dias. De uma maneira interdisciplinar promoveremos um estudo que focaliza a omissão da mesma.
Os tempos modernos parecem ser obcecados pelo medo da morte; rompendo com o silêncio sobre o medo, utilizando a comparação das epidemias de peste, demônios, um imaginário que semeia uma insegurança coletiva.
Tenho como objetivo apresentar o medo da morte na sua totalidade, deixando claro que a morte é uma experiência humana universal; promovendo de forma investigatória, como se deu o processo de formação e transmissão do medo da morte. Analisando o medo, a dor, a preparação para a boa morte. Investigando a dicotomia vida versos morte; buscando evidenciando os aspectos científicos e psicológicos que circundam a temática. Destacando a importância da micro-história para a investigação do medo de morrer; promover um percurso histórico que evidência o drama do medo de morrer que se engendra no centro da história do homem.
A micro-história abre caminhos que possibilitam a busca pela investigação cientifica do medo de morrer. A micro-história é um gênero historiográfico que defende uma delimitação temática extremamente específica por parte do historiador; mas não se reduz apenas a isto, pois a mesma desenvolve-se a partir de uma exploração exaustiva das fontes, envolvendo a descrição etnográfica e tendo preocupação com uma narrativa histórica que se diferencia da narrativa literária porque se relaciona com as fontes.
A micro-história contempla temáticas ligadas ao cotidiano, a sociedade, a geográfica, a biografias ligadas à reconstituição de micro-contextos. A micro-história surgiu na Escola dos Annales, tornando ao longo do processo histórico a base para a história cultural, história das mentalidades, história do cotidiano.
Segundo Vainfas (1997), a micro-história também é compreendida como a expressão típica de uma história descritiva, de viés marcadamente antropológico, que renunciou ao estatuto científico da disciplina e invadiu o território da literatura, rompendo de vez as fronteiras da narrativa histórica com o ficcional. A micro-história é como um "zoom" em uma fotografia, onde o historiador pesquisador observa um micro-espaço, mas tem a consciência da amplitude além da paisagem analisada.
Na pesquisa que se apresenta pretendo mostrar de forma investigatória, como se deu o processo de formação e transformação do medo ao longo da história da humanidade, que trazia angústia coletiva a um “povo”. Objetiva-se com esta pesquisa desenvolver um trabalho investigativo até mesmo provocando dúvidas e indagações sobre o assunto em pauta.
A morte como fenômeno físico, já foi evidentemente estudada, sendo um objeto de pesquisa para inúmeros pesquisadores historiadores, porém permanece um mistério, quando aventuramos no terreno mental. A morte ao mesmo tempo em que ajuda a estudar as ideias das atividades humanas, mostra o medo do homem de que um dia a vida chegará ao fim.
O estudo da morte, e um assunto que está ligado a nossa realidade, uma temática que chama muito a atenção; a Nova História ou a História das Ideias dá uma relevância ao conceito relacionado com a morte. Mostrando que não podemos fugir do medo ou da memória, dos fatos esotéricos e sobrenaturais, a morte é uma obsessão “onipresente em nossa vida”.
Uma nova visão detalhada nos mostra que a historiografia traz evidencias da influenciada do medo ao longo da história da humanidade. Através da pesquisa realizada, podemos perceber a importância do tema na construção de novas ideias e paradigmas históricos.
Justificadamente o objetivo é descrever o “medo” em diferentes períodos da história, evidenciando as representações do medo de morrer ao longo da história da humanidade.
Ao analisar o fenômeno morte percebemos os mecanismos psicológicos que entram em ação, neste momento de confronto vida versos morte.
A Idade Média teve um papel decisivo na história do medo, não se tratando de uma história das ideias e, sim de uma história geral da civilização relacionada ao conceito de cultura. É na Idade Medida que uma serie de conteúdos negativos começaram a ser associados à morte: conteúdos perversos e macabros bem como torturas e flagelos passam a se relacionar com a morte provocando um total estranhamento do homem e o evento da morte.
O homem historicamente temia a morte, e teme por motivos materiais, não somente religiosos, pois o homem tenta fugir da morte, da perda da vida, ele teme o desconhecido e luta para não perder o conhecimento, ou seja, a sua bagagem intelectual dos relacionamentos criados no meio físico, evitando constantemente uma relação com a morte.
O medo é algo “comum” para o homem, mas o medo da morte é incomum e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações, pois tudo que fazemos é para transcender a morte; prevalecendo o materialismo de Marx e Engels, como superação tanto positivista como idealizadora.
Em suma, podemos dizer que não é fácil lidar com a morte, mas ela espera por todos nós... Deixar de pensar na morte não a retarda ou evita. Pensar na morte pode nos ajudar a aceitá-la e aperceber que ela é uma experiência tão importante e valiosa quanto qualquer outra. (ARIÈS, 2003).
O trabalho de pesquisa que se inicia será baseado em alguns autores que já pesquisaram o assunto, sendo necessário buscar junto a estes as principais teorias produzidas. Para a realização da presente pesquisa faz-se necessário recorrer a referências, da Nova História, História Cultural, História da Ideias e a História do Medo no Ocidente; considerando a ideia de autores como, Phillippe Áries (2003), Santo Agostinho (1990), Jean Delumeau (1989), Edgar Morin (1988) entre outros, de acordo com esses os mesmos, é preciso levar em consideração as diversas manifestações do passado, com intuito de encontrar as explicativas fundamentais. Estes consideram o medo da morte, como a união indissolúvel de objetos e ações que nos indicam, como e onde e para que fosse fundamental o medo.
O autor Áries (2003), que estuda a questão do homem perante a morte, nos apresenta debates em torno das características, bastante controvertidas. Já o autor Delumeau (1989), que tem na história do medo um instrumento não só de mudança, como também de revelar novos campos de investigação, derrubando barreiras que existem entre as gerações ocidentais. Santo Agostinho (1990) traz em sua obra as transformações dos conceitos e das ideais religiosas acerca do tema morte. Morin (1988) apresenta um contexto de confronto homem versos morte. Murphy (1981) que de forma precisa descreve o medo de morrer e as estratégias criadas pelo homem para fugir da mesma.
É preciso ressaltar a importância de se pesquisar esses autores, pois as obras em análise fazem parte da micro-história, tendo como objetivo estudar as relações, do medo da morte, com o imaginário cristão e o papel de uma “humanidade medrosa”.
Essas obras possibilitaram a realização do estudo das representações do medo da morte ao longo da história da humanidade.
A investigação do Medo da Morte: “Uma representação que circunda a história da humanidade será realizada por levantamentos bibliográficos; um estudo de um passado presente, que tem como base a história escrita por pessoas que relataram o medo da morte, que permanece presente na vida social, religiosa e econômica da humanidade.
No processo de evolução humana, na medida em que se desenvolvia a habilidade linguística a qual leva o homem cada vez mais para o domínio abstrato dos símbolos; é possível visualizar um mundo que se estende além do aqui e do agora.
Aflorando a concepção de uma decisiva consciência que vislumbra o medo da morte não sendo considerado um aspecto que fascina, mas que aterroriza a humanidade, historicamente utilizado como fonte de inspiração para doutrinas filosóficas e religiosas bem como uma inesgotável fonte de temores, angústia e ansiedade para os seres humanos.
Para analisar o medo de morrer devemos ter como parâmetro a história das ideias, espaço compartimentalizado e pluralizado metodologicamente; idéia que não constitui uma esfera distinta e separada da existência social, as quais são unidades estruturais da história. No século XX a historiografia das “ideias” diversificou-se bastante, funcionando como orientador temporal de acesso às questões e debates e abordagens a modelos e métodos propostos, a história das ideias cede lugar a história sociocultural; os historiadores abandonam as velhas questões tradicionais e partem em busca de “longos períodos” e para isto inventam novos métodos e instrumentos.
Juntamente com a construção da história social, não podemos deixar de lado o processo de formulação da história das religiões, dotada de objetivos e métodos próprios. Estruturando como disciplina a etnologia conseguindo ganhar reforços poderosos de discussão positivista e evolucionista para a analise do sistema religioso.
O estudo do papel social das religiões nos apresenta as crenças e práticas que beneficiaram a constituição de um novo campo do conhecimento, tornando-se uma disciplina autônoma, na medida em que categoria social e sociedade tornavam papel privilegiado de estudo, entre eles a religião é considerada um campo mais objetivo e sistemático.
O termo religião se estruturou num contexto de lentas e definitivas laicizações, conhecendo vários significados, de diversos autores, que promoveram o método comparativo entre sagrado e profano, sociologia e antropologia, abrindo caminhos importantes para uma proposta, mas adequados à abordagem historiográfica; conjugando o desenvolvimento e a vivência de crenças religiosas um estudo rico e complexo, passando pela produção no campo da mentalidade, demonstrando ser um campo fértil para a continua reflexão metodológica e futura investigação historiográfica. Ao fazer um balanço geral da historiografia, podemos identificar com nitidez dois grandes paradigmas:
O iluminismo e o pós-modernismo, ou seja, na Nova História existe uma confusão entre sujeito e objeto, resultado da crença de observar e investigar parte integrante daquilo que se estuda. Tratando do predomínio de um processo hermenêutico de interpretação dos microrrecortes, de estudo de pequenos grupos; que leva ao declínio o “paradigma iluminista” como no caso da história das mentalidades, assim chamada Nova História.
O estudo dos aspectos culturais aparece, como uma análise de conflitos; vertentes que se apóiam em métodos estáticos para classificar, as estruturas domiciliares, ora voltando para a sociabilidade e sentimentos, domésticos cruzando com a história do cotidiano e da vida privada.
Em suma, os caminhos e descaminhos da história, enfrentam com serenidade as diferenças de opiniões e opção teóricas buscando o equilíbrio dos problemas a serem investigados.
CAPÍTULO I
1. O MEDO DE MORRER QUE SE ENGENDRA NO CENTRO DA HISTÓRIA DO HOMEM
1.1 Os Paradigmas da História e o Medo de Morrer
Percorrendo de forma pontual as diversas correntes historiográficas, o ofício de historiador já passou por diferentes fases onde alguns aspectos como, por exemplo, os objetos de pesquisa e fontes foram ou não por vezes privilegiados ou por vezes desconsiderados.
Para compreendermos o medo de morrer dentro da concepção histórica é preciso promover um estudo que analisa as estruturas que fundamenta a “sociedade humana” como: cultura, civilização, mentalidade, religiosidade.
Podemos notar que o duplo conceito de cultura e civilização, surgiu no século XVIII, empregado por filósofos franceses e alemães, para se referir ao processo material e mental da humanidade. Na vertente francesa, civilização seria a alta cultura caracterizada pela urbanização, a escrita, o estado, a divisão do trabalho, a diferença de status entre indivíduos e grupos. A civilização era vista de forma superior à cultura. Para os alemães cultura era habitualmente, os costumes específicos de sociedades, que sofriam mudanças lentas em oposição á civilização, definida como urbana, cosmopolita e rápida em suas transformações. (CARDOSO, VAINFAS 1997)
A posição básica da perspectiva entre as visões francesas e alemãs dificultam o entendimento de correntes paramarxistas, conhecida como escola de Frankfurt (1968 – 1989) onde ocorreu o deslocamento de paradigmas nas áreas das ciências humanas e sociais; mudanças que afetam a história, promovendo a formulação de uma nova história, que tem como ambição a diversidade dos objetos e a alteridade cultural. Assim a disciplina histórica é apresentada hoje a partir de oposições entre paradigmas polares chamados de “modernos” ou iluministas filiado ao marxista e ao grupo dos Annales que foram influentes e prestigiados no período de 1929 a 1989.
A visão marxista foi sintetizada por Adam Schaff (1991) que afirma a realidade social como algo mutável, onde seus fatores sofrem mudanças. A preocupação dos marxistas transcende as esferas humanas, naturais e historiográficas; aparecendo ambas em um movimento dialético vinculado um ao outro. A principal contradição dialética entre o homem e natureza, se relaciona no desenvolvimento das forças produtivas; a partir da análise integrada dessas contradições é que surgem os conceitos históricos como modo de produção, formação econômica, sociedade, classes sociais.
Dentro do estudo sobre os paradigmas da história notamos uma compatibilidade entre os marxistas e os ideais dos grupos dos Annales e dos inúmeros seguidores da chamada escola de Frankfur. Tal compatibilidade se relaciona com a inclinação teórica dos historiadores pelas mudanças sociais e a ausência da preocupação com o individuo, devido à obsessão pelo que é estrutural e transindividual, sendo insuficientes suas indicações acerca da noção de poder. No caso dos Annales se relaciona com a polêmica contra uma história tradicional de corte político militar; levantando discussões e críticas em relação à ciência e sua objetividade, implicando ao mesmo tempo ao idealismo e ao materialismo, fatos os quais mesmo com a ausência da solução de problemas não deixaram de citar teorias, ideologias e utopias.
O paradigma pós-modernista revela resultado de trajetória pessoal de intelectuais na década de 1970, revolucionários desiludidos, muitos abandonavam a crença na possibilidade de uma transformação global; partindo para movimentos de luta ou reivindicação, desembocando por fim no neoconservadorismo ou neoliberalismo, processo que se desenvolveu no Ocidente.
Os pós-modernistas costumam ser retóricos em seus argumentos, promovendo afirmações em sua apresentação como se fossem autovidentes não demonstrando um conhecimento teórico, isto ocorre pela falta de estrutura teórica e metodológica. Podemos apontar as deficiências centrais no pensamento históricos pós-moderno, ou seja, na nova história o foco principal de estudo está relacionado com o cotidiano, voltado às questões da microhistória; abandonando os instrumentos críticos da razão, na tentativa de buscar novos significados para sua objetividade, sendo condenados à dispersão e a irrelevância, ficando visivelmente a critica á história em migalhas. (CARDOSO, VAINFAS 1997)
Alguns dos aspectos da Nova História vieram para ficar, entre eles a ampliações dos objetos, as estratégias de pesquisa e de reivindicação dos indivíduos, tornando possível a legitimação da história. Nesse sentido, o medo da morte entra como objeto de análise legítimo do historiador.
No decorrer da pesquisa sobre o medo da morte, a pluralidade disciplinar é evidenciada; as ideias se mantém vivas, uma disciplina que tem como objeto o estudo da história das ideias que teve que enfrentar como adversário a tradição marxista e a historiografia francesa dos Annales.
Mas boa parte dos historiadores prefere hoje denominar como história, algo que de forma essencial ajuda o homem a pensar em uma história que até pouco tempo não constituía um campo e sim o objeto de estudo de alguns departamentos da filosofia.
As ideias propõem uma representação mental de um objeto ou fato, enfocando uma problemática complexa, observando a intertextualidade e a contextualização, desempenhando diversas funções, mesmo assim observa-se que os historiadores mantêm uma relação precária com as ideias; utilizando constantemente uma gama de categorias, conceitos e noções; remetendo ao senso comum, teórico e especifico.
É importante deixar claro que as ideias tiveram papel decisivo na história, não se tratando ainda de uma história das ideias e sim uma história geral das civilizações relacionada ao conceito de cultura; mas não existe recorte das “ideias” enquanto objeto particular historiográfico. Pois a historiografia do século XIX desenvolveu segundo percursos metodológicos: a perspectiva discursiva, explicativa, compreensiva e historicista.
A historiografia se divide em dois períodos: o primeiro, no começo do século XVIII até mais ou menos 1870, caracterizado pela oposição entre romantismo, em relação à crítica dos iluministas e dos positivismos como base no pensamento iluminista. Na segunda parte do começo do século XX, por volta de 1976, ocorre a fusão entre os ideais românticos e a concepção positivista, compartilhando de um grau diverso de formas variadas de modelos e de reflexões. (CARDOSO, VAINFAS, 1997)
Percebe-se que a ideia se relaciona com a realidade real, histórica, única e singular; assim podemos compreender o sentido da famosa frase de Ranke (1795) “A tarefa do historiador é expor aquilo que realmente aconteceu”. As ideias não é algo acrescentado na história ao contrário é algo que aparece na conexão natural das coisas.
No espaço historiográfico desse “positivismo” metodológico a compartimentalização disciplinar deslocou e pluralizou a história das idéias. Idéias que não constitui uma esfera distinta e separada da existência social, as quais são unidades estruturais da historia. A história do medo encontra aqui seu local específico de abordagem. E por meio da análise de conjunto de idéias e das representações que será analisado o medo de morrer, pontuando as estruturas sociais o contexto, por exemplo, a questão do medo da morte que circunda a história da humanidade.
No século XX a história das “idéias” diversificou-se bastante, funcionando como orientadorada temporal de acesso às questões em debate e abordagens a modelos e métodos propostos.
A crítica antipositivista não era necessariamente “irracionalista” não sendo a razão que se rejeitava mais sim certo tipo ou concepção da razão iluminista.
Bloch e Febvre (1920) citados por Ronaldo Vainfas (1997) “inauguram o estudo das mentalidades, delas fazendo um legítimo objeto de investigação histórica. Mas, não foram eles os primeiros a se dedicarem aos estudos dos sentimentos, crenças, e costumes na historiografia ocidental.” (VAINFAS, 1997, pp. 131 -3)
A problematização braudeliana do tempo longo é de importância crucial com relação ao assunto a respeito da mentalidade. Ao analisar a noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e das ideias ocorre a amplitude dos campos de tendências do tipo de objeto abordado. Logo, deve-se pensar na investigação e a problematização de tal processo que se dirigi ao processo coletivo dos grupos sociais; em uma dialética de longa duração. (BRAUDEL, 1984)
Numa visão coletiva, seria errôneo falar em uma história das mentalidades homogênea e unificada, seja quanto a seus pressupostos teóricos e metodológicos. Cabe, portanto falar das divisões das mentalidades, em particularidades que se divide em uma história das mentalidades herdeira das tradições dos Annales, e outra que seria a história assumidamente marxista, preocupada com a relação de conceitos e ideologias, portanto a história das mentalidades esta sim, descompromissada em discutir teoricamente os objetos; se preocupando unicamente com a dedicação em descrever e narrar épocas ou episódios do passado, uma história cética quanto à validez da explicação e da própria distinção entre a narrativa literária e a narrativa histórica.
Conforme Marc Bloch (1930) aplicar o método comparativo no quadro das ciências humanas, consiste em buscar e explicar as semelhanças e as diferenças que apresenta duas serie de naturezas análogas, tomadas de meios sociais distintos, uma serie de instrumentos capazes de transformar a história em uma ciência, que permitirem a passagem da descrição para explicação dos processos históricos.
No concerne da interpretação coletiva é importante definir os critérios conceituais coerentes, sem cometer anacronismos, sobretudo em se tratando de sociedades bem diversas ou muito afastadas no tempo.
Analisar o medo revela um problema que consiste em determinar o nível, as estruturas do objeto que permita uma profunda assimilação da realidade única e singular do medo em meio à hegemonia cultural.
Todavia é visto que as relações dos homens com a morte são sistematizadas conforme o ideal coletivo ou individual.
“Podemos assim afirmar que a história da morte se desenvolve em um processo coletivo e de longa duração que faz explodir os quadros de manifestações onde se expressa o imaginário coletivo.” (DELUMEAU, 1989, pp. 22-4) Neste discurso sobre a morte em meio a historiografia podemos realizar uma análise indireta dos rituais e gestos, que possibilita a percepção da evolução da memória coletiva com relação à representação do medo da morte e da pós-morte no decorrer da história da humanidade.
Segunda o autor Michel Vovelle (1991) “a história da morte continua uma história convulsiva, balançada por golpes brutais onde se cria uma série de sentimentos negativos como surtos de mortes coletivas, medo, dor, sofrimento.” (VOVELLE, 1991, p. 136)
O medo da morte constitui propriamente dito uma ligação com a história social, trazendo consigo uma complexidade com múltiplos valores específicos um processo que se formulou a partir da experiência dos indivíduos. Ideologicamente podemos notar que a morte envolve um conjunto de representações e formas, incluindo também as práticas, normas e comportamentos conscientes ou inconscientes.
Assim, fica claro que o estudo empírico da morte, se afirma em uma aventura mental individual ou coletiva que busca respostas nos ritos, contextos, representações e causalidades.
1.2 O PODER DA MEMÓRIA NA CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DO MEDO DA MORTE
Na forma pragmática do entendimento, o conceito de coletividade se relaciona com categorias ou maneiras próprias de liberdade do espírito humano, que se expressa através dos múltiplos fatores que evidência o drama do medo no decorrer da história do homem, onde as normas sociais e culturais visavam o equilíbrio do homem em meio às dicotomias existenciais.
Posso ainda utilizar-me da afirmação de Paul Veyne (1982) que deixa claro que a história é um conjunto descontinuo, formado por domínios, de variadas épocas e com inúmeros caracteres de eventos diferenciados. Possibilitando dar rumos à história enquanto campo do conhecimento que vinculam a história vivida cuja escrita é sem dúvida, opção mais complexa onde o homem tenta assegurar o tempo que passa e fluí permanentemente num devir constante, cujas explicações reais escapam através das falhas da memória.
Todavia não podemos perder de vista as permanências da história que prosseguem por muito tempo, a hegemonia positivista, que no fundo trata-se do antagonismo entre os idealismos. A história das ideias cede lugar a história sociocultural; o mesmo ocorrendo com a história das mentalidades; os historiadores abandonam as velhas questões tradicionais e partem em busca de “longos períodos” e para isto inventam novos métodos e instrumentos.
Foucault (1986) pensa em uma história econômica e social, quantitativa “novidade” que encanta ou irrita os historiadores das idéias; pois ocorreu uma rejeição das cadeias evolutivas das “visões de mundo” e outras noções típicas da história tradicional. Os historiadores pretendem ver cada idéia ou cada pensador em um “microcosmo” no qual se articula passado e presente numa estrutura especifica, preservando o eixo temporal das relações históricas, promovendo a conexão dos objetivos comuns aos historiadores dos diversos grupos.
A noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e das idéias abrange um vasto campo de tendência definida em função aos métodos utilizados ou do tipo de objeto abordado.
A compartimentalização tende a não computar as histórias das idéias, produzidas pelos colegas de outras áreas das ciências humanas e sociais, não deixando de lado a produção dos não historiadores.
“Voltando ao termo cultura, devemos fazer um diálogo com a cristandade, pois a religião cristã é supostamente superior, as outras sociedades, pois sua ideologia é formada na Idade Média, onde os limites da cristandade eram os limites humanos; um movimento de lutas entre humanos, cristãos e pagões.” (VAINFAS, 1997, pp. 145-9)
A abertura a alteridade está totalmente envolvida com a nova forma de se fazer história, pois o “outro”, o “diferente” começa a fazer parte da história como sujeito, ou seja, objeto de discussão da disciplina histórica.
A descoberta do outro, foi sem dúvida um acontecimento surpreendente na história do homem, fundando um movimento interno, ocorrido na Europa Ocidental, decorrente da desagregação do feudalismo, que expõe o individuo ao meio de produção. Fundando a sociedade moderna e ao mesmo tempo, abrindo portas para venda da força de trabalho e da escravização do individuo ao capital, libertando também as estruturas e valores familiares tradicionais, autocentrados e limitadores do exercício de vontades individuais e coletivas.
Segundo Delumeau(1989) a descoberta de si e do outro, permite a existência de aceitação das diferenças em conjuntos do desenvolvimento da sociedade capitalista que se torna individualista quebrando as rupturas e padrões sociais; perceber-se que os povos considerados até então irracionais e não cristãos, também eram dotados de virtudes.
Lévi Strauss (1976) chama de primitivo a ciência moderna onde o universo é objeto do pensamento. Strauss sustenta a diferença entre o grupo étnico, que no lugar da raça surge como elemento definidor da identidade de grupos humanos, ocorrendo uma interação e interferência entre duas ou mais tradições culturais, pois é inegável o efeito cultural que oferece no decorrer do contato. Tal dinâmica das sociedades contribui também para um processo de trocas culturais.
Entretanto é visível que o contato com outro foi de extrema importância para formulação do medo da morte ao longo dos séculos. A concepção do medo é algo que o homem desenvolveu como uma capacidade construída culturalmente, ideal que partiu de uma construção do mundo material.
O idealismo construído sobre o medo é uma ideia cujo produto é definido no mundo material, porém o materialismo se divide em vários campos, e um dos principais é a alienação, algo visível na história do homem, pois as sociedades ligam o medo de morrer com a vida. Processo de alienação do medo que se constituía no mundo dos vivos. (ÁRIES, 1990)
“Não podemos deixar de citar a religião como um os fatores de grande importância na Idade Média, pois ela mantinha as pessoas alienadas ao medo que naturalmente é algo normal.” (ÁRIES, 1990, pp. 55-8)
Juntamente com a configuração da sociedade, não podemos deixar de lado, o processo de configuração da história das religiões, dotada de objeto e metodologias próprias. Vista de um ponto eurocêntrico, a busca da origem e da evolução da religião é algo singular, pois a característica original da criação religiosa passa do politeísmo ao monoteísmo.
O estudo do papel social das religiões mostra que as crenças e as práticas, beneficiaram a constituição de um novo campo do conhecimento, tornando-se uma disciplina autônoma, na medida em que categorias sociais e sociedade tornavam papel privilegiado do estudo.
Um estudo mais objetivo e sistemático das diversas formas de ritos e práticas religiosas que possibilita a compreensão mais abrangente das práticas individuais e coletivas com relação ao medo de morrer
Emile Durkhein (1895) é um dos primeiros que faz o esboço teórico – metodológico para a análise do sistema religioso, adotando preceitos evolucionistas, na elaboração de um modelo imutável, imune ao tempo e a história; mas não resta dúvida de que seria Marx Weber (1905) o aplicador do método de análise que ele denomina sociologia; cujo objetivo é construir conceitos. “Ficando claro a procura dos fundamentos metodológicos da sociologia religiosa, através da análise de tipos de comunidades religiosas.” (DURKHEIN, 1917, pp. 61-3)
Weber (1905) pouco acrescentou a reflexão sobre o papel da religião na vida social, um contraposto em relação à reflexão de Marx e Engels, que aponta o estudo das religiões entrelaçando a luta de classe, percebendo a religião como a ilusão destinada a mascarar e a justificar a desigualdade entre as classes sociais, cuja origem tinha base eminentemente econômica. Weber, Marx e Engels pouco contribuíram para a valorização da história das religiões como objeto de investigação; mas com a estruturação e sistematização disciplinar, constituíram a sociologia religiosa, que ganhou corpo a partir do século XIX, organizando a “ciência das religiões de um lado e a essência da vida e do homem religioso do outro.” (WEBER, 1920, pp. 70-2)
O termo religião se estruturou num contexto de lentas e definitivas laicizações, conhecendo por vários significados de diversos autores que promoveram o método comparativista entre sagrado e profano, sociologia e antropologia.
Abrindo caminhos importantes para uma proposta mais adequada abordagem historiográfica, conjugando o desenvolvimento e a vivência de crenças religiosas a uma conjuntura histórica bem delineada e problematizante. Caminhando para um estudo rico e complexo, passando pela produção no campo das mentalidades e da história cultural, irrigando a história das religiões e da religiosidade, demonstrando ser um campo fértil para continuar a reflexão metodológica e futura investigação historiográfica.
Ao fazer um balanço geral da historiografia conseguiremos identificar com nitidez dois grandes paradigmas, o iluminismo e o pós-modermisno, que com a nova história surtiu uma confusão entre sujeito e objeto, resultado da crença de observar e investigar parte integrante daquilo que se estuda. Tratando do predomínio de um processo hermenêutico de interpretação, partidário das microcorrentes, do estudo de pequenos grupos; que leva ao declínio o “paradigma iluminista” como no caso da história econômica, história social e história das mentalidades, assim chamada pela Nova História.
“O estudo da morte revela de forma explicita a contribuição da memória, em diversas formas que engloba todas as comemorações ritualísticas dos defuntos, como procissões funerárias, aniversários dos mortos, celebração litúrgica dos mortos; fosse ele um morto comum ou um morto especial, ou seja, um “santo”.” (DELUMEAU, 1989, pp. 31-7)
Em meio à construção das diversas sociedades e da vida dos homens a memória não pode ser resumida, pois ela nos permite reviver o passado. Na tradição neoplatônica de Santo Agostinho (1990) a memória era a primeira faculdade mental, um reflexo da trindade divina. A memória para ele representa a maior faculdade intelectual e a chave da relação entre Deus e o homem.
Por ventura, a memória psicológica é um elemento da “trindade”, sendo sagrado o amor que provém da memória e corresponde a segunda pessoa, o filho, o gerado pelo Pai, sendo que é o amor que liga as duas partes juntamente com o espírito santo. (AGOSTINHO, 1990, pp. 320-9)
Estas analogias monásticas continuam exercendo grande influência durante a Idade Média. No entanto, a memória ocupa um lugar central na cognição humana, mas de maneira diferenciada entre os indivíduos ao longo dos séculos.
Mas quando falamos em faculdades mentais não podemos deixar de destacar as faculdades da alma, sendo uma delas a memória, cujo papel é de englobar as múltiplas questões com relação à imortalidade do individuo e sua responsabilidade que em meio as complexidade acaba-se confrontando com um dos aspectos fundamentais da memória o esquecimento que é atribuído ao homem por diferentes razões que se define ao meio. (AGOSTINHO, 1990, pp. 280-8)
Notavelmente, a memória desempenha o papel de construção do medo da morte, algo transmitido através do cristianismo e da sua injunção eucarística, que tem relação conceitual de divino e de pecado; ideais que predominaram o “mundo” do homem, mas em todo caso, a razão mostra que o passado não conserva por si próprio, mas se constrói e se organiza pelos indivíduos que pretendiam seguir seus reis, que muitas das vezes se intitulava “guardiões” das lembranças ou das tradições dos ancestrais, um processo fundamental para a transmissão de informações e práticas; porém precursora de inúmeras limitações geradas pelo medo de morrer.
Sendo assim, o homem se encontrava “submisso aos dogmas e práticas religiosas”, (ideais transferidos graças a memória), que torna severos os sistemas em geral, declarando que o princípio está sujeito à lei universal de toda a vida, onde o homem deve passar, assim como todos os povos e religiões, pela essência da purificação da morte.
“Morrer é um mal tão grande, mas graças à morte, o homem renascia no que há de melhor.” (MICHELET, 1992, pp. 61-8)
Dando relevância aos comportamentos diante do medo que o homem tem da morte; a memória do individuo depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esses indivíduos e a própria sociedade.
A memória tem o poder de fundamentar as tradições de uma cultura, como produto social que liga a reprodução da sociedade organizada e que reproduz constantemente as repetições, ou seja, o caráter é de unificação, representado de forma simbólica nas festas cívicas ou populares, nos ritos religiosos ou nos rituais de passagem da vida para a morte.
CAPÍTULO II
2. COMPORTAMENTOS PSICOLÓGICOS E HISTÓRICO-CULTURAIS PERANTE A MORTE
2.1 O Poder da Memória na Construção e Desconstrução do Medo da Morte
Ao estudar paradigmas como o medo da morte, deparei com a memória a qual possui conceitos cruciais; ela surge nas ciências humanas. A memória como propriedade de conservação, retém em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas; graças às quais o homem pode utilizar impressões ou informações do passado.
Memória é uma palavra que veio do latim; memória em primeiro lugar é algo que não está em lugar algum, porque ocupa e preenche todos os lugares. (GUARINELLO, 1993, pp. 180-2)
A memória também pode ser entendida como uma reflexão sobre o passado, um debruçar sobre os vestígios; como afirma Henri Bergson (1994) a lembrança é a sobrevivência do passado. O passado conserva o espírito de cada ser humano, aflorando a consciência na forma de imagens lembradas. A sua forma pura seria a imagem presente nos sonhos e nos devaneios de uma memória construída.
Sendo ela uma forma de ação representativa. É no fundo um jogo dos sentidos possíveis nos quadros, mais ou menos indefinidos do tempo.
Porém não podemos considerá-la somente uma eterna repetição do mesmo, do idêntico a si. Ela é ação reflexiva, uma inquisição proposta ao tempo; ela pode ser a afirmação do próprio tempo, de sua eficácia transformadora. É uma reflexão sobre as mudanças na historiografia.
O conceito de memória por si só já é seletiva, ocorrendo um subjetivismo dos fatos; onde grande parte da historiografia é construída por um pequeno segmento de memória coletiva, um segmento que acaba se enquadrando em uma esfera de atuação e influência social relativamente limitada.
A produção historiográfica é um conjunto de pequenos segmentos da memória coletiva, o vinculo entre memória coletiva e história cientifica. O vínculo construído tem relação positiva, pois enriquece as representações possíveis da memória coletiva. Mas também pode ser vista sobre um ângulo negativo, porque a história cientifica se volta regularmente contra as representações produzidas pela memória “espontânea” da sociedade.
A memória coletiva é deste modo, um meio fundamental da vida social, uma das dimensões da ação coletiva e um vínculo de poder. Le Goff (1984) citado por Bergson (1994) afirma que a memória coletiva foi um importante elemento da luta das forças sociais pelo poder. A memória não é, portanto, um espaço homogêneo. No proceder da história, a história cientifica é o conjunto de produção social da memória que é analisada através de vertentes da historiografia contemporânea, que procura pensar tal relação; propagando uma total cisão entre memória e história, uma fusão completa das sociedades contemporâneas.
Contrariamente a memória coletiva foi proposta um jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Sendo notado uma grande preocupação em se transformar em senhores da memória e do esquecimento; algo de grande preocupação das classes, dos grupos e dos indivíduos que dominavam as sociedades ocidentais. No entanto os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores através dos mecanismos de manipulação da memória coletiva.
A memória é um instrumento de grande valor ao qual possibilitada percebermos, os grandes medos do Ocidente Médio. No entanto com a construção cientifica é visível às fraquezas da memória, com os esquecimentos forçados pelo acaso da preservação.
Os conflitos e imagens criadas na Idade Média a respeito da morte levam os indivíduos a um nível metafórico de perturbação, na perca de indivíduos de forma voluntária ou involuntária, a memória coletiva se determinava por uma perturbação de identidade coletiva, onde ambos alimentavam do medo e da dor, os quais pouco tinham a esperança de um “novo amanhã”.
Por essas vias, Halbwachs (1984) amarra a memória individual e a memória dos grupos. No entanto a memória é uma tradição coletiva que envolve toda uma sociedade, onde as convenções verbais são propriamente ditas, a forma de produção de uma sociedade que constitui o quadro ao mesmo tempo mais elementar e mais estável da memória coletiva.
Sobre os estudos da morte, podemos ver a contribuição da memória, em diversas formas que engloba todas as comemorações ritualísticas dos defuntos, como procissões funerárias, aniversários dos mortos, celebração litúrgica dos mortos; fosse ele um morto comum ou um morto especial, ou seja, um “santo”. (DELUMEAU, 1989)
O poder da memória não se limita na comemoração dos defuntos, elas os tornam presentes através de palavras como o nome.
Sob diversas formas a memória é fundamental para compreendermos os medos das sociedades humanas, pois é possível abordarmos inúmeros sentidos de uma memória que transmitia aos indivíduos as práticas e formas de rituais litúrgicos.
A memória para Santo Agostinho (1990) representa a maior faculdade intelectual e a chave da relação entre Deus e o homem.
Estas analogias monásticas continuam exercendo grande influência durante a Idade Média, no entanto a memória ocupa um lugar central na cognição humana, mas de maneira diferenciada entre os indivíduos.
Mas quando falamos em faculdades não podemos deixar de destacar as faculdades da alma, sendo uma delas a memória, cujo papel é de englobar as múltiplas questões com relação à imortalidade do individuo e sua responsabilidade que em meio as complexidade acaba-se confrontando com um dos aspectos fundamentais da memória o esquecimento que é atribuído ao homem por diferentes razões que se define ao meio. (AGOSTINHO, 1990)
Notavelmente a memória desempenha o papel de construção do medo da morte, algo transmitido através da cultura, do cristianismo e da sua injunção eucarística, que tem relação dicotômica entre sagrado e profano; ideais que predominaram a existencial humana.
Diante dos comportamentos que homem tem perante a morte, podemos entender que suas reações com relação ao medo de morre pode ocorrer vários, dependendo do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim com os grupos de convívio e os grupos de referencia peculiares a esses indivíduos e a própria sociedade.
A memória tem o poder de fundamentar as tradições de uma cultura, como produto social que liga a reprodução da sociedade organizada e que reproduz constantemente as repetições, ou seja, o caráter de unificação, representado de forma simbólica nas festas cívicas ou populares, nos ritos religiosos ou nos rituais de passagem da vida para a morte.
2.2 O Homem e o Estudo da Morte
“É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, é na morte que o homem se revela. É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental.” (MORIN, 1988 pp. 20-2)
O historiador David Stannard (1941) nos ensina que em sociedades nas quais o indivíduo é único, importante, e irreplicável, a morte não é ignorada, mas é marcada por uma espécie de luto coletivo pela perda social de um de seus membros. Ao contrário, nas sociedades onde as pessoas sentem que pouco dano é causado no tecido social pela perda de um indivíduo, perda essa ocorrida fora do seu círculo imediato, a morte recebe pouca ou nenhuma atenção.
O primeiro passo para obter atenção sobre a morte é reconhecer que evitando-a ou negando-a estamos caminhando para a negação de um aspecto integral da vida humana.
O estudo da morte é algo que está enraizado no centro da vida humana. Mesmo fazendo parte da vida humana, a morte permanece no terreno do desconhecido, para desvendar os seus mistérios é preciso morrer. O estudo da morte nos leva a uma jornada ao interior do eu e dos medos que nos formulam seres humanos, o mesmo só é possível fazê-lo de maneira interdisciplinar. Sendo utilizado a medicina, das ciências humanas e das ciências sociais para analisar a ciência da morte.
De todas as experiências humanas, a morte continua um mistério deslindável. O desconhecido é temido e todos os seres humanos se preocupam com a sobrevivência pós-morte.
Até hoje não se chegou a um consenso nem das religiões, nem dos sistemas filosóficos, nem das ciências a respeito do que é a morte e se sobrevivemos ou não a ela. A morte permanece uma figura sombria cuja presença é só levemente percebida.
“Não é fácil lidar com a morte, mas ela espera por todos nós... Deixar de pensar na morte não a retarda ou evita. Pensar na morte pode nos ajudar a aceitá-la e a perceber que ela é uma experiência tão importante e valiosa quanto qualquer outra.” (ARIÈS, 2003 pp. 20-3).
2.3 O medo da Morte na Pré-História e na Idade Antiga
A morte é uma experiência humana universal. A morte é mais do que eventos biológicos; eles têm uma dimensão religiosa, social, filosófica, antropológica, espiritual e pedagógica.
“O medo da morte antecede ao período da história escrita. Arqueólogos encontraram evidências de tributo aos mortos com flores em locais de enterro datados da idade de bronze.” (DeSpelder, 2002 pp. 42-4) “Em locais de enterro, ainda mais antigos, como da época dos Neandertais, que começaram a habitar a Europa há aproximadamente 150.000 anos, aparecem ornamentos de concha, implementos de pedra e comida, enterrados junto com o morto, implicando em uma crença que tais itens seriam úteis na passagem da terra dos vivos para a terra dos mortos.” (DeSpelder, 2002 p.42)
Edgar Morin (1976, p.103) nos relata qual era o fundo do pensamento do homem primitivo com relação ao conceito de morte:
“Nas consciências arcaicas em que as experiências elementares do mundo são as das metamorfoses, das desaparições e das reaparições, das transmutações, toda morte anuncia um renascimento, todo nascimento provém de uma morte - e o ciclo da vida humana inscreve-se nos ciclos naturais de morte-renascimento. O conceito primitivo da morte é o da morte-renascimento, para o qual o morto humano, imediatamente a seguir ou mais tarde, renasce num novo vivo, criança ou animal.”
Todas as sociedades desenvolveram um ou mais sistemas fúnebres pelos quais podiam entender a morte em seus aspectos pessoais e sociais, pautando a construção de explicações através dos mitos.
Os egípcios da Antiguidade desenvolveram representações explícitas destes sistemas fúnebres: pirâmides, tumbas, múmias, objetos mortuários, escritos funerários e o Livro dos Mortos todos testemunham um otimismo fundamental perante a morte. A morte era uma questão central na cultura egípcia. A preocupação com a morte se refletia na arte, na religião e nas ciências dessa cultura.
Ao longo da formação da história da humanidade observamos com que a morte, antes considerada um fenômeno natural e aceita sem apreensões e medos, passou a ser temida devido a sua associação com o profano. No parágrafo anterior notamos que os egípcios davam grande importância à sobrevivência do corpo, disseminando a esperança da vida mesmo pós-morte.
A mitologia grega também nos legou ensinamentos sobre a preocupação com a morte através dos escritos de Esopo sobre Eros e Psique, Hipnos e Tanatos, epresentando, respectivamente, o amor e a alma, o sono (uma espécie de morte) e a morte. Além disso, os gregos idealizaram uma região além-túmulo, denominada Hades, local onde habitavam os mortos e que se conseguia chegar através de Caronte, o barqueiro encarregado de levar a alma dos mortos ao seu destino. Caronte cobrava pelos seus serviços e por isso observamos o costume de enterrar os mortos, naquela cultura, com uma moeda na boca.
Segundo Sócrates (2004) o significado da vida em relação à morte e entender a natureza da alma, sendo o filósofo verdadeiro o que praticava a arte do morrer o tempo inteiro. Para ele, o medo da morte devia-se ao fato de que ninguém saberia exatamente o que aconteceria no momento da morte.
“Sem a convicção de que vou me encontrar primeiramente junto de outros deuses, sábios, e bons, e depois de homens mortos que valem mais do que os daqui, eu cometeria um grande erro não me irritando contra a morte.” (SÓCRATES IN PLATÃO, 2004 p. 25).
Não podemos deixar de apontar na Idade Antiga a história da transgressão de Adão e Eva no jardim do Paraíso como origem da morte e que persiste, até hoje, nas tradições religiosas do Judaísmo, Islamismo e Cristianismo. O casal praticar um ato de desobediência à divindade é punido com a morte, ou seja, morremos como uma forma de punição eterna.
O fenômeno morte ao longo dos séculos sofreu influência das religiões, as coisas engendraram inúmeras representações que descrevem a morte como uma punição divina, martírio pós-morte, a perda da imortalidade e concretização do fluxo natural das coisas eternas.
2.4 A Morte e o Morrer na Idade Média
A morte é uma certeza irrefutável, uma verdade universal, comum a toda a humanidade. O ciclo da existência acaba por igualar todos na morte, seja qual for o sexo, a condição social, o tempo histórico. O finito é irremediável para todos, como foi indispensável o nascimento.
A inquietude a respeito da morte foi sempre objeto de grande reflexão do homem, na incerteza do que haveria para além dela. Esta herança milenar sofreu um rude golpe com a modernidade. A sociedade ocidental atual, cada vez mais tentada a prolongar a vida, vai se distanciando da morte, não pensando nela, e procura esquecê-la. Com o acentuar do laicismo, afirma-se cada vez mais que após a morte nada há mais, o que modifica o comportamento humano e incentiva cada vez mais a viver a vida, a gozar dos prazeres dos sentidos corporais. (DELUMEAU, 1989)
Ao trabalhar a morte como fenômeno físico e mental, ajuda-nos a elaborar ideias sobre a finitude humana, provocando certo desconforto, pois damos de cara com essa mesma finitude, o inevitável, a certeza de que um dia a vida chega ao fim.
O tema morte não é uma discussão atual; pois foram muitos os filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos e psicólogos que discutiram o assunto no decorrer da história.
Com o distanciamento do homem em relação a morte, cria-se um tabu, como se fosse desaconselhável ou proibido falar sobre este tema.
Philippe Áries (1990) aponta que nós aprendemos na nossa cultura, evitar a dor, e a perda fugindo da morte criando lacunas onde pensamos estar fugindo dela, deixando de crer na nossa própria morte.
É possível abordar a relação do homem com a morte em vários aspectos: o biológico, o jurídico, o econômico, o social etc. Na obra, o homem diante da morte, de Philippe Áries (1990) podemos perceber o processo de domesticação da morte; ou seja, uma forma de viver com tal fenômeno como algo natural; nascido por ocasiões do trauma primitivo diante do fato inelutável da morte até a incorporação desta na vida humana.
Portanto, podemos notar que o medo é a resposta mais comum diante da morte. O medo de morrer é algo coletivo e universal, na Idade Média todos os seres humanos, independentes da idade, sexo, nível socioeconômico e religioso a temia. A morte era algo que os espreitavam, os obrigando a usar mecanismos de defesa, os quais se expressam através de fantasias inconscientes sobre a morte.
A postura do homem perante a morte nem sempre foi assim, muito em especial na Idade Média. Com o advento da religião cristã, ao princípio influenciado pelo neoplatonismo de Santo Agostinho (1990), o mundo sensível era apenas considerado uma sombra, um caminho para se passar do sensível ao inteligível, da sombra para a luz. Em vez de procurarem na Natureza o seu próprio fundamento, afirmavam que o mundo foi criado num ato de amor, e que esse amor deveria orientar os espíritos de volta para Deus, salvando-os do Inferno. Passava a ser dogmático que o Inferno e o Paraíso existiam e eram inseparáveis e eternos. (AGOSTINHO, 1990)
Ao analisar a construção historiográfica podemos perceber um homem social que utiliza de símbolos religiosos voltados para a vida espiritual, um processo do conhecimento dos mistérios da alma. Tal processo tem por objetivo uma aspiração de uma vida plena.
A morte é um dos fatores primordiais que leva a humanidade a busca constante do mistério da alma, uma perspectiva religiosa que se formula ao longo da existência; pois a alma não pode entrar no “reino dos céus” por outro caminho se não aquele determinado pela religiosidade de cada indivíduo que se conduz pela fé.
Esta alma religiosa se separa da vida cotidiana buscando fugir dos símbolos do paganismo, tratando de uma permanência na obediência de seu Deus.
Deste modo, os pensamentos negativos produzido pelo medo vão ser eliminados pelo espírito religioso que busca se tornar um ser bom, domesticado pelas regras e normas da vida social religiosa. (ÁRIES, 1990)
Tal ideia se contrapõe a duas perspectivas, uma de eliminar o medo de morrer buscando as coisas do alto, do céu, praticando a fé em um Deus e a outra se pauta da busca religiosa como um processo de preparação da alma após a morte do corpo físico. (ÁRIES, 1977)
Assim, notamos que o homem pode conseguir refrear todos os sentidos e paixões do mundo material, no entanto não poderá fugir da experiência de morrer seja ele um homem religioso ou pagão.
O homem busca negar a existência da morte, se firmando em uma figura divina construída com objetivo de levar a paz, o ensinamento e a prática de renovação da existência em um sentido plural de sociedade.
Mesmo o homem mostrando controle sobre o mundo a sua volta, tendo a inteligência de julgar tudo, e sabendo com clareza que será julgado pelo espírito de seu Deus que não promove uma distinção entre etnias ou condição social.
A inteligência do homem pauta-se em obedecer às regras que lhe foram passada como algo “justo e verdadeiro” (ÁRIES, 1990).
Deste modo, o homem tem uma visão construída a respeito da morte, algo renovado e interpretado de formas variadas, mesmo em se tratando do coletivo medieval, como afirma Santo Agostinho (1990) o homem precisa enunciar tudo por palavras materiais, um abismo do mundo concreto e a cegueira da carne. (AGOSTINHO, 1990)
Ao mesmo tempo em que crescem e multiplicam as gerações dos homens, crescem também os “números de medrosos” que utilizam de alegorias, reais que possibilitam a compreensão das práticas e normas a serem seguidas ao longo da existência formas que também podem possibilitar a libertação da alma do corpo material. Pois homem constitui uma imperfeição julgada e considerada pecaminosa perante o pensamento religioso.
O homem em sua tradição receberá traços de uma visão construída em sua sociedade como fonte de defesa e de entendimento coletivo dos indivíduos que se aliam para concretizar o voto ao seu Deus ou santo. Práticas pregadas como uma verdade, uma alegoria que pretende a misericórdia divina.
Assim, o homem se fundirá em meio ao medo, a paixão pela “verdade”, a busca do domínio da fé e da obediência a Deus. (DELUMEAU, 1990)
Contudo este homem “religioso e medroso” se equilibra na renovação, na imagem do ser divino que é construído na visão diferenciada do mundo material.
Portanto, os homens vivenciam o medo construído e transferido de outro homem como um mecanismo de defesa, ideias que tem por base o controle da sociedade, agindo como fatores que possibilitam a reflexão e entendimento do mistério do medo de morrer.
Para compreendermos a relação da vida com a morte, devemos fazer um paralelo entre sofrimento e alegria.
Não era somente os grandes momentos como o nascimento, o casamento e a morte que pela santidade do sacramento eram elevados ao nível dos mistérios, pois uma viagem, um empreendimento era igualmente rodeado por mil formalidades como as bênçãos, as cerimônias. (ÁRIES, 1977)
Assim, e visto com clarividência o contraste entre silêncio e ruído, entre a luz e as trevas, um tom de excitação que tende a produzir essa perpétua oscilação entre o desespero e a alegria, promovendo uma ligação entre crueldade e a ternura que caracteriza a vida na Idade Média. É visível o contraste entre a crueldade e a piedade transparecendo constantemente nas relações individuais e coletivas da Idade Média.
O processo de construção da mentalidade na Idade Média ocorre em meio às crenças e normas religiosas que se originava no século XV, desde o começo do “grande cisma do Ocidente”.
É perceptível na Idade Média uma representação de forma que se fixa em vestígios de infortúnio, onde os grandes males constituíam os fundamentos da história. Era comum falar constantemente a respeito das calamidades, sofrimento e da miséria, que atenuava como modo de vida que ajudava no livramento dos pecados. (ÁRIES, 1997)
Em meio à construção de uma vida que praticava normas religiosas, que interferia no comportamento pessoal e coletivo dos indivíduos que tinha por base a busca diária do “tipo ideal”. Tal busca estava presente com fortes características nas cerimônias, nos ritos do luto e do casamento; valores que se tornaram práticas culturais na vida cotidiana do mundo medieval.
Assim se expressa o homem do Ocidente, reagindo a uma sensibilidade coletiva diante da vida, sendo a morte um sentimento medieval pertencente a uma história da cultura global. A morte é um elemento ou código carregado pelo homem em suas tradições e experiências, que deve ser decifrado para a sua própria compressão. Substituir a morte pela mortalidade geral, quer dizer, o sentimento de morte, concentrada na realidade história, ficando diluída na massa inteira da vida e perdida na sua intensidade. (ÁRIES, 1990)
Mas não podemos esquecer que, mesmo a morte, tornando-se complexa e difundida na história do homem, nota-se o caráter social ou ritual, o caráter obrigatório das manifestações que pretendia originariamente expressar a dor da saudade, o dilaceramento de uma separação. E é verdade que as tendências da ritualização da morte é antiga, iniciando na Idade Média com os padres, os monges mendicantes; mais tarde, os confrades e os padres tomaram o lugar à família e os amigos em pranto no espaço privado da casa, no cortejo e na igreja; reforçado a impessoalidade os ritualismos.
Ritualizado, socializado o luto representa o desabafo, que o homem expressa que sente diante da morte e sim o impede paralisando, no entanto o luto tem o papel de uma tela entre o homem e a morte. O desejo de simplificar os ritos da morte na Idade Média era um meio de negar a existência da própria morte, portanto queriam reduzir a importância afetiva da sepultura e do luto, sendo inspirado pela humildade cristã, e rapidamente confundido com um sentimento ambíguo que homens da Idade Média chamam como os devotos de “justo desprezada vida”. “Esta atitude é cristã, mas ao mesmo tempo “natural”; pois o vazio que a morte causa no coração da vida, do amor pela vida, pelas coisas e pelos seres é devido ao sentimento da natureza humana que é influenciando pelo cristianismo”. (DELUMEAU, 1989, pp. 170-2)
O esforço para eliminar as questões profanas da vida, apelava para todas as formas de imagens sem saber distinguir com nitidez a “verdade da ilusão”.
A Igreja na Idade Média promovia uma ideia alienante sobre os homens; que afirmava na prática contemplativa uma relação que existia entre o jejum e as alucinações profanas do corpo físico. Em suma, o homem medieval buscava promover as manifestações de piedade, praticando todas as normas consideradas sagradas, inibindo as fantasias, a luxúria e “todos os desejos da carne”. (DELUMEAU, 1989, p. 284)
Ao apontar esta forte relação entre simbolismo e o realismo, notamos que foi no domínio da fé que o realismo ganhou um sentido de tendência à atribuição de traços humanos para as divindades; algo que aproximava o homem da imagem de Deus. “Todavia, o simbolismo promove uma relação profunda do espírito, as alegorias superficiais e cristalizadoras da sociedade medieval”. (DELUMEAU, 1989, p. 302)
O simbolismo, com sua construção alegórica se constituí ao longo do tempo, na Idade Média a partir de uma mentalidade que concretizava a expressão de uma ideia sob forma figurada, uma espécie de representação de um objeto para dar ideia a outro.
Posso notar que a mentalidade da Idade Média se fundamenta na fé, nas práticas normatizadas pela Igreja que sempre receou os excessos de misticismo; pois o fogo do êxtase contemplativo das coisas de Deus consumia as formas e as imagens na Idade Média, no entanto era controlada a parte mística presente nas formas, conceitos, dogmas e mesmo nos sacramentos.
No espírito da Idade Média notamos a personificação dos procedimentos, da escritura sagrada, das lendas, da história de seu povo que transferia em suas palavras a “verdadeira moral” uma espécie de códigos que deveriam ser cumpridos pelos os homens medievais.
A mentalidade da Idade Média era dominada por vivas imagens, ingênuo idealismo e fortes sentimentos, facilmente concretizados na realidade de cada conceito apresentado para o espírito.
E assim, cresce lentamente a maturidade tenebrosa de ilusão e crueldade na Idade Média. Portanto, o medo da morte é a fúria cega que persegue e obscurece a vida e a atmosfera mental do homem medieval.
Nada traz mais claramente o medo excessivo da morte sentida na Idade Média do que a própria visão de repulsa que se funda em meio a práticas fúnebres que se afeiçoam as coisas tristes.
Como tal, nesse período, o mundo era considerado um local de batalha constante contra o diabo, pela salvação da alma. A religião interfere nos elementos mentais, nas ações materiais e nos aspectos culturais, alterando e modificando o comportamento social do homem ocidental. No período medieval a morte era o grande momento de transição, das coisas passageiras para as eternas. “A morte era um rito de passagem. Era aguardada no leito de casa, onde o homem deveria ficar deitado de costas, para o seu rosto estar voltado para o céu. A morte era uma cerimônia pública, um ritual compartilhado por toda a família e amigos.” (ÁRIES, 1977, pp. 81-9)
Os medievais pressentiam a morte próxima de si, e assim tinham tempo de se preparar o seu ritual coletivo. Ninguém morria só. A morte era uma festa; momento social de maior importância. Todos deveriam acompanhar a passagem do homem para o além, incluindo as crianças. O pranto era executado exclusivamente pelas mulheres; que deveriam ficar perto do corpo, arrancando os cabelos e rasgando as vestes. Elas eram os agentes essenciais no rito funerário, pois representavam o prelúdio da mudança para um estado superior. A mulher era considera de sentimento mais afoito, mais exagerado pela sua própria natureza.
A preocupação maior na Idade Média não era com a morte, mas sim com a salvação da alma. Essa era a morte lenta nos leitos daqueles que haviam sobrevivido das doenças, da fome e das guerras.
Isto explica a preocupação dos indivíduos em praticarem a excessiva devoção que era exercida em paralelo às manifestações de piedade. Algo que se concretizava com a entrega do jejum, das vigílias excessivas e rígidas; da constante preocupação em praticar as coisas da Igreja agindo contra as tentações do demônio. (ÁRIES, 1990)
Outro ponto de grande relevância na Idade Média que não ocorreu em nenhuma outra época se atribuiu à questão do pensamento com relação à morte.
Todavia a preocupação da lembrança e o pensamento da fragilidade em si não satisfazem necessidade de exprimir com violência o arrepio causado pelo medo de morrer.
Nos fins da Idade Média a visão total da morte pode ser resumida na palavra, “medo” um significado que se formulou ao longo do período medieval. Este sentimento encarna uma visão voltada às questões horríveis e funestas.
Tal concepção da morte estava representada na arte, na literatura e na dança. Os três temas ligam e promovem uma redução do medo de morrer promovendo uma representação da morte em meio ao mundo dos vivos. (DELUMEAU, 1989)
Em suma, a fragilidade e a vaidade das coisas terrenas eram eliminadas com a dança da morte que pregava a igualdade social. (ÁRIES, 1990)
A arte de morrer estava compreendida em uma descrição da agonia da morte. O desejo de inventar uma imagem de tudo o que se relacionava com a morte deu lugar ao desprezo de todos os aspectos dela que não fossem susceptíveis de direta representação. Assim a mais crua concepção da morte, se fixa continuamente no imaginário coletivo medieval.
A visão do medo não representa as emoções de ternura e de consolação, e sim a dor pela ausência dos que morrem e constante temor da própria morte que é enfatizada como os piores males na Idade Média.
No final da Idade Média, novas formas de compreensão da morte tomaram conta dos espíritos, como, por exemplo, o macabro esqueleto com a foice, que exprimiu a profunda angústia dos tempos da Peste Negra. “Para tanto, contribuíram para essa nova espiritualidade e na concepção do além; os pregadores franciscanos e dominicanos lembravam às pessoas da corruptibilidade de todas as coisas, sendo o cadáver putrefato a imagem preferida nos sermões.” (DELUMEAU, 1989, p. 25)
A partir dessa análise do medo da morte, podemos perceber que tal ideia está associada com a dogmatização dos compostos humanos, numa época onde surge o dualismo a respeito dos túmulos e da alma, algo que começa a penetrar na sensibilidade coletiva. A dor da morte é posta em relação, não se relacionando com os sofrimentos reais da agonia, mas com a tristeza de uma amizade rompida. É possível pensar na morte, não na sua proximidade e sim durante toda a vida.
Jean Delumeau (1923) deixa claro que a vida terrestre é a preparação para a vida eterna, como os nove meses de gestação são a preparação para a vida eterna. A arte de morrer é substituída pela a arte de viver.
A vida, portanto é dominada pelo pensamento da morte, e uma morte que não é o horror físico ou moral da agonia, mas sim a ausência de vida, o vazio da vida, cuja incitação envolve a razão a não lhe apegar, existindo uma relação estreita entre bem viver e bem morrer.
A morte torna-se, nesta postura, uma meditação metafísica sobre a fragilidade da vida; pensando a morte como um meio de viver melhor, pois sempre a morte estará diante de nossos olhos. O medo do pós-morte era bastante comum, entre todos os povos, principalmente os “pecadores”, como eram considerados pela Igreja, os que não seguia as normas doutrinais; o medo do purgatório, do inferno levaria a busca de Cristo, voltando-se para as coisas do céu, expandindo a devoção por amuletos como o rosário; que usado durante a vida com certeza oferecia a boa morte e o alivio do purgatório.
Mas os efeitos da depreciação da boa morte, sobre a consideração serena da mortalidade opõem-se á Idade Média, de uma vida perseguida; que poderia ter efeitos menos favoráveis a piedade; afastando a angustia da morte física, arriscando o ser bem-sucedido, e esquecendo do sentido metafísico da mortalidade, se diferenciando da incredulidade da sociedade, passado a pensar na vida terrena, de modo que nunca se pensa em morrer.
Ao trabalhar a história da Idade Média devemos enfocar a história das mentalidades que situa se no ponto de dualismo do individual e do coletivo, do bem e do mau, do verdadeiro e do falso; um período onde a fé era algo essencial para o “bem viver e o bem morrer do homem medieval.” (ÁRIES, 1990, pp. 56-8)
O medo de morrer promovia fenômenos derivados do dualismo entre a crença na onipresença de um imaginário voltado para a construção de demônios que poderiam ser combatidos através da fé, do comprimento das normas e regras colocadas pela Igreja medieval.
Quando falamos do homem cristão na Idade Média notamos uma constante luta entre o bem e o mau, onde a alma do fiel era disputada por anjos e demônios. Em meio à pesquisa posso compreender que o Ocidente Médio se estrutura na vida terrena, mas com uma permanente preparação para a vida no “céu”. Um universo que se expressava em forma de práticas, ritos e gestos que se tornava comum entre os homens medievais.
Em suma, o homem medieval vivenciava um dualismo com relação entre conflito cósmico do bem e do mau, ocorrendo uma desvinculação da matéria, onde os monges procuram levar a prática da meditação, oração e mortificação do corpo com relação às práticas carnais, visando à libertação das coisas corporais como instrumento de retorno a Deus.
Na Idade Média isso se refletia na visão do pós-morte, um processo de fase coletiva, onde era comum a cena do juízo final, após a qual a humanidade estaria dividida em dois grupos, o dos condenados e o dos salvos. No entanto, notamos que todos os indivíduos buscavam fazer o correto, mantendo o comportamento do corpo, pois o julgamento divino considerava a atuação e a motivação individual de cada alma cristã.
Hilário Franco (1994) em sua obra A Idade Média, afirma que tal período da história é considerado a matriz da civilização ocidental cristã. Local onde os indivíduos viveram transições onde tudo se prova pela fé, se contrapondo a racionalidade, ao empirismo. Praticando a perseguição e punição dos infratores, em nome da misericórdia divina. (FRANCO, 1994)
Podemos notar que o homem medieval utilizava a sua fraqueza que tinha com base o medo da morte, a fome, o purgatório e o inferno para produzir sua força, desejo e motivação de praticar o “bem” afirmando a cada dia a fé em Deus.
Portanto, Hilário (1994), nos deixa claro que a única instituição que tornava possível a aproximação do homem com Deus era a Igreja que ensinava e ajudava o homem medieval a se manter no equilíbrio do tempo, do corpo e da preparação para a morte; um processo que se renovava a cada segundo na vida do homem medieval. (FRANCO, 1994)
“O homem na Idade Média busca a boa morte, pois temia o seu destino no além, o medo do pós-morte era algo que predominava na sociedade cristã. A boa morte significava que o fim não chegaria de surpresa para o individuo, sem que ele prestasse contas aos que ficavam.” (ÁRIES, 1977, p. 78)
Havia formas variadas de preparação para a boa morte, mas a maioria buscava a misericórdia de Deus, promovendo uma recomendação da alma a ele e do apelo à proteção de santos.
A Igreja na Idade Média recomendava como regra o “bem viver”, onde os fiéis praticavam o que era correto perante os dogmas, pois só assim permitia o homem uma preparação da alma para a morte. Mesmo assim, a morte continuava sendo um momento de grande tensão.
O temor da morte, no entanto não deve ser visto como um medo sem controle. O grande medo era mesmo morrer sem uma preparação, pois a preparação facilitaria a espera da morte e aliviava a apreensão da passagem para o além.
Le Goff (1990) menciona uma história medieval de edificação cristã onde o homem pena no purgatório por morrer devendo dinheiro a alguém ou por não seguir as normas da Igreja. Le Goff comenta que o purgatório se tornou um instrumento de salvação da vida econômica e social. (GOFF, SCHMITT, 1990)
A Igreja na Idade Média tinha como função o auxílio na hora da morte, um processo de preparação da alma, um trabalho espiritual e místico que descreve uma “morte segura”.
Assim, notamos ao longo da preparação do homem medieval que buscava o “bem morrer” cujo objetivo é ser um “bom cristão”, que firmava a sua fé em uma vida plenamente religiosa e pleiteava seguir os dogmas impostos pela Igreja.
Ao longo do texto, vimos a morte se diluir no discurso total da vida e em sentimento melancólico da passageira vida. O medo da morte parece então se afastar, perdendo o vigor, presença que possuía grande força na Idade Média. No séculos XVII e XVIII, a morte voltará com uma nova forma, a do corpo morto, do erotismo macabro e da violência natural; o homem buscará resposta, começando um estudo da morte mesmo antes de conhecê-la. (DELUMEAU, 1989)
A sociedade ocidental conseguiu viver com o medo de morrer, pois foram capazes de aceitar algumas coisas e rejeitar outras, tornando possível através das imagens terríveis correspondidas a visão coletiva e secreta da morte, trazidas por homens da Igreja como uma força que a sociedade gostava, pois isto apaziguava o medo. A sociedade Ocidental gostava da proposta da Igreja, porque além de oferecer segurança contra o medo, cada um colocava o seu sentimento ali encontrando parte de sua identidade, de sua história da brevidade melancólica de sua história.
O medo da morte transbordou para fora do imaginário, penetrando na realidade vivida pelo homem, um sentimento consciente e expresso, sob uma forma, todavia limitada. A morte, tal como a vida, não é um ato apenas individual. “Por essa razão, a semelhança de cada grande passagem da vida, sendo celebrada por cerimônia solene, tendo por finalidade marcar a solidariedade entre indivíduos com a sua linguagem e comunicação no meio social; fica claro que a morte não era, um drama pessoal, mas a prova da humanidade, na luta constante para a continuidade da espécie.” (ÁRIES, 1990, pp. 70-7)
A morte, no entanto é vista como uma saída discreta desta vida; de um vivo que tenta seguir as regras de uma sociedade; o qual não destruiu ou perturbou as ideias de uma passagem biológica, sem significado, sem esforço nem sofrimento, sem “pecado” e finalmente, sem angústia.
Philippe Áries (1990) fala do comportamento do homem diante da morte, o autor mostra que entre a Idade Média e meados dos séculos XVIII aproximadamente predominava no Ocidente Católico uma relação de proximidade entre vivos e mortos. Um período que Áries denominou da “morte domesticada”. (ÁRIES, 1990)
Como é comum nas sociedades tradicionais havia separação como hoje entre a vida e a morte, entre sagrado e profano e entre cidades dos vivos e a dos mortos. Vovelle (1991) afirma que nas sociedades medievais coabitavam os vivos e os mortos, pois os cemitérios se confundiam com a igreja no coração da cidade.
O homem medieval vivenciava o medo da morte sem aviso, sem preparação, repentina, trágica e, sobretudo sem funeral e sepultura adequada. Segundo Áries (1990) os vivos se silenciavam em relação a sua própria morte, tornando visível a mudança de comportamento com relação ao tema da morte.
As atitudes diante da morte e a relação entre os vivos e mortos não estão separadas de processos históricos mais amplos. Pois segundo Freud (1989) “o objetivo derradeiro da vida é sua própria extinção”. (BOSI, 1994, p. 121)
O trabalho de Áries (1990) destaca uma “morte domesticada” que resistiu com o mesmo ardor até chegar a “morte selvagem” para definir essa nova mentalidade, os inúmeros autores que analisam o homem e sua relação com a morte, afirmará que esta nova ideia está relacionada com uma mentalidade que parte da mentalidade coletiva para uma mentalidade individualista. (ÁRIES, 1990)
Atormentada por querelas religiosas, tudo a noite era suspeito. As cidades conseguiam afastar completamente o medo para fora de seus muros, ao mesmo tempo enfraquecia este medo tornando possível viver com ele. Mesmo com o complicado mecanismo de proteção, os indivíduos, seja de forma individual ou coletiva mantiveram um diálogo permanente com o medo.
O homem é medroso por natureza. Usa amuletos para “espantar” esse medo no sentido que “todos os homens têm medo e aquele que não tiver medo, não é normal” (DELUMEAU, 1989, p. 147). A insegurança é símbolo da vida, sendo ela símbolo de morte. O homem sabe muito cedo que morrerá um medo único, idêntico a si mesmo, algo imutável.
O medo é ambíguo, é uma defesa natural que garantimos contra o perigo, um reflexo que permite ao organismo fugir da morte; “sem o medo nenhuma espécie teria sobrevivido...” (DELUMEUA, 1989, p. 147), mas se ultrapassado, pode tornar algo patológico e bloqueador; identificado como covardia, a qual não se poderia proteger com antecedência.
O medo tornou-se causa da evolução do individuo, no entanto a regressão para o medo é o perigo que espreita constantemente o sentimento religioso; podendo os separar, distanciando o homem do mundo exterior.
Portanto, podemos declarar que o medo é o pior inimigo enfrentado pelo homem; uma atitude que percorre além dos casos individuais, um exemplo claro na batalha homem versos medo. Mas os historiadores não precisam procurar muito, para identificar a presença do medo, nos comportamentos dos grupos; seja dos povos antigos ou das sociedades contemporâneas.
É muito difícil analisar o medo e aumenta a dificuldade, quando se trata de passar do estudo do medo individual para o medo coletivo. Para facilitar a análise podemos tratar de um estudo da versão mística que possibilita qualquer um de nós a morrer de medo; característica do pânico quando se manifesta uma energia que se difunde por todo o organismo do indivíduo.
Tratando-se do medo coletivo é provável que as reações de uma multidão tomada de pânico ou que libera subitamente sua agressividade resultando em grande parte da adição de emoções e choques. O medo torna se operatório no nível coletivo, a partir da distinção que a psiquiatria agora estabeleceu, no plano individual, entre medo e angústia, tratando de dois pólos, o medo tem como objetivo determinar onde pode se fazer frente. A angústia não tem particularidade especifica e é vivida como uma espera, dolorosa diante de um perigo tanto mais terrível, sendo um sentimento global de insegurança.
O acúmulo das agressões que atingiram as populações do Ocidente de 1345 criou do alto e baixo corpo social, um abalo psíquico profundo, onde são testemunhas de todas as linguagens da época, palavras, imagens e figuras, as quais constituem uma sociedade do medo. Jean Delumeau (1989) conseguiu reagrupar elementos da sua investigação, no ponto de andamento em que se encontram hoje, em dois conjuntos: “os medos da maioria, a cultura dirigente e o medo, os quais definem o subtítulo: Uma cidade sitiada”. Delumeau (1989) retrata o medo através de experiências e do momento que o medo toma conta de si.
O medo camuflado está presente em toda parte. Mas há uma parte onde o historiador pode encontrar, sem nenhuma falsa aparência, este espaço é o mar; vários povos o temiam; pois aquela; imensidão líquida poderia trazer a peste negra, invasões e outros perigos. A metáfora da fúria, todos os símbolos, animais que se relaciona com a fúria e raiva faziam parte do imaginário a respeito do mar. Desde Homero e Virgilio até Franciade e os Lusíadas, não há nenhuma epopéia, se tempestade, figura com destaque em romance medieval. “As metáforas do mar tranquilo e bom serão, portanto números menores, do que o mar bravio; sendo a tempestade não apenas temas literários e imagem das violências humanas; é também em primeiro lugar fato de experiência, relatada por todas as crônicas a navegação para a terra santa.” (DELUMEAU, 1989, pp. 41-4)
O mito também ganha espaço na representação do mar; aparecendo relatos de monstros que se alimentavam de humanos, como Polifen, Cila, Circe, as sereias, Leviatã e Lorelei. Outra visão mitológica esta relacionada aos textos, apocalípticos clássicos que na origem da sua demência suspeitava de feiticeiras e demônios, pois o mar é freqüentemente representado como o domínio privilegiado de Satã e das potencias infernais. No fim do mar acreditava-se que era também o fim do mundo e associava a ideia de que também encontraria no final dele a passagem para o inferno; um abismo profundo, local do medo, da morte, da demência, onde vive Satã, os demônios e os monstros. Assim, um dia o mar desaparecerá quando toda a criação for regenerada.
Portanto, até as descobertas e vitórias das técnicas modernas, o mar era associado na sensibilidade coletiva como uma das piores imagens de aflição. Mas estas imagens inventadas na Europa, na Idade Média e na Renascença.
Na mentalidade coletiva, a vida e a morte não apareciam separadas em um corte nítido; os mortos permanecem entre nós como seres meio material e meio espiritual uns são bons para fazer a vontade de Deus, outros ao contrário, trás á terra “pestes, tempestades e trovão”, fazendo sons no ar para provocar susto. No que o contexto nos mostra, podemos perceber a concepção da Igreja e uma separação radical da alma e do corpo no momento da morte. “No século XVII muitos juristas, dissertaram sobre os cadáveres, os quais Platão, Lucrecio e Marcilio, são invocados para estas questões.” (DELUMEAU, 1989, pp. 107-12)
Com o processo da duvida, foram pouco a pouco os homens da Igreja, a desconfiarem mais da aparição dos mortos. No final do século VIII e no começo do século XVIII, os fantasmas, que provocavam epidemias de medo eram os vampiros; o temor dos vampiros continuava no século XIX na Romênia o país do Dracúla.
Voltando no contexto, não podemos esquecer da peste que envolvia o comportamento coletivo, provocando o medo o pânico; episódio que ataca a Europa, sempre desaparecendo e reaparecendo criando um estado e “nervosismo e medo na população”; a peste era vista como um pesadelo que vinha junto com a fome e a guerra uma “praga” que ataca o mundo, que envolve a violência, sendo vista por diversos povos como impetuosa, com um ideal de punição divina.
Percebe-se que as epidemias provocavam interrupção na morte, ocorrendo abolição dos ritos coletivos de alegria e de tristeza, pois o número de mortos e o pânico de morrer limitavam a ritualização dos indivíduos; essas rupturas brutais com o uso cotidiano são acompanhadas de impossibilidade radical dos planejamentos de mecanismo de defesa contra a doravante peste.
A violência é uma inquietação coletiva, onde cresce um “medo global”, gerador de pânico e repulsa. A fome também é um medo comum na Idade Média o qual provoca apreensão nas estações, ao escoamento dos meses, até mesmo dos dias; em tempo e crise, provocava pânico, medo e desembocarando a loucura, acusações etc.
Mas havia também a morte na guerra, a morte antecipada, momento supremo do cavaleiro, que alegremente se dirigia na sua direção.
Como o mundo dos vivos estava ligado ao dos mortos, o papel dos mosteiros era exatamente o de interlocutor junto do além pela sociedade terrestre. Na Idade Média a morte foi assimilada nos corações. Desejada pelos guerreiros, aguardada pelos religiosos, a morte foi sentida como um rito de passagem para um outro mundo, o além. Os medievais entendiam o além como uma realidade. Foi o tempo do além, e a preocupação com a morte, algo constante nas suas vidas. O além é o espaço espelho da sociedade que o imagina e recria constantemente esta realidade. No entanto ele deixou de ser a razão da própria existência, para passar a ser a chantagem para a imposição das regras e dos dogmas religiosos. Ocorrendo uma representação iconográfica da morte. (ÁRIES, 1990)
Assim, notamos como fortes características a reorganização da sociedade cristã ocidental que conheceu o poder de consequências como a expansão territorial, da qual se destaca as cruzadas que teve pontos marcantes nas estruturas históricas.
Enquanto estruturas demográficas a Idade Média se equilibrava no sistema típico das sociedades agrárias, pré-industriais, onde ocorria alta taxa de natalidade e alta taxa de mortalidade provocada pelas longas estiagens, enchentes e as inúmeras epidemias que provocavam a morte de uma grande parcela da sociedade. Tais dados nos ajudam a compreender o completo despovoamento de certas regiões que permitiu a recuperação de outras regiões, isto graça aos locais desertos que dificultava a difusão da peste, proporcionando um alívio para o homem medieval que de forma “natural” eliminava o medo de morrer.
Na verdade, isto seria apenas um ensaio da crise demográfica da Baixa Idade Média que terá seu ponto crucial com a então conhecida peste negra que provocará a perda de um terço da população da Europa Ocidental.
Quando trabalhamos as grandes epidemias na Idade Média devemos compreender que tais processos se concretizaram dentro de uma estrutura de longa duração que proporcionará á comunicação e a penetração dos homens medievais em varias regiões.
Os rumores são provocadores do medo coletivo, pois se espalhava no Ocidente a revolta, provocada pela morte, pela ameaça da fome e de guerras; os grandes cismas, como as cruzadas contra os hussitas, que levou a decadência a moral do papado, antes do surgimento operado na reforma católica.
Nestes momentos de crise, o melhor a fazer é manter-se apegando com os mandamentos de Deus e praticando o bem para ganhar a salvação eterna.
Podemos perceber que o homem vive constantemente cercado pelo medo materialista, que vai além da vida, ou seja, o pós-morte é a preocupação dos indivíduos. Nesta jornada o homem, parte em busca de explicações, sendo conduzido pelo medo e consequentemente a sua mentalidade o atrai para o pior inimigo, a morte.
Ao trabalhar o medo de morrer não podemos deixar de destacar o controle sobre o corpo na Idade Média. O homem para ter uma boa morte deveria controlar e disciplinar os desejos do corpo, que pelo seu processo biológico provoca a proliferação do nascimento e consequentemente da própria mortalidade.
Ao analisar o medo de morte na Idade Média, nos deparamos com regras e comportamentos que favoreciam para uma boa morte, ou seja, uma preparação para o pós-morte que requeria práticas diárias para eliminar os desejos da carne. Áries (1990) em o homem diante da morte trabalha com muita propriedade a questão da “domesticação” do medo de morrer e a preparação do corpo para uma “boa morte”. (ÁRIES, 1990)
A disciplinarização do corpo e as regulamentações da vida do homem constituem dois pólos em torno dos quais se desenvolveram a organização do poder sobre a vida. Um paralelo que se caracteriza por um poder cuja função é investir todas as forças sobre a vida.
Foucault (1988) promove uma representação da sexualidade, como uma das principais práticas consideradas pecaminosas na Idade Média. No entanto, podemos notar com clareza a constante preocupação do homem medieval com as “coisas de Deus”. (FOUCAULT, 1988, pp. 31-9)
O controle sobre o desejo do corpo simbolizava o afastamento das coisas terrenas e uma forte aproximação de Deus. A administração do corpo era algo praticado pelo homem medieval que desejava a vida plena e uma morte digna. (DELUMEAU, 1989)
Assim, notamos com clareza que o homem ocidental aprendeu pouco a pouco o que é ser uma espécie viva em um mundo vivo, ter um corpo, ter uma condição de existência, a probabilidade de vida, as problemáticas com relação à saúde individual e coletiva que exerce forças que pode mudar o rumo de sua vida.
A cada dia o homem medieval investia mais sobre o corpo, a saúde, as maneiras de se alimentar e de morrer, as condições de vida em todos os espaços da existência. Construindo uma sociedade normatizadora com efeito histórico com relação ao poder centrado na vida.
O homem medieval tinha uma forte preocupação em reprimir o “amor”, onde seria a suprema realização das aspirações para a “vida bela” uma tarefa de libertação do corpo e da alma.
Quando ocorria uma relação amorosa entre um homem e uma mulher, ambos praticavam a convenção amorosa, voltada para a “coisa de Deus”, e uma das práticas era rezar antes de encontrar a amada. Glorificar a Deus perante a imagem da amada, ao entrar na Igreja para começar uma novena ou fazer o voto mental de compor um poema falando da amada, onde seria propicio falar acerca da grande devoção a Deus, afirmando em forma de oração a sua forte relação com as coisas divina. (DELUMEAU, 1989)
Na Idade Média os homens procuravam fugir dos desejos do corpo, vivenciando uma vida bucólica que enfatizava uma aspiração sagrada.
Com relação a tal ideia notamos que o dispositivo da sexualidade permitiu técnicas de poder investir na vida de forma biológica e religiosa, marcando o processo onde cada indivíduo luta contra o desejo do corpo, negando o sexo, o prazer como algo que possibilita a eliminação da morte.
O sexo neste discurso era trabalhado em uma perspectiva de devaneio, um mecanismo do corpo que não contempla a espiritualidade, pois sua surpefície se pauta no pecado no desejo ininterrupto da carne.
A sexualidade era configurada como o desejo da carne que deixava os homens bestializados diante do prazer, do sexo, mas ao mesmo tempo afirmava o medo de morrer, pois estavam praticando algo considerado libertino e pecaminoso.
Neste momento os prazeres mais singulares eram solicitados a sustentar um discurso que deveria não mais articular aquele que fala do pecado, da salvação, da morte e da eternidade, e sim aquele que fala do corpo, da vida e das normas religiosas.
A sexualidade permitiu uma articulação de conversão de uma confissão a uma prática cientifica que ordena a reflexão de múltiplos discursos com relação á obstinação do poder e na conjugação do saber com o prazer.
O domínio do poder sobre o sexo seria promovido através da linguagem ou de discursos religiosos que promovia a interdição do prazer da carne; construindo normas que cristalizou na Idade Média como regras complexas que determinava os comportamentos dos indivíduos de forma hegemônica.
Neste processo ocorre a formação dos saberes que se refere ao sistema de poder que regulamenta práticas e formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeito dessa sexualidade que constitui um domínio exclusivo.
Pois o valor do ato sexual era considerado pelo cristianismo como algo do mal, do pecado, a queda, a morte; o homem medieval deveria acentuar os valores morais e espirituais, atribuindo a tal idéia a prática da abstinência rigorosa, a castidade permanente e a virgindade.
A sexualidade deveria ser trabalhada dentro dos princípios de uma moral cristã que permitia o sexo somente após o casamento cristão, onde era afirmada a fidelidade da esposa com o marido uma questão colocada de forma rígida que de certo modo tinha um grande valor na sociedade medieval.
O ato sexual é um ponto de cruzamento entre uma vida individual que é destinada a morte e ao mesmo tempo a uma imortalidade que torna a forma concreta de uma sobrevivência da espécie.
A atividade sexual se inscreve, no amplo horizonte da morte e da vida, do tempo e da eternidade. Assim, o homem coloca em contra ponto o destino de morrer e as formas de escapar da morte através da reflexão sobre o uso dos prazeres e sobre os seus regimes.
O regime físico dos prazeres é caracterizado pela capacidade de dominar as forças que desencadeia um jogo da vida e da morte, onde homem deseja sobreviver além da sua existência.
Nesta análise do medo de morrer, podemos notar que o homem medieval tinha uma preocupação extremamente rigorosa com a repressão dos desejos do corpo, pois tal prática era considerada pecaminosa, um ato profano que deveria ser reprimido constantemente da vida dos homens medievais, um processo que partia da individualidade para a coletividade social e religiosa da Idade Média. (DELUMEAU, 1989)
Podemos pensar nos conjuntos teóricos, dos jogos da morte e da imortalidade, nas práticas e normas que possibilitava a purificação da alma.
A Igreja medieval se preocupava em constituir uma sociedade que se pautava em uma estrutura mental que visa ocupar e orientar os fiéis, a não praticarem as coisas do “mau”, para isto o homem medieval deveria seguir normas ritualísticas como penitências, jejuns, momentos de constante oração, entre outras práticas que faziam parte da vida social e religiosa do homem medieval.
Quando falamos em alma, devemos perceber que ela tem um duplo papel de desempenhar uma reflexão que designa para o corpo um regime que efetivamente e determinado pela natureza do corpo e das suas tensões. Assim, fica claro que este desejo tem duas faces, ele parece no corpo e aparece na alma, uma experiência que o sujeito faz dele próprio.
Entretanto, fica claro que as “boas obras” permitiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxílio às almas do outro mundo, do além, tornando possível a convivência com o medo de morrer, promovendo uma relação com a preparação para o pós-morte.
Portanto, podemos notar que os elementos trabalhados colocam em destaque o concerne de regras para o prazer; práticas constantes de fidelidade conjugal, e de normatização de comportamentos religiosos que possibilitam ao homem medieval a construir uma boa conduta sexual recebendo como presente divino a “vida plena e distante da morte”.
CAPÍTULO III
3. A MORTE OBSESSÃO ONIPRESENTE
3.1. Morte o Eterno Flagelo da Existência Humana
Ao longo dos séculos o medo de morte sofreu inúmeras influências do ponto de vista no que concerne a sua parte social, histórica e médica.
Essas mudanças influenciaram a sociedade como um todo, mais principalmente a relação entre o moribundo e o seu ambiente. O indivíduo perde o controle e o poder sobre o seu morrer e é obrigado a se colocar na dependência do ambiente (medicina). Observamos um pacto ora de omissão, ora de silêncio entre as diversas classes de pessoas (médicos, padres, cientistas e funcionários burocráticos). Todos são, portanto, cúmplices de uma mentira que começa então, e que, ao estender-se em seguida, vai empurrar a morte para a clandestinidade (ARIÈS, 2000).
A morte não se passa mais à maneira antiga, com suavidade, na presença dos entes queridos à beira do leito de morte, e com a naturalidade que deveria ter. Antes domada, passa à condição de selvageria segundo as definições do historiador francês Áries e é ele quem, novamente, nos relata sobre esse início da medicalização da morte:
“O quarto do moribundo passou da casa para o hospital. Devido às causas técnicas médicas, esta transferência foi aceita pelas famílias, estendida e facilitada pela sua cumplicidade. O hospital é a partir de então o único lugar onde a morte pode escapar seguramente à publicidade – ou àquilo que resta – a partir de então considerada como uma inconveniência mórbida. É por isso que se torna o lugar da morte solitária.” (ARIÈS, 2000:322)
“A morte já não mete medo apenas por causa de sua negatividade absoluta, revolve o coração, como qualquer espetáculo nauseabundo. Torna-se inconveniente, como os atos biológicos do homem, as secreções do corpo. É indecente torná-la pública. Já não se tolera seja quem for entrar num quarto que cheira a urina, a suor, a gangrena, onde os lençóis estão sujos. É preciso proibir-lhe o acesso, exceto alguns íntimos, capazes de vencer, a sua repugnância, e aos indispensáveis doadores de cuidados. Uma nova imagem da morte está em vias de se formar: a morte feia e escondida e escondida porque é feia e suja.” (ARIÈS, 2000:320)
Neste contexto pautamos a dignidade a omissão da morte. Esta dignidade exige em primeiro lugar que seja reconhecida, já não apenas como um estado real, mas como um acontecimento essencial, um acontecimento onipresente na vida do homem.
3.2. A morte é o Maior Inimigo do Homem
Áries já dizia parafraseado em seus vastos texto sobre o medo, que a morte é e sempre será o maior inimigo do homem. Ela remete fracasso, doença, relação humana insatisfatória, o fim de uma existência.
Quando observamos o comportamento das pessoas a nossa volta podemos perceber que milhões de pessoas têm medo do passado, do futuro, da velhice, da loucura, mas todos no intimo do ser temem a morte.
Murphy em sua obra O poder do Subconsciente afirma que o medo, é apenas um pensamento uma construção mental que se estende ao longo da vida do homem. “Isso significa que temos medo dos nossos próprios pensamentos”.
O medo de morrer engendrou no subconsciente do homem uma tendência voltada para a vida. A morte é sempre omitida por um pensamento que pauta a vida infinita e a sabedoria sem limites, os nossos impulsos e ideias sempre nos orientam para a vida.
Para vencer o medo de morrer o homem sempre se utilizou de inúmeros artifícios: amuletos, fé, rituais, pesquisas e estudos que sempre se fundamentaram no objeto morte, explicações sobre o pós-morte, alimentando a esperança de uma vida eterna.
Ao romper o “silêncio sobre o medo da morte”, os historiadores e pesquisadores atuais com Majouret que esclarece um aspecto capital do crepúsculo da Idade Média. Ora, não é absurdo comparar as consequências das epidemias de peste com as duas guerras mundiais do século XX.
Portanto, analisando os temores, comportamentos e ameaças que se supunham desaparecidos para sempre como a miséria, a superstição, o espectro das pandemias – se somam aos novos temores suscitados pelas catástrofes ecológicas, fenômenos que oferece numerosas analogias entre o nosso tempo e essa época crepuscular, período decisivo para o destino da Europa do que o lendário ano 1000.
3.3 Teóricos, Teorias Perante o Medo da Morte
A partir de inúmeras pesquisas percebemos no final do século XIX e no início do século XX uma série de tentativas em esclarecer o fenômeno da morte, mas ao tentar desvendá-la ou entendê-la, veremos que muitas dessas teorias caminharam em direção de novos enigmas, aprofundando mais ainda a sua negação e o sentimento de omissão e medo.
Vamos mergulhar em um vastidão de ideias e conceitos que são influentes sobre o pensamento contemporâneo da morte. Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, promoveu alguns trabalhos de reflexão sobre a morte, criando algumas teorias sobre a morte e o morrer. Diante das dificuldades encontradas para sustentar a afirmação fundamental da psicanálise de que o homem é um animal voltado unicamente para o prazer, ele cria uma nova teoria: a teoria do “instinto de morte”. Ele sustentava, nessa teoria, haver um impulso interior para a morte (Tânatos) assim como para a vida (Eros); e, por conseguinte, podia explicar a violenta agressão humana, o ódio e o mal em uma forma nova, se bem que ainda biológica: a agressividade humana provém da fusão do instinto da vida com o da morte.
Com relação às correntes filosóficas que influenciaram nossa maneira de ver e encarar a morte pode-se observar que três correntes vão ditar as regras com relação a essa temática nos séculos XIX, XX e XXI: O Positivismo, o Niilismo e o Existencialismo.
“O positivismo, inaugurado por Augusto Comte, introduz uma postura onde todos os que estão envolvidos com a ciência limitam-se unicamente à experiência... Positivo é aquilo que é real, que pode ser provado com o microscópio ou com o telescópio, enfim cientificamente. Ciência torna-se uma palavra mágica; é o novo mito que sobrevive até hoje no culto dos valores materiais, visíveis, tangíveis, com descaso e até com desprezo pelos valores invisíveis e intangíveis.” (BUSSOLA, 200)
Com isso, ocorre uma perda de sentido da vida e o esvaziamento do ser, e a negação da morte.
O Positivismo é uma das correntes filosóficas que mais influenciou e continua a influenciar as ciências, particularmente na área biológica. Na visão positivista, o ser humano é fruto do acaso, constituído meramente de um agregado de átomos e moléculas que obedecem a um código organizador: o DNA. A morte é um fenômeno que escapa às suas análises e não faz parte dos seus objetos de estudo; não suscitando qualquer “pensamento filosófico”.
Nietzsche, filósofo niilista e autor da célebre frase de que “Deus está morto”; introduz o ceticismo e o relativismo, onde não existem valores morais, ética e a possibilidade de se atingir a verdade. O niilismo teoricamente afirma que a morte que corrói o seu próprio conceito, corrói então os outros conceitos, sufocando os pontos de apoio do intelecto, eliminado as verdades, a consciência. Correndo a própria vida, pois em um mundo onde tudo é relativo, até mesmo o conceito de vida se relativiza com relação ao fluxo das coisas eternas.
Entretanto, o existencialismo é considerado como uma das correntes filosófica que procura manter a angústia, a fim de procurar nela a verdade da vida e da morte.
Como afirma Delumeau à angústia, e por consequência a própria morte, é o fundamento mais certo da individualidade. Efetivamente, a angústia é um denominador comum nas filosofias de Kierkegaard, Heidegger e Sartre. Kierkegaard desvia-a para a salvação, Sartre orienta-a para a liberdade e Heidegger amarra-a à morte.
Os dois grandes idealizadores desta corrente são Martin Heidegger e Jean Paul Sartre. Ambos pensam a morte como o fim da duração do ser no fluxo ininterrupto do tempo. Assim, a morte seria a destruição do ser, seu aniquilamento. Lobo (2003) sintetiza a visão de Heidegger sobre a morte:
“Em Heidegger, a morte apresenta-se com um pensamento dificílimo devido ao seu caráter ininteligível, desconhecido mesmo, referente ao de fora do qual a morte provém referente ao fator estrangeiro que se apresenta na mortalidade do ente humano, transcendente e estranho”.
Entretanto, para Heidegger, o que está em jogo na morte são seus caracteres ontológicos e, mais ainda, a propriedade do ser mortal. É a partir da morte do outro, que vejo como fenômeno empírico (a morte primeira) a minha possibilidade como mortal me surge, me assusta e me assombra, a mim mesmo, ao que há de mais próprio em mim. Com relação ao existencialismo, a morte representa, pois, a última experiência, que dará completude ao individuo e é por isso que para o existencialismo o ser se completa na morte, pois que após a morte só existe o nada.
“O Ser autêntico para a morte, isto é, a finitude da temporalidade, é o fundamento oculto da historicidade do homem.” (HEIDEGGER in MORIN, 1988, 277)
“Heidegger em sua teoria procura eliminar tudo o que se funda fora da morte e Sartre procura eliminar tudo o que se baseia na morte. Sartre despe a morte dos seus atributos heideggerianos. Assim, a morte nunca é o que dá sentido à vida; pelo contrário, é o que lhe tira todo o significado. E mais: Se devemos morrer, a nossa vida não tem sentido, pois os seus problemas não recebem nenhuma solução e o próprio significado dos problemas permanece indeterminado”. (SARTRE IN MORIN, 1988: 280)
Nesta caminhada de construção e desconstrução do medo de morrer presente em meio a sociedade moderna, é perceptivo que os inúmeros teórico têm como objetivo identificar a dignidade do homem perante a morte e acabar com o medo da morte com os modelos religiosos, filosóficos e científicos que a Civilização Ocidental adotou sobre o homem. “Para resgatamos essa dignidade não só sobre a morte e o morrer, mas, sobretudo, em relação ao ser enquanto humano é preciso resgatar as posições religiosas e filosóficas, antes carentes do apoio das demonstrações experimentais da ciência, mas agora, em parte, disponíveis. É preciso acima de tudo, uma religação do saber, integrando a filosofia, a ciência, a religião e a pedagogia.” (EDGAR MORIN 1976, 180)
Em suma, é incontestável que a morte é uma obsessão onipresente na vida do homem, um eterno flagelo da existência humana. O maior inimigo de todos os tempos. Um tema que se faz presente em diversos estudos de teóricos os quais pautam na conclusão de teorias que possibilita a aniquilação do medo do homem perante o seu inimigo eterno a MORTE.
Conclusão
Da escolha a abordagem de um tema para se fazer uma análise historiográfica, passamos por vários passos. Do recorte temporal a discussão bibliográfica retratando um objeto de análise que por muito tempo foi desconsiderado pela historiografia: o medo de morrer ou o medo da morte.
Foi preciso estabelecer prioridades que variaram segundo o tempo e os lugares; um processo de longa duração pautado por Fernand Braudel, dentro de uma perspectiva da mentalidade coletiva.
Doravante, podemos notar que os fatores que desencadearam o medo de morrer na sociedade medieval vão além dos problemas econômicos, sociais e religiosos, envolvendo itens que parte da particularidade de cada homem medieval entendendo até o mesmo dentro de uma coletividade, ou seja, de uma sociedade que pratica o “bem viver em prol do bem morrer”.
Ao pensarmos no termo morte ao longo da trajetória da vida humana, fica claro sua associação a idéia de ruptura do composto humano, numa época que o dualismo começa a penetrar na sensibilidade coletiva. Assim compomos os elementos que aqui se associavam a morte como os rituais e os medos que foram pontuados (mar, noite, fantasmas) bem como os elementos que causaram o pânico dessa mesma morte (fome, guerra, peste).
A morte tornou-se um dos fatores primordiais que leva a humanidade a buscar constantemente o mistério da alma, uma perspectiva religiosa que se formula ao longo da existência, pois a alma não pode entrar no “reino dos céus” por outro caminho, se não aquele determinado pela religiosidade de cada individuo que se conduz em nome da fé.
Contudo é visível que o homem medieval vivencia o medo construído e transferido de outro homem como um mecanismo de defesa; sendo tais mecanismos utilizados pela Igreja, como objetivo de controlar a sociedade, agindo como fatores que possibilitava a reflexão e entendimento do mistério do medo de morrer.
A Igreja torna-se a única instituição que possibilitava a aproximação do homem com Deus; ela ensinava e ajudava o homem medieval a se manter no equilíbrio do tempo, do corpo por meio do controle de sua sexualidade e da preparação para a morte, um processo que se afirmava a todo momento no cotidiano medieval.
No prisma da análise, é perceptível a crescente maturidade tenebrosa da angústia e do medo morrer. O medo da morte torna-se a fúria cega que persegue a “vida dos bons e dos ruins”; tornando obscura a atmosfera mental da sociedade medieval.
Por isso, a busca incessante da “boa morte”, pois só assim poderiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxílio ás almas do outro mundo, do além, possibilitando a convivência com o medo de morrer e promovendo uma constante preparação para o pós-morte.
Por isso, fica claro que as “boas obras” permitiam atenuar o temor do inferno, tornando favorável a prestação de auxilio ás almas do outro mundo, do além, tornando possível a convivência com o medo de morrer, promovendo uma relação com a preparação para o pós-morte.
O medo de morrer é um tema difuso e que envolve o mistério, o fascínio do além como algo desconhecido e temido ao longo dos séculos. Na Idade Média tal medo se expandiu com um grande temor que espreitava os indivíduos, o medo foi a ameaça; transbordando do imaginário do homem medieval, e penetrando na vida real e cotidiana, e isso ficou denotado e demonstrado na arte, na escrita, nas práticas e nos ritos de uma coletividade cristã ocidental, que se designava sitiada, desmobilizada diante do medo de morrer.
A morte mexe com a questão mais fundamental, mais intrigante, mais desafiadora e que mais inquieta a humanidade, a da sobrevivência pós-morte, desde que ela desceu das árvores nas savanas africanas há mais de dois milhões de anos atrás. Até hoje não se chegou a um consenso nem das religiões, nem dos sistemas filosóficos, nem das ciências a respeito do que é a morte e se sobrevivemos ou não a ela. Ainda hoje, para a maioria de nós, a morte permanece uma figura sombria cuja presença é só levemente percebida. Nós tendemos a relegá-la à periferia de nossas vidas, acreditando que se ela for colocada fora da nossa vista, também o será da nossa mente. Hoje mais do que nenhuma época da história da Humanidade gostaríamos se não de esquecê-la ou negá-la, pelo menos controlá-la através dos avanços que as ciências biológicas conseguiram nos últimos dois séculos. Muitos de nós temos mesmo a esperança de que com o avanço das técnicas de clonagem, um dia em um futuro não muito distante poderemos reviver através dessas mesmas técnicas que poderão nos fornecer um novo corpo e uma nova mente, nos tirando de um estado letárgico, no qual não desejaríamos ter entrado.
Negamos a morte de todas as maneiras possíveis e imagináveis, mesmo que absorvidos obsessivamente pelos seus mistérios. No entanto, a morte insiste em fazer parte do nosso dia-a-dia. Ela invade a nossa vida através do rádio, dos jornais e do noticiário das TVs, quando não é a guerra que chega ao nosso país, vemos a morte ceifar vidas das formas mais variadas, através da fome em escala continental na África, das epidemias da gripe aviária, da catástrofe do Tsunami, das violências das grandes metrópoles, dos acidentes automobilísticos e se não bastasse tudo isso, convivemos com a possibilidade da extinção global, seja através dos desgastes dos recursos naturais e a degradação do meio ambiente, bem como pela presença das armas de destruição em massa como os arsenais atômicos das grandes potências. Parece uma ironia do processo evolutivo que quanto mais tentamos negar a morte, mais ela nos aparece, como a nos desafiar e a nos dizer, como a esfinge tebana da mitologia grega: “Decifra-me ou devoro-te!”
Fica ainda em aberto várias questões que não foram trabalhadas e que são pertinentes em relacionar ao tema O medo da morte: “Uma representação que circunda a história da humanidade”. A pretensão desse exímio trabalho não era nem esgotar e nem fechar nenhuma idéia que foi proposta no mesmo. O homem sempre teve e sempre terá o medo daquilo que desconhece: a MORTE.
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