EMPATIA SEMPRE: LEMBREMOS DE BETINHO
Davi Silva de Carvalho*
Falar sobre a fome é um dos assuntos particularmente delicado pra mim. Digo delicado, pois nunca passei por essa situação e vejo muitas pessoas ao meu redor tão carente e padecendo dessa problemática social. Quando estávamos vivenciando os terríveis tempos pandêmicos, um certo dia como de costume fui colocar o lixo da minha casa na calçada. E ao abrir o portão tinha um casal que estavam sentados na entrada do portão. Pude perceber em seus olhares o drama da fome.
A dona que estava mais próxima me perguntou: “Tem algo de comer pra me dar?”. Na mesma hora não pensei duas vezes e respondi: “sim.” Por coincidência tinha feito um pouco mais de comida naquele dia para jantar posteriormente. Como foi uma pergunta surpresa, me deixando sensibilizado, fui até a cozinha e imediatamente fiz uma marmita pra ela. Em outras palavras, dei a minha janta pra essa dona em situação de rua. Nesse intervalo, não pude colocar o lixo lá fora, pois ela estava sentada muito próxima do portão e do poste, onde tenho o hábito de colocar e amarrar às sacolas. Fiquei pensando como ela iria comer com sacolas de lixo perto. Situação extremamente difícil, pois ela estava com fome e jamais faria isso. Ela é um ser humano.
Todavia, o que me chamou atenção foi sua afirmação ao ver ajeitando às sacolas no jardim para colocá-las posteriormente na calçada. “Não, moço! Pode colocar o lixo aí, não atrapalha”. Ou seja, a fome era avassaladora que não importava se estava atrapalhando ou não se colocasse aquelas sacolas no poste. Entreguei com toda generosidade a marmita e seu olhar de agradecida tomou conta daquela situação. Passou alguns instantes. Novamente ao abrir o portão, ela estava sentada ainda no mesmo local, porém a marmita vazia. Ela olhou e me disse: “Sua comida estava boa, Deus te abençoe”. Naquele momento o sentimento de empatia tomou conta ainda mais de mim. Respondi: “Obrigado! Aqui sempre tem comida, à disposição”. Por ali ela ficou e logo depois foi embora.
Depois de um tempo, mais tarde consegui colocar às sacolas de lixo na calçada próximo ao poste. A abordagem feita até aqui foi inspirada na vida do Sociólogo Herbert José de Souza, o famoso Betinho por conta do seu belo trabalho ao combate à fome. Lendo melhor sua brilhante trajetória, bem como às Historiografias presentes sobre sua missão, pude perceber a importância de termos a sensibilidade de Betinho em nossos corações. Além de sermos Betinho na vida de alguém tão necessitada de alimento. Defensor dos direitos humanos, da democracia e sempre ressaltando uma grave mazela social que ainda lamentavelmente muitos brasileiros convivem, a triste fome. Fundador da organização e projeto: Ação da Cidadania contra à Fome, Miséria e pela vida. A generosidade, relação harmônica e carinhosa com quem estava ao seu redor era marcante. Betinho mesmo lutando contra hemofilia e ter contraído o vírus da AIDS não deixou esses obstáculos “frear” sua vida.
Foi até o fim em sua luta incansável pela dignidade humana para que todos tenham comida na mesa. Até então estava me concentrando na Campanha da Fraternidade da Igreja Católica deste ano, por meio de textos base e leituras complementares da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Seus apelos são feitos durante a Quaresma e foram os mesmos de Betinho: Combate à fome e caridade! Ressalto como a luta de Betinho ainda é presente e tão necessária na História. Nos últimos quatro anos, o Brasil voltou ao mapa da fome. Uma triste notícia para nós. Aterrorizados pela pandemia causada pela covid-19, ficamos restritos principalmente de ajudar um ao outro.
Presencialmente como era antes, porém com várias restrições. Muitas vítimas da fome naquele período e não tinham o que comer, seja pela falta de renda, vivendo em situações de rua, desempregos e pagando aluguéis, preços dos alimentos mais caros, enfim. Um verdadeiro cenário deixando muitas sequelas na sociedade presente. Dentre elas, brasileiros sofrendo ainda mais por causa da fome. Ao ler e aprofundar na sapiência de Betinho fiquei imaginando se ele estivesse hoje entre nós. Principalmente na pandemia.
Julgo, talvez nos momentos críticos da covid-19 iria colocar com muito êxito seu belo trabalho. Mesmo tendo à organização de combate à fome e miséria e lutando pelos direitos dos vulneráveis, seu coração iria pulsar e não ficaria de braços cruzados seja em isolamento social ou quarentena. Sua caridade exitosa seria reforçada com muita intensidade. Estudando sobre esse importante sociólogo, onde sempre colocava às pessoas em primeiro lugar, percebi e reconheço que posso ser Betinho ainda mais. Não só eu, mas todos nós. Como lema da sua campanha: “Quem tem fome, tem pressa! Digo, pois foi um homem que esteve do lado certo da História. Mais amor e empatia ao próximo. Viva Betinho!!!
(*) Davi Silva de Carvalho é escritor, professor e historiador com formação acadêmica pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).