Isca formicida e guerra cognitiva

Não sem alguma dor no coração, tive de esparramar aquelas iscas formicidas próximo ao carreiro das cortadeiras que estavam devorando as plantas do jardim. Inclusive o jasmineiro que tanto apreciamos, que enche o ar noturno de um perfume que nos transporta para um imaginário mundo de benquerenças.

Conhecem essas tais iscas? São diabólicas, para as formigas. Têm forma, cor, tamanho e cheiro que faz com que as formigas tenham a ilusão de que são a salvação do formigueiro. Bem à mão, colocada pela providência à beira do caminho. É impressionante vê-las, instantes depois que derramamos a isca. Como todo aquele organizado exército transporta credulamente as iscas venenosas para dentro do formigueiro! Quando imagino a ação mortal das iscas-bomba no fulcro da colônia, não consigo deixar de pensar como nós, humanos, somos mortais para os restantes seres do planeta: para proteger as plantas do jardim, exterminamos uma surpreendente colônia de formigas, que muito teriam a nos ensinar em termos de organização, engenhosidade e dedicação.

Mas o formicídio que me aperta o coração desperta-me a compreensão de que não somos assassinos só de formigas. Exterminamos, intencionalmente ou não, muitos outros seres vivos, animais e vegetais. E, perversamente, atentamos também contra os próprios humanos. Não promovemos só formicídios, cometemos também genocídios.

A isca granulada venenosa e apetitosa que espalhamos para as formigas pareceu-me muito semelhante às iscas que a supermoderna guerra cognitiva faz conosco, seres humanos. Aqui precisamos dividir a humanidade em duas partes: uma delas é o dono do jardim, que quer preservar suas plantas ─ no caso, as plantas são a riqueza, o poder, os privilégios ─; a outra parte é o exército de formigas trabalhadoras, que, na verdade, são a razão de existir da outra parcela ─ sem os trabalhadores, que são quem de fato produz tudo que é necessário para a sobrevivência da humanidade, não existiriam nem mesmo os exploradores privilegiados da elite que é dona do “jardim”.

Quais são as iscas que nos são oferecidas na guerra cognitiva, que, se não nos exterminam, fazem nos idiotizar e nos escravizar, naquilo que alguns críticos de nossa sociedade chamam de “a servidão consentida” ou “a servidão voluntária”? A guerra cognitiva não precisa de armas físicas: o combate dá-se dentro de nossa cabeça. As armas são insidiosas mensagens que nos incutem convicções, opiniões, medos, ódios, fobias de todos os tipos, violência, ignorância, confusão... Não é preciso nos matar. Aliás, se o contingente obreiro fosse morto, quem trabalharia para produzir as riquezas dos ricos? A guerra cognitiva usa o mesmo logro que usamos com as formigas: oferecem-nos algo que parece ser o alimento da colônia, na verdade é o embuste que, se não nos mata, faz-nos fanáticos e obedientes servidores da vontade alheia.

As formigas do jardim deram-me uma lição: como somos parecidos com elas! Transportamos para dentro de nossa sociedade as iscas venenosas destinadas não a nos destruir, mas a nos idiotizar e nos acomodar à servidão consentida: a mentira, o medo, a violência, a apatia, a desesperança, a falta de sensibilidade e de amorosidade...

Mas ainda acredito que sejamos mais espertos que as formigas cortadeiras.