Predadores sociais existem e é preciso estar preparado para eles
Defino de forma geral, os predadores sociais aqueles cuja a vida profissional e pessoal tenha como um dos fundamentos a destruição e ataque a dignidade de outras pessoas. O que o faz como meio para alguma ambição ou egoísmo, mas também por uma necessidade inconsciente de sua personalidade.
Dignidade é o merecimento de respeito e consideração por qualquer pessoa, pela simples condição de ser humano. Pagar pelo que fez, ser punido por um crime cometido não atentam contra a dignidade de ninguém, contanto que haja justiça e razoabilidade das condições de cumprimento da pena. A dignidade não é relativa, não se deve colocar condições para se respeitar qualquer pessoa - se errou ou falhou é parte da vida.
Por isso, pela ética e busca por justiça, constantemente avaliamos se o salário que alguém recebe, o tratamento dispensado pela sociedade e as condições de vida de alguém são dignas, ou seja, compatíveis com a importância do seu trabalho, do convívio social e das relações com a comunidade. Alguns são mais respeitados e admirados do que outros por seu trabalho, arte e persona pública, mas existe um limite mínimo de respeito, que independente do que a pessoa é ou faz da vida precisa ser considerado.
É uma dignidade inerente a ser humano, que implica em respeito a integridade física, psíquica e moral de um indivíduo. O que leva a definirmos que a integridade se materializa antes de tudo na saúde, na imagem social e na estima individual. O que atinge essa integridade, a degradando para exercer poder e obter vantagens pessoais e profissionais atenta contra a dignidade de qualquer pessoa.
Dada a complexidade social, a ética é constantemente desafiada a se atualizar e rever verdades e enunciados que em outros tempos correspondiam a verdades absolutas do senso comum. Ela precisa fazer isso e o faz antes mesmo que a própria sociedade tenha consciência das injustiças cometidas e normalizadas.
>>> Pessoas Comuns
Antes de tudo, é preciso pensar que pessoas comuns se frustram e lidam de forma razoável com os limites das próprias capacidades, do reconhecimento social possível e do status que elas possuem. Esse lidar de forma razoável, significa que não adotará comportamentos que visam se iludir e esconder-se de sua própria realidade. E que nem fará mal para outras pessoas tendo em vista se sentir superior ou reconhecido pelos demais.
Pessoas comuns sofrem e carregam o sofrimento de suas limitações culturais, sociais e mesmo cognitivas, mas nem por isso constroem em suas mentes ilusões de um pretenso reconhecimento ou obrigação dos demais por esse reconhecimento e admiração. Pessoas comuns, mesmo as mais ambiciosas, querem um reconhecimento que venha espontaneamente e sentem vergonha de exigirem um reconhecimento que as pessoas não estão dispostas a dar.
Pessoas comuns tem consciência de sua finitude e anonimato. Não acreditam que serão preteridas em relação a outras por uma simples questão de vontade. Sabem que se as outras não as reconhecem, não há razão para engana-las ou se engarem quanto a um valor social que não possuem.
Pessoas comuns carregam o peso do que são e do que não são. Do que foram e do que nunca serão. Não fingem que não sofrem, mas não fogem do sofrimento. Tentam viver da melhor maneira possível com o que são e o que tem, buscam se reconhecerem pelo que fazem, mesmo que ninguém os aplauda. Não se sentem injustiçadas por não terem o amor ou admiração, se estas não forem por motivos outros que o bem que fazem.
Pessoas comuns só ofendem quando acreditam com isso se defenderem de outras ofensas a sua dignidade ou entenderem ser uma forma de se preservarem de situações injustas e arbitrárias.
Pessoas comuns não aceitam serem ofendidas, caso não haja motivos justificáveis para isso. Elas não acreditam que respeito é uma generosidade, mas um direito atrelado a dignidade delas como indivíduos.
Pessoas comuns não aceitam e nem conseguem se sentirem superiores ao humilhar e rebaixar outras pessoas. Elas se sentem mal e constrangidas por isso, quando o fazem são motivas por enganos ou ímpetos de raiva. Sendo motivo de vergonha para elas esse comportamento.
Pessoas comuns fundamentam sua autoestima na realização de objetivos e sonhos que projetaram para si, dentro de suas possibilidades e fazendo o melhor que podem. Elas não precisam ser as melhores, mas fazerem da melhor maneira o que precisam fazer para viver e se sentir bem.
>>> Vitimismo
Algum juiz competente e sensato abrandaria a pena de um assaltante, se entendesse que a vítima estava em horário e local inapropriado, além de considerável quantia em dinheiro em sua carteira?
Algum juiz competente e sensato sentenciaria menos um ladrão de carros por que o automóvel estava em lugar deserto, sem proteção de alarmes e muito valorizado no mercado?
"A ocasião faz o ladrão" e o um bom juiz a justiça.
Enfim, é preciso antes de começarmos a falar sobre predadores sociais, questionar a visão idiota e limitada de que a vítima da motivos para sofrer um crime. Como se aquele que pratica não tivesse escolha. A vítima não escolhe ser morta, roubada e enganada, mas quem mata, rouba e engana tem. Da mesma forma, falamos sobre quem sofre ou sofreu com predadores sociais.
>>> Pessoas não tão comuns
Imagine se tivesse uma convicção muito forte de que você é melhor que outras pessoas. A tal ponto de considerar que suas necessidades e atenções recebidas tivesse que ser maiores e melhores que os recebidos pela maioria das pessoas. Um sentir se tão especial que seria absurdo que alguém não se sentisse privilegiado por não ter sua companhia.
Este seu convencimento seria muito exagerado aos olhos de quem o conhece formalmente, havendo mesmo uma superestimação dos próprios feitos e subestimação daquilo que vem do outro. A não ser que aquilo que venha do outro seja um espelho, algo que reflita a própria grandeza. Entre o cristão e o pagão, ele é o cristão. Entre cristãos, ele é mais devoto. Entre os mais devotos é o que conhece a verdade da fé. Entre os honestos, é o mais honrado.
Aqueles que não lhe dão atenção, são invejosos, pois não consegue conceber como alguém poderia simplesmente não ser atraído por sua inteligência, conhecimento ou beleza.
O mesmo esforço para convencer os outros de ser dotado de características de um ser humano especialmente incomum utiliza para tentar convencer a si mesmo de que seus defeitos na verdade são virtudes ou erros de inúmeras formas justificado. Por isso se acha um injustiçado quando encontra quem o deixe diante de verdades duras sobre si, isto é, sua falibilidade, sua feiura moral e pedantismo.
Nesse esforço constante de convencer a si próprio de ser um mestre de virtudes ou outra grandeza ordinária, é preciso não só enganar a si mesmo ( reprimindo pensamento e sentimentos que contrariem seu personagem extraordinário) como cuidar para que família, parentes, colegas de trabalho e outros colaborem com a farsa. Admitir a farsa é algo dolorido para você, só Deus deve saber o quanto se esforça para não encarar a realidade desses pensamentos e os sentimentos que dele decorrem.
É preciso fazer com que todos colaborem. Mostra o que sabe e principalmente o que não sabe. Age como um duque ou baronesa em meio a plebe. Conversa e interage como se fizesse um favor, um ato de generosidade que deverá ser retribuído com a crença e submissão a sua realeza. Sua convicção é que engana, pois nenhuma pessoa normal consegue ostentar o que não tem ou exigir do outros um reconhecimento cuja as ações não correspondem. Pessoas comuns sabem muito bem quando merecem ou não ser elogiadas ou reconhecidas, e dificilmente brigam para ter reconhecimento ao qual não fizeram por onde ou que simplesmente não é importante para os demais.
Sua vítima é geralmente pessoas que toma por ingênuas, aquelas que seriam capazes de uma devoção suficiente para alimentar a própria ilusão sobre a própria grandeza. A idolatria e não admiração é o que você busca.
O sofrimento de suas vítimas é que delas nunca virá o suficiente para um convencimento definitivo sobre sua realeza. É preciso entender que você luta constantemente para não ter consciência plena do seu lugar finito e circunstancial nesse mundo. E principalmente que aqueles que julga valerem pouco consideram mais suas pobres vidas e rotinas do que o que você oferece. Então para lidar com a angústia da finitude e limitação, precisa exigir mais e mais das pessoas para que alimentem sua ilusão, ainda que isso cause sofrimento para suas vítimas.
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O narcisista não é simplesmente um desinibido ou extrovertido. Seu convencimento pouco realista de que possui privilégios de fala, atenção e lugar, o pouco interesse em ouvir o outro ou interesse puramente utilitário nas pessoas revela o quanto elas importam para ele.
Não há lugar no mundo do narcisista para pensamento e visões diferentes do seu. Por isso, ainda que fale de outras pessoas, culturas e conhecimento, sempre soa como superficial, pois nunca há uma verdadeira intenção de compartilhar, ensinar, compreender e se colocar no lugar do outro. Quando fala é para se mostrar, quando ouve é para esperar a vez de falar ou retrucar.
>>>A escolha das vítimas
Como em seu mundo ninguém é melhor que ele, não é difícil que eleja alguém que considere inapto ou ingênuo. Pessoas tímidas, que tem dificuldade de dizer não ou de constranger pessoas que lhe incomodam, serão seu alvo favorito. Pessoas que consigam mostrar mais claramente autoconfiança e convicção no que sabe são extremamente ameaçadoras para ele, de forma que mantem uma diplomacia ou uma relação utilitária com pessoas assim. Por que são essas pessoas capazes de revelar a farsa, mesmo contra todas as ilusões que alimenta.
O constrangimento que causa em pessoas mais tímidas e retraídas soa para ele como um reconhecimento de uma autoridade e superioridade, exatamente daquilo pelo qual é continuamente sedento. O constrangimento, além de mostrar um poder sobre a vítima, desperta essa sensação: de uma impotência diante do poder de quem o ofende e humilha.
>>> A estratégia
Convencer as outras pessoas de que a sua vítima merece ser tratada como ele o faz. É preciso mostrar para as outras pessoas o quanto a pessoa não merece respeito, que ela faz por merecer a forma como é tratada. Quando ele faz isso, ele simplesmente justificando seu comportamento, para encobrir as verdadeiras intenções que é reforçar sua sensação de poder por meio da submissão do outro.
Fazer o outro tolerar atitudes e palavras absurdas é uma demonstração de poder para si próprio. Esse fazer ocorre convencendo a própria vítima de seu merecimento, assim como outras pessoas. É preciso lembrar, a justificativa é uma forma de não revelar, uma farsa, para que não seja conhecido e conscientizado de que o que faz é antes tudo uma distorção da realidade para que caiba nela o ego fantasiado.
Agir como se tivesse intimidade com a vítima. Fazer parecer que possui proximidade o bastante para falar ou agir com a vítima, de forma a confundir a vítima e os demais quanto ao que realmente deseja. De forma, que a reação da vítima pareça exagerada ou descabida, ou que a mesma não entendeu a brincadeira. Lembre-se, pessoas normais sabem muito bem até onde avançar em relação a contatos, palavras e atitudes, sabem que constranger sem motivos alguém é errado.
A principal tática do narcisista é deturpar o contexto interpessoal da vítima. Em outras palavras, rebaixar o valor daquilo que elas consideram suas garantias de respeito e dignidade, desmerecendo seus esforços, talentos, conquistas e trabalho. O narcisista opera relativizando o valores que geralmente garantem o respeito e o bom convívio das pessoas. Por isso a intimidade forçada, o fazer se de amigo de todos, é parte da proximidade que exigirá compreensão dos demais para a sua atitude.
Age como se fosse amigo e tivesse ao lado de todo mundo, procura conquistar a amizade das pessoas, para depois em nome dessa amizade exigir complacência e "compreensão" de suas atitudes tanto as de perseguição de alguém quanto daquelas voltadas para criar a plateia para o ego hipertrofiado.
>>> A contra estratégia: como se defender
Não reconhecer nenhum merecimento ou autoridade que implique poder de lhe humilhar ou causar sofrimentos. Para isso é preciso ter consciência da própria dignidade e merecimento pelo que faz, pelo é e pelo que já passou.
Não permitir que se banalize brincadeiras e comportamentos que qualquer pessoa consideraria ofensivo e humilhante. Pense se agisse com outras pessoas, como elas corresponderiam e por que você precisa aceitar o que outros rejeitam?
Não aceite que seus defeitos e limitações sejam motivos para qualquer pessoa agir contra você. Se defeito fosse carta branca para desrespeito viveríamos na barbárie, ninguém bem resolvido com autoestima leva a sério que alguém o humilhe por causa de erros ou limitações comuns.
Não se deixe intimidar por pedantismos ou demonstrações superficiais de conhecimento. Confie no que sabe e não se impressione com arroubos de oratória ou demonstrações de poder.
Não tenha medo de que seus defeitos e limitações sejam conhecidos, aprenda a aceita-los como desafios ou como parte de você, sempre lembrando que mesmo alguém perfeito não teria por isso carta branca para ofender ninguém.
Não tenha medo de estar equivocado em seu julgamento, se algo te fez sentir mal precisa ser falado, ainda que para outros não seja relevante ou justificado.
Não espere que os outros sempre o compreendam ou se solidarizem com suas dores, nem todos se colocarão em seu lugar e outros só te entenderão quando passarem por isso. De forma que, se ofende ou não, que vai dizer isso é o ofendido, cabendo ao que ofende parar.
Não hesite em procurar ajuda de um advogado ou psicólogo se assim for sua vontade. Pessoas idôneas terão mais facilidade de identificar o que se passa e caracterizar a violência, do que a própria vítima: já que esta geralmente é envolvida em um contexto que a leva ou pressiona a legitimar a violência que sofre.
Não aceite a reversão de responsabilidade: a obrigação de evitar é do agressor e não da vítima. Ninguém faz por merecer esse tipo de violência, não aceite os "mais se você tivesse isso...", " se tivesse dito..." etc. Uma casa sem muros ou cadeados não tornaria a pena do invasor menor diante de um juiz sensato.
Aprenda que confiança, afeto, intimidade precisam ser recíprocos e espontâneos. Não se obrigue a gostar, confiar, ser afetuoso ou ter intimidade por que outra pessoa "generosamente" o é com você.
Você é obrigado a respeitar, mas nunca a gostar ou confiar em alguém. Mas se gostar e respeitar a si mesmo, não se sujeitará a nada que o leve a aceitar o desrespeito e a violência contra você.
E antes de tudo:
Dê poder ao seu "não", aprendendo a se amar e cuidador do que tem de mais precioso: seu espírito. Não se veja como não merecedor de nada mais nem nada menos quando se trata de sua dignidade, saúde mental e autoestima.
>>> Conclusão
Se observar o tanto de pessoas que morrem em acidentes de carro ou doenças no mundo inteiro, verá que nenhuma delas mereceu a morte. Seria cruel afirmar isso. Da mesma forma, por lógica, nenhuma delas escolheu adoecer ou se acidentar, pelo menos a maioria não.
Então não se culpe caso, você seja ou dia seja vítima desse tipo de violência, da mesma forma que ninguém tem culpa por receber uma descarga elétrica ou ser roubado em um ponto de ônibus. Evidente que as pessoas que passam por isso e sobrevivem tomarão mais cuidado, mas de forma alguma a responsabilidade de se cuidar equivale a responsabilidade de quem comete a violência.
Tem coisas que só passando para saber. Sofrer a violência e falar da violência são coisas distintas. Quem fala sem ter vivido fala sem saber se não tiver empatia. Não se preocupe com o que falarão, pois você não pode controlar a consciência de ninguém. Se preocupe antes de tudo, com o que esta sentido e como ficar bem.
Não deixe que ninguém diga pra você o quanto deve ou não doer. Sua dor não depende da opinião de ninguém sobre ela. Mas não tenha medo de pedir ajuda a terceiros, contanto que sejam profissionais ou pessoas de boa índole.