Brasil: o país e o futebol na série C
José Miguel Wisnik é autor do livro “Veneno remédio – o futebol e o Brasil“ (Companhia das Letras, 2008). Creio que seja o melhor livro de autor brasileiro sobre o futebol e seu significado sociológico, talvez superado no exterior pelos clássicos do gênero do mestre uruguaio Eduardo Galeano.
Wisnik coteja a história de fracassos ou sucessos do futebol brasileiro com a história de vergonha ou pundonor da população do país: ora o acanhado complexo de vira-lata, ora a dignidade e esperança de acreditar na grandeza do país que estamos destinados a ser. Não só a grandeza territorial e populacional, mas, sobretudo, a grandeza moral, sem a qual nada prospera. Nem o futebol.
Nem vamos falar da copa, nem dos nossos principais protagonistas atuais, que já nos colaram a pecha de país dos cai-cais. Falta ao craque cai-cai a compreensão que futebol não é só saber lidar com a bola. É também garra, combatividade, frieza, dedicação, propósito. Qualidades não compráveis nem mesmo com os absurdos altos salários. Elas estão lastreadas em algo mais transcendente. Por exemplo, o amor à camisa e ao país que ela representa.
Vamos falar do Flamengo no campeonato mundial de clubes e na seleção sub-20 no sul-americano disputado na Colômbia, duas competições recentes. Os sub-20 acabaram conquistando o título. Mas não sei como, depois de ver a postura do time frente às seleções da Colômbia e do Paraguai. O que consegui ver são times brasileiros recheados de supostos craques, caríssimos, mas que não conseguem articular uma jogada de equipe, não conseguem exibir um padrão de jogo, não conseguem demonstrar a mesma garra que os adversários. Parecem bandos desarticulados, perdidos em campo, intimidados com a combatividade do oponente e, sobretudo, sem um objetivo claro a conquistar. Tem-se a impressão que, de fato, o futebol tornou-se um mercado, os jogadores uma mercadoria sem procedência, quer dizer, sem pátria. Mas veja-se que isto vale para os brasileiros; não para os uruguaios, colombianos, sauditas e marroquinos. Muito menos para os croatas, espanhóis, ingleses e argentinos.
É possível que desta vez não seja o futebol que esteja desenhando a identidade do país e seu povo, mas sejam o país e o brasileiro que estejam formatando o futebol. Dizia-se que o “futebol arte” do Brasil, cheio de gingas, dribles e improvisos, era uma expressão da alegria, espontaneidade e criatividade de seu povo. Quais seriam, atualmente, os atributos da população e da nação que estariam a entrelaçar-se e identificar-se com o futebol praticado por nossos times?
Desculpem-me os torcedores, mas o futebol do Flamengo, da seleção sub-20, e também do meu querido Santos FC e de outros times da “elite” de nosso futebol, estão dignos da série C. Muito atrás dos times estrangeiros cuja motivação vai além do dinheiro.
Nós, no Brasil, estamos com um futebol série C. Num país série C. Que saudade da Democracia Corinthiana!