Adolescência ficcional
Adolescência ficcional
“Eu odeio adolescente!” – disparou uma aluna durante uma de minhas aulas. Retruquei que ela o é, mas permaneceu a revolta. Embora todas as fases da vida tenham suas peculiaridades e dificuldades, a adolescência é marcada por um turbilhão de incertezas e autocobranças, é o período no qual a necessidade de se afirmar é mais patente, mas não há tantos recursos (e maturidade) para conseguir essa afirmação perante o mundo.
Do rosto geralmente marcado por espinhas à mudança do cabelo. Da transformação da forma física aos processos hormonais. Da falta de dinheiro à ausência da almejada liberdade de ir e vir. E os pais vivem a ficção de que seus filhos estão livres de conflitos, pois estão debaixo de suas “asas”. Mas o fato é que nem sempre somos o pai ou a mãe que julgamos ser. Por vezes, em gestos (in)voluntários, afastamos os rebentos do aconchegante colo de que tanto precisam. Não sabendo a quem recorrer, vão em busca de alguém que está igualmente perdido, quando não se isolam.
Uma pesquisa britânica feita pela empresa Yougov revelou que um terço dos jovens tem dificuldade de estabelecer relações de amizade. Note: parte considerável está atravessada pela solidão, pertencem a uma mesma “tribo”, porém o diálogo é interceptado pelo medo da exposição, sobretudo numa época marcada pelo “cancelamento digital”, pelas redes sociais que exploram constantemente os ideais de beleza e de felicidade. Assim, a comparação é inevitável e, por consequência, se instaura a tristeza pela suposta alegria alheia. Não é apenas a propaganda da maquiagem e os filtros nas imagens. É a vida sendo mascarada, porque “pega bem”. Como dizem: não basta ser. Tem que (a)parecer.
O casal de psicanalistas Diana e Mario Corso afirma na obra “A psicanálise na Terra do Nunca” que a adolescência é uma “utopia etária, vendida como a melhor idade da vida”. Ademais, questionam sobre qual seria a vantagem de permanecer eternamente nessa fase. A Síndrome de Peter Pan tão disseminada pelo Dr. Dan Kiley nos anos 80 em livro homônimo segue atual, haja vista a quantidade de pessoas que se mantém estacionadas na adolescência mesmo já tendo quase 40 anos ou mais. Corpos maduros, cabeças juvenis. Não me refiro a “espírito jovem”, mas a posturas infantis, a irresponsabilidade, a negação da transitoriedade.
Em contrapartida, muitos sequer tiverem a oportunidade de vivenciar a adolescência, seja porque foram privados dela em virtude de obrigações típicas do universo adulto, seja pelo fato de que tiveram essa fase minada por tabus, crenças que contribuíram para tolher esse período tão importante para o desenvolvimento pessoal.
Se a adolescência se apresenta como esse período conturbado e/ou marcado por descobertas sexuais, musicais, gostos e desgostos, é fato que é necessária, pois nos prepara para os adultos que potencialmente seremos. Quem nega isso fica estacionado ou vive no saudosismo achando que poderia ter aproveitado melhor o tempo em que a coluna não doía, em que era mais fácil virar madrugadas etc. O tempo presente-futuro também nos revela sabores e dissabores. Cada fase terá a dor e a delícia de ser, como diria Caetano.
Não existe fase perfeita. Estamos sendo feitos enquanto estivermos dispostos a sonhar em sermos seres humanos melhores. Com a potência aumentada em alguns campos e reduzida em outros. Maturidade é saber dosar onde depositaremos os nossos impulsos e onde vamos repousar e entender que não temos controle sobre tudo. Talvez aí esteja a conciliação do nosso eu criança com o adolescente e o adulto.
Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.
(Texto publicado em A União em 27/01/2023)