O PESO DA BORBOLETA

O peso da borboleta

O cientista Edward Lorenz em 1960 desenvolvia um programa que prometia prever mudanças climáticas com um elevado grau de precisão. No entanto, foi surpreendido por uma variável que conduziu a um resultado muito distante do que supunha. Algo que em tese era insignificante mudou a rota do seu experimento. Como mesmo Lorenz disse: “o bater das asas de uma borboleta em Pequim pode influenciar a formação e a trajetória dos ciclones no golfo do México”. A essa possibilidade de as pequenas mudanças gerarem produtos demasiadamente distintos deu-se o nome de “efeito borboleta”.

No final do ano é comum que projetemos diversos desejos para o tempo vindouro, numa esperança de que sejamos agraciados por dádivas jamais alcançadas. O futuro é como o pote de ouro no final do arco-íris. No entanto, de acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a “insegurança no presente e incerteza quanto ao futuro são nossos companheiros constantes na jornada do viver”. Nessa trajetória não há como nos desvencilharmos da angústia do vir a ser, mas podemos aprender a lidar com isso. Por esse motivo, planejamos, para que haja certa sensação de segurança nos caminhos que escolhemos trilhar. Afinal, quando não se sabe aonde ir qualquer lugar nos parece bom.

Numa era de tanta aceleração, a impressão de que estamos numa centrífuga é constante. As possibilidades nos angustiam, nos desnorteiam, nos paralisam. É o medo do novo. É o conforto do já conhecido. Mas, precisamos seguir. Afinal: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/, Muda-se o ser, muda-se a confiança/; Todo o mundo é composto de mudança/, Tomando sempre novas qualidades”, diz o poeta Luiz Vaz de Camões. Todavia, se as vontades mudam, a essência prevalece e, para que a confiança se restabeleça, é imprescindível o autoconhecimento, que se conquista no silêncio, sobretudo, como também na companhia de afetos e desafetos.

Se não somos infalíveis, ao menos podemos reduzir riscos caso nos comprometamos em reunir recursos à base de investimento em nossos relacionamentos, em nossos estudos, nas músicas que escutamos, nos livros que lemos, naquilo a que assistimos. Não creio que sejamos tão aleatórios. Acredito que, com frequência, nós calculamos os riscos. Embora viver pareça com pular sem paraquedas e torcer para não encontrar tão cedo o solo, preferimos a precaução, o equipamento de segurança.

Ninguém previu a pandemia do coronavírus, ninguém previu todo o mal que assola nosso país e nosso planeta – de catástrofes político-partidárias a crise do humano, passando pelo desequilíbrio e destruição do ecossistema. Isso muda tudo. E precisamos nos reinventar se quisermos prosseguir com esperança, sem a descrença total em amigos, família, em si, na vida. Bem que os dias deveriam representar pequenos réveillons. Por que não? Porque não é a todo tempo que estamos dispostos. Tem hora que o que se quer mesmo é um recesso de ser gente, dormir em posição fetal, pedir retorno ao útero, regenerar-se até que o sol se faça lua e vice-versa.

Antes de dar certo talvez dê muito errado. Uma história de sucesso, não raro, é marcada por uma sequência de infortúnios. O peso da borboleta mudará o rumo e somente o tempo nos fará compreender a sua influência sobre os fatos. E nos restará escolher se vamos ficar nos lamentando sobre a expectativa frustrada ou se vamos nos reposicionar tal qual um girassol diante do astro. A incerteza é global. Tolo é quem está repleto de convicções e é incapaz de se desfazer delas.

Não quero a palavra final. Quero a inaugural. E o entendimento de que nossas vozes são interdependentes e de que há momentos em que é preciso calar para que haja a sinfonia. Viver talvez seja a sincronia entre o salto no escuro e o grito na caverna.

Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.

(Texto publicado em A União em 30/12/2022)