A raposa e o galinheiro

Antigamente as pessoas costumavam interpretar de forma peculiar determinados acontecimentos, que volta e meia movimentavam a sociedade. Uma delas em especial referia-se aos cuidados com a segurança do galinheiro, ambiente destinado a acolher e proteger aves indefesas. A mais letal, sem sombra de dúvidas foi e ainda é a raposa, mamífero da família dos canídeos, famosa por sua astúcia. Seu modus operandi inclui estratégias muito bem articuladas e apesar de comumente executar ofensivas solitárias, ultimamente passou a atacar de forma coordenada, uma maneira de garantir a eficácia das ações perpetradas com um mínimo de efeitos colaterais danosos para os integrantes da malta.

Os resultados das investidas ao galinheiro são dramáticos. Além de penas voando por todo lado, os gritos dos desvalidos ecoam sem que nenhum vivente sensato tenha condições de se aventurar a socorrer os mais necessitados, pelo menos na parte mais baixa dos poleiros, onde os hierarquicamente segregados se amontoam. Ali é cada um por si e no salve-se quem puder, vale tudo para escapar das garras afiadas dos impiedosos predadores ante os desafortunados integrantes da plebe. Até por instinto de sobrevivência, alguns infelizes se obrigam a usar o semelhante como escudo, escada ou trampolim, na ânsia de escapar do sinistro destino. Já nos andares superiores a coisa se mantém naturalmente mais segura e bem mais amena, mesmo porque até para uma raposa experiente, há que se pensar duas vezes antes de cutucar os bichos lá do alto com vara curta. Sempre existe o risco de ser atingido por alguma surpresa de última hora, como particularidades cloacais e também a possibilidade de o caldo, muitas vezes em ponto de ebulição, entornar para o lado errado do caldeirão, se mal ancorado.

Amainada a refrega e reunidos os solapados sobreviventes, é hora de apontar os culpados pela tragédia anunciada, o que não é tarefa difícil: são os ocupantes do poleiro mais elevado. Aqueles mesmo. Os que fazem e desfazem e pensam que mandam no galinheiro e em todos os que, por infelicidade ou desatino ali vierem a se abrigar. À revelia das regras anteriormente estabelecidas, fizeram com que a porta ficasse aberta durante a noite, franqueando dessa forma o ingresso da raposa e sua escumalha, mesmo sabendo que esses delinquentes retornam sazonalmente à cena do crime, até para conferir como andam aquelas galináceas paragens. De nada adianta a justificativa de que foi um caso fortuito, uma vez que esse comportamento tendenciosamente ativista já foi constatado em outros carnavais. O problema é que a memória coletiva é quase sempre menor do que um grão de pólen, o que explica, em parte, a ousadia que carregam os pretensos dominadores do aviário, os do poleiro mais elevado.

O tempo, implacável como sempre, agirá como bálsamo milagroso na cicatrização das feridas abertas por ocasião da invasão do galinheiro e suas consequências. E nos momentos mais acirrados da disputa pela sobrevivência, foi possível vislumbrar ainda que minguados, indivíduos obstinados a defender, na medida do possível, seus semelhantes. Esses poderão no futuro, representar a esperança dos desacreditados, dos menos privilegiados, dos eternos ocupantes dos poleiros inferiores. Mas para isso será necessário atenção redobrada com a raposa e adjacências e vigilância maior ainda com os que manipulam a porta do galinheiro.