Brasil: o berço esplêndido que embala monstros
Por Eduardo Barbosa
Tente imaginar a figura de um monstro. Acredito que logo surgem várias imagens. Um ser não-humano. Um lobisomem. Um extraterrestre. Um vampiro. Uma fera meio animal e meio humana. Um psicopata. Um serial killer.
Veja que a tendência é falarmos de monstros como se eles fossem uma falha no sistema e não uma produção seriada do próprio sistema. Por essa via eu olho o caso da mulher violada por um “anestesista” no momento em que dava à luz. É estarrecedor. É chocante. É traumatizante. É intolerável. E eis o monstro que rouba a luz desse momento já difícil da parturiente. Gerar uma vida dentro de si não é fácil. Suportar a gestação não é fácil. Partos não são fáceis. Logo, o parir é a difícil retomada do próprio corpo enquanto se entrega ao mundo outro corpo que se alimentou de si por nove meses. A luz é movimento duplo. Ao que foi gerado é exibido o mundo aqui fora. À que gerou é o momento de voltar a ter apenas um corpo em si.
No caminho de muitas mulheres “dar à luz” significa muito mais sofrimento do que luz. Quantas mulheres são violadas e impedidas legalmente de interromper o fruto da violência? De quantas meninas são roubadas a infância porque em seus caminhos surgiu “um monstro” que lhes transformou violentamente em gestantes? E, do caso tratado aqui, quantas mulheres escolheram gestar seus descendentes por vontade própria e no meio do caminho encontraram aquele mesmo “monstro” a lhes violar o corpo? Eis que se vai a luz.
O ponto que eu quero chegar: em que corpo um monstro é gerado?
Não é no útero de uma mulher. Nunca é. É aqui fora. O embrião surge quando líderes dizem que ao fraquejar na cama nasceu desse sexo uma menina. Ou quando se diz que lugar de mulher é na cozinha. Quando se fala que a mulher é o sexo frágil. Quando se diz que mulher direita não mostra o corpo. Quando se diz que mulher para casar é aquela que não transa com muitos parceiros. É este o corpo que gera o monstro. É daqui que sai este monstro que viola meninas, meninos, mulheres sedadas em camas de maternidade.
O que nós devemos parar para refletir é o que temos feito para permitir que um país se torne uma incubadora de monstros. É esse cenário que queremos deixar para as próximas gerações? Nós queremos mesmo construir um lugar no qual mulheres e crianças sejam alvos permanentes de violências sexuais? Até aqui parece que há um esforço enorme para que o Brasil seja berço esplêndido do machismo, do feminicídio, da posse do Estado do corpo da mulher.
O Brasil virou um berço de monstros balançado por mão de governo. Armas para a população. Políticas de destruição dos povos originários. Racismo em falas de cercadinho. Machismo embalado em papel de piadas. A cabeça do tiozão que fala “espontaneidades” gesta a semente do mal. Monstros não necessitam de útero para sua gestação, basta uma mente machista e uma língua “espontânea”.
Quando você se sentar com seu filho à mesa no jantar olhe bem para ele e se pergunte se a educação que você lhe serve formará um homem que sabe respeitar as pessoas à sua volta. Será que a refeição principal na sua casa é o respeito? Ou será que você tem jogado seus descendentes na incubadora de monstros?
Não há luz na gestação de monstros. A saída de emergência desse Brasil apodrecido está na gestação de pessoas que, acima de tudo, respeita x outrx, que não produz corpos frágeis e submissos ao desejo de “machos” fortes.
Protestemos contra a classificação “sexo frágil”. Protestemos contra esse Brasil que viola suas mulheres, suas meninas, seus meninos. Protestemos em favor de um berço esplêndido no qual as mãos de nossos governantes embalem o Respeito e não a violência.