"O analfabeto político"
Atribui-se a Bertolt Brecht, renomado dramaturgo, poeta e romancista alemão (1898-1956), o aclamado poema ─ e muitas vezes também ignorado ─ “O analfabeto político”. Brecht viveu o efervescente período político e social que incluiu as duas guerras mundiais e a Revolução Russa, quando se confrontavam convicções monarquistas, republicanas, fascistas, nazistas, capitalistas, socialistas e comunistas. O poeta disse de si mesmo: “Sempre fui politizado, pois só podemos mudar a realidade quando somos instruídos por ela”.
Talvez o poema esteja tantas vezes ausente dos livros do poeta pela agudeza das palavras, que, sem dúvida, são duras recriminadoras do pecado que todos nós costumamos cometer, pelo menos em alguns momentos da vida: o pecado do alheamento e da omissão. Quem não conhece o poema deve procurar conhecê-lo, ele é facilmente encontrável na web. Um trecho, que não é o mais pungente e cruel, diz:
“Não sabe o imbecil [o analfabeto político] que da sua ignorância política
nasce a prostituta, o menor abandonado
e o pior de todos os bandidos,
que é o político vigarista, pilantra,
corrupto e lacaio das empresas
nacionais e multinacionais.”
Por suas convicções e seus contundentes escritos, Brecht foi obrigado a ter uma vida de refugiado político: Alemanha, Dinamarca, Suécia, EUA, Suíça e de volta à Alemanha, após o final da Segunda Guerra Mundial e do regime nazista. Sua peregrinação pelos países que lhe concediam asilo parece traduzir o conhecido aforismo: “A mentira desgasta relacionamentos; a verdade não, a verdade devasta”.
Atualmente, no século XXI, estamos vivendo outro momento de efervescência política e social, agora com recrudescidas sequelas bélicas e ambientais globais, que muitos entendem que podem pôr em risco a própria sobrevivência da civilização atual. Neonazismo, neofacismo, extremados autoritarismos e fundamentalismos, crescente violência, terrorismo, racismo, xenofobia e intolerâncias de toda ordem, a par de crises econômicas, ambientais e políticas, indicam que a humanidade encontra-se num drástico momento de falência dos arranjos vigentes. Anúncio de uma necessária transição para um novo arranjo civilizatório, que seja capaz de superar a crônica incapacidade de empatia e de diálogo, que resulta nas imensas desigualdades sociais. É hora de encarar e corrigir a desumana realidade de injustiças que vivemos, e não dela se alienar, fazendo de conta que ela não existe.
Mouzar Benedito, amigo jornalista e escritor que ama o Brasil e sua diversidade cultural, definiu a si mesmo numa frase: “Nunca acreditei em jornalismo imparcial; temos lado, sempre. Quem se omite é do lado dos opressores.” Melhor assumir o lado, e debater o bom debate, que omitir-se, e assim personificar o analfabeto político.
Só o exercício do bom debate, ainda que no início nossas arraigadas paixões obnubilem nossa razão e compreensão, há de nos ensinar a enxergar os caminhos para que a humanidade enfim ultrapasse a era dos egocêntricos instintos animais e alcance a idade da solidariedade e da harmonia. O salto que já estamos preparados para dar, mas que ainda tanto titubeamos.