Inflar o ego e encher o bolso

Estas parecem ser duas necessidades básicas do ser humano. Talvez herdadas dos nossos ancestrais ainda selvagens, e com finalidades biológicas, como a preservação e evolução da espécie.

Inflar o ego viria em primeiro lugar. Uma necessidade essencial de ser reconhecido, para assim reconhecer-se? Desde crianças mostramos esta necessidade de “aparecer”, mas ela se revela principalmente na adolescência, quando, de tuteladas crianças, passamos a ser supostos independentes e responsáveis adultos. A permanência, no adulto, do ego sempre carente de ser inflado parece resultar de uma incompleta passagem para a maturidade. O indivíduo ainda não se reconheceu, precisa do reconhecimento do outro.

Encher o bolso vem depois. É possível que inflar o ego tenha, entre um de seus objetivos, encher o bolso. Os dois, inflar o ego e encher o bolso, muitas vezes são complementares, andam juntos. Encher o bolso amiúde, mas nem sempre, significa explorar o trabalho de outros. É preciso para tanto subjugar e lograr o outro. E isso é mais fácil quando o ego do explorador já foi suficientemente inflado.

Pudera escapássemos da congênita necessidade de inflar o ego e encher o bolso. Seríamos seres mais solidários, mais sóbrios, mais responsáveis com o próximo, com os seres vivos animais e vegetais, com o planeta que supre os requisitos para a vida. Ego inflado e bolso cheio significam o esgarçamento do tecido social e a depredação da natureza. Quer dizer, injustiça, miséria, crimes, guerras, mudanças climáticas, exaustão de solos antes férteis, poluição de mananciais...

Curioso, no campo ideológico, nem “direita” nem “esquerda” parecem encontrar o caminho para a harmonia da sociedade com ela mesma e com a natureza. Talvez porque a direita tenha muito bem definido o objetivo de encher o bolso, e sabe como ninguém unir-se visando esse alvo. Já a esquerda, embora sonhe com a tolerância, a justiça social e a sobriedade na lida com a natureza, perde-se num indomável impulso para inflar o ego. Impulso que transforma os presumidos correligionários em adversários que se batem e se pulverizam em facções. Querelas que não acontecem na direita; encher o bolso torna secundárias todas as eventuais discordâncias. Esquerdistas são dogmáticos, direitistas são pragmáticos.

Albert Camus teve a lucidez de distinguir o homem revoltado do homem ressentido. O primeiro revolta-se com a opressão que vem de fora; ela lhe confere o legítimo ânimo para a revolta. O segundo bate-se em conflitos internos que envolvem, mais que razões, as emoções. O ressentido é movido pelas paixões, não é capaz de eleger uma prioridade objetiva e por ela relevar discordâncias menores.

Revoltados e ressentidos têm a ver com bolso cheio e ego inflado, e também com direita e esquerda. O bolso cheio de uns traz a miséria e revolta de outros. O ego inflado de beltrano espicaça o ciúme a e a inveja de fulano.

Existem também pessoas que não almejam nem ego inflado, nem bolso cheio. Aprendem a lidar com seus instintos e melindres. Não são ressentidas, são serenas mas conseguem revoltar-se quando a situação assim exige. São simples, sóbrias, pacíficas, lúcidas e incisivas na argumentação. Há raros exemplos ao longo da História. Pudera lográssemos segui-los. Mas, a maioria foi assassinada.