Fobias

O medo é uma reação psíquica natural, o pavor é uma reação desproporcional, irracional, com intensidade capaz de causar sofrimento ao indivíduo, reduzindo-lhe a capacidade de ação. Longe de tentar elucidar a origem dos comportamentos fóbicos em milhares de pessoas, deixo essa missão para os psicoterapeutas, sobrecarregados de pacientes portadores de transtornos mentais pós pandemia.

Acompanhei o desenvolvimento da terceira infância de Mônica, nesse período o medo de dormir sozinha dominava-a. Relatava-me sobre uma sensação de que criaturas estranhas e vultos lhe observam, fazíamos uma oração, depois eu apagava, não via nada, pouco ajudei na solução do problema dela, sempre eu adormecia rapidamente. Acredito possuir uma facilidade para relaxar e dormir.

No colégio, quando passei para o período noturno foi muito complicado segurar a soneira, naquela época, estava com dezoito anos e prestava o serviço militar. A madorna tinha uma causa, eu vivia esgotado. Tinha consciência que precisava ao menos concluir o ensino médio. Não sei como consegui, com certeza existiu a complacência dos professores e um pouco de “esperteza” da minha parte. Às dezessete horas iniciavam as aulas, encerravam as vinte e duas horas, muitas vezes, só conseguia assistir a primeira aula e depois só despertava pela bondade de algum colega.

Existia no quartel uma escassez de soldados, o contingente estava reduzido e a escala não permitia recompor minhas energias, por isso o patriotismo foi esquecido, somente uma idéia ecoava na minha mente. Durma, durma profundamente, um sono profundo e reparador. Vivia como uma sombra, arrastando um fuzil, cujo destino era o posto de observação, isolado, apesar disso, nunca senti medo. O cansaço dominava-me por completo, por esse motivo, varias vezes fui flagrado dormindo, inerte, nunca percebi quando o “inimigo” se aproximava.

O comandante, sabedor das transgressões recorrentes aplicava a punição regulamentar, geralmente cinco dias de prisão rigorosa. No entanto, saia da sala de audiência alegre, porque iria descansar. Nunca entenderam a minha satisfação de ser penalizado. O xadrez ficava atrás da sala de Estado, eu via, escutava as trocas da guarda, um dia de serviço e outro de folga, ninguém agüentava, os soldados pareciam uma tropa de zumbi.

Minha “conhecida” já havia se tornado uma adolescente, caminhávamos alegremente pelo bairro, não percebemos um comércio inaugurado recente, com espaçoso salão de exposição, onde vários ataúdes aguardavam seus compradores, em uma fração de segundos, Mônica volveu a cabeça na direção deles, imediatamente deu um grito, segurou meu braço, com o semblante completamente pálido, desfigurado pelo pavor, tentou correr, mas impedi seu movimento de fuga, observei o desconforto irracional que aqueles caixões produziram em minha enteada.

A reação dela proporcionou-me boas risadas. Sem demora, nós nos afastamos do local, indaguei-lhe o porquê de tanto desespero. Quando estava mais calma, confidenciou-me: “nem depois de morta entraria em um caixão”. Morria de medo do "paletó de madeira". Faltava-lhe o ar e seu coração disparava, uma sensação de morte iminente apossava-se dela. Um terror incontrolável produzia-lhe uma sensação de pânico horrível.

Recordei-me da primeira vez que avistei um caixão, foi num velório, há muitos anos atrás, naquela época, só serviam cafezinho e no máximo uma bolachinha de água e sal, as pessoas choravam e falavam baixo, não escutávamos quase nada, existia um acurado senso de respeito pelo finado, eu reconhecia as virtudes do meu padrinho, famoso tisiologista, muito caridoso, tirava um dia da semana, somente para consultar os que não tinham condições de pagar, sempre que podia, ajudava os necessitados, com medicamentos, amostras grátis. Pela minha estimativa estava com sobrepeso, possuía baixa estatura e não tinha hábito de se exercitar, perdeu a batalha para o colesterol, o coração não resistiu e ele "bateu as botas", antes da aposentadoria.

Minha madrinha era uma pessoa educada, generosa e inteligente, nunca me deu um presente, mas todo o ano, na data do meu aniversário, recebia um envelope com uma certa quantia. Ficou viúva relativamente nova, em boa situação financeira, herdou uma boa casa, o automóvel e um seguro de vida.

Naquela época, contava eu com uns seis ou sete anos, não lembro com exatidão, mas nunca me esqueci da reprimenda de minha mãe, entretanto foi ela mesma que fez questão que eu fosse. Quando cheguei ao velório, fiz questão de procurar primeiro a minha madrinha, porém ainda não estava acostumado com os tipos de cumprimentos e acabei desejando parabéns em vez de condolências.

Mônica atualmente está com vinte e dois anos, continuamos bastante amistosos, está casada, tem uma linda filha, mas seus problemas não diminuíram, continua apavorada, há poucos dias me confidenciou que a sua vida não está sendo fácil, não financeiramente, mas por causa das coisas que não quer enxergar. Ela trabalha em um hospital, vive aterrorizada. Um dia estava de plantão e um enfermeiro andava de um lado para o outro com uma mulher nas costas. Aconselhei-a relatar o fato ao colega, entretanto ela descartou a possibilidade, não iria passar por louca. Ela não sabia se iria suportar a “barra pesada”, embora não trabalhasse diretamente com os enfermos e permanecer diretamente na farmácia do hospital, ao final do corredor se localiza o necrotério, é um vai e vem absurdo, relatou-me.

Gil Braga
Enviado por Gil Braga em 29/07/2022
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