De barriga vazia não dá para sorrir, cantar e sonhar

Há 45 anos Caetano Veloso lançava a música Gente, que trazia algumas frases interessantes “gente é muito bom”; “tem de se cuidar e de se respeitar o bom” e, ainda, “gente é pra brilhar, não pra morrer de fome”. Naquela época o desemprego, a violência, o abismo social, os preconceitos, a discriminação e o abandono eram crescentes. Passados dez anos num cenário econômico e social não muito diferente, os Titãs lançaram a música Comida que alertava “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

O Brasil de hoje experimenta um retrocesso e lembra muito aquele tempo que imaginávamos superado. O desgoverno, a institucionalização da violência, a precarização dos empregos, a redução dos salários e a devastação ambiental possibilitaram que a miséria retornasse aos cruéis patamares de outrora. O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, revela que já temos mais de 33,1 milhões de miseráveis.

Enquanto se esperava ações objetivas, o que observamos é um governo que insiste em desmontar políticas públicas, acirrando as desigualdades e piorando o cenário econômico e social. O alto preço dos alimentos básicos, do gás de cozinha e dos combustíveis levaram pessoas às práticas perigosas como improvisar fogões de madeira, álcool e outros artifícios, além do desespero de revirar o lixo, comer carcaça ou engrossar o contingente de pedintes nas portas dos comércios e nas esquinas de quase todas as cidades.

Ao analisarmos o contexto da fome e da insegurança alimentar devemos ficar alertas às suas consequências para o futuro das pessoas e do país. Além da evasão escolar, crianças mal alimentadas são prejudicadas no desenvolvimento físico e principalmente cognitivo com atrasos sociais e econômicos terríveis. O chamado “celeiro do planeta” desprestigia biomas como Amazônia e Cerrado, pretere a agricultura familiar e opta pelo modelo agroexportador destrutivo. Se por um lado o resultado da balança comercial do agronegócio apresenta o expressivo superávit de US$ 43,7 bilhões entre janeiro e abril deste ano, por outro, o país ainda precisa importar itens indispensáveis na cesta básica como trigo e arroz.

Em 2021 o cantor Luan Santana participou da ação Panela Cheia Salva, realizada em parceria com as associações CUFA, Frente Nacional Antirracista e Gerando Falcões. Na letra o lembrete de que "Panela vazia mata / Se a fome bate, maltrata / Quem passa fome passa a não sonhar". Curiosamente artistas sertanejos se veem envolvidos na polêmica dos altos cachês pagos por prefeituras que sequer fornecem educação, saúde e assistência social básica aos seus munícipes. O povo merece curtir as atrações musicais e, se bem utilizada, a indústria de shows e eventos pode gerar renda, empregos e benefícios, mas infelizmente não é o que as notícias apontam.

De barriga vazia não dá para sorrir, cantar e sonhar, o efetivo combate à fome é urgente e existem soluções que podem ser implementadas começando pelo fortalecimento e ampliação dos programas de transferência de renda e chegando à retomada programada do crescimento econômico. Para nós um exercício interessante será conhecer o pensamento e as propostas dos onze pré-candidatos á presidência da república sobre os diversos temas, principalmente economia e trabalho, além de observar a capacidade de cada um em se sensibilizar e agir diante de um brasileiro que passa fome. Um bom político precisa gostar de gente e compreender que gente não só quer, mas precisa de comida, diversão, arte e dignidade.

ANDRÉ LUIZ DA SILVA
Enviado por ANDRÉ LUIZ DA SILVA em 13/06/2022
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