Eros e Tânatos

Nós, humanos, somos movidos por duas forças opostas e complementares: amor (Eros) e ódio (Tânatos). Eros consubstancia-se em tudo aquilo que edifica, acrescenta, cria, faz evoluir. É a celebração da vida, da alegria de viver e de compartilhar, da esperança, da renovação. Tânatos é tudo que destrói. É a morte, o fim, a perda, o vazio, a descrença. Não quer dizer que Tânatos não tenha seu papel na evolução. O novo demanda a superação, o fim do velho. Mas Tânatos descontrolado pode levar à morte do velho antes do vislumbre do novo. Não seria, então, evolução; seria extinção.

Tânatos é herança dos antigos répteis. Ele tem guarida no chamado cérebro reptiliano, que ainda conservamos. Esse cérebro primitivo, agressivo, foi muito importante entre os répteis, que evoluíram dando origem aos mamíferos. A agressividade, a violência, era então questão de sobrevivência e evolução da espécie. Os répteis não tinham nem mesmo empatia para cuidar de suas crias. Era o sol que chocava os ovos. As ninhadas sobreviviam ao acaso, se escapassem de ser devoradas pelos próprios familiares, no caso dos predadores.

Os nossos ancestrais mamíferos já desenvolveram o cérebro límbico. Começava o cuidado com a prole e o bando, já não eram animais completamente egoístas. Embora o cérebro reptiliano continuasse com funções fundamentais, pois a luta pela sobrevivência ainda era feroz.

Depois, já mais humanizados, desenvolvemos o neocórtex, que nos faculta analisar, prever, inventar, refletir; enfim, pensar. O neocórtex é o responsável por conseguirmos balancear a ação dos cérebros reptiliano e límbico, diante das diversas situações da vida, em que ora precisamos ser combativos, ora carece sermos amorosos.

Há ainda quem diga que já estamos desenvolvendo um novo cérebro. Seu gérmen seria a pequena glândula hipófise, situada na base do crânio. Ali se realizaria a atividade cerebral que já nos afasta dos contraditórios seres humanos atuais, aproximando-nos dos seres celestiais evoluídos. Os quais, se ainda não os somos, já fazemos concebê-los e até cultuá-los. São os nossos iluminados mestres e profetas.

A História nos revela: a humanidade, e os indivíduos humanos que a constituem, ora vive momentos de extravasamento do cérebro reptiliano, ora o refreia, dando expressão àquela mescla entre reptiliano, límbico e neocórtex. Às vezes até com vislumbres da amorosidade irrestrita, concedida pelo cérebro mais evoluído, o cérebro materializado na hipófise. Os momentos do cérebro reptiliano são os momentos de ganância, desavença, totalitarismo, guerras de dominação e destruições. Os momentos em que o límbico, o neocórtex e o hipofisário conseguem expressão são épocas de paz, prosperidade, criatividade e evolução da espécie.

Todavia, parece mesmo que o cérebro reptiliano e a capacidade de luta pela sobrevivência que ele exerce são indispensáveis, num mundo em que há ainda muitos seres humanos que parecem só dar vazão ao seu cérebro primitivo. São seres que, ao longo de uma existência de conflitos, só souberam reprimir a manifestação dos outros cérebros. E nem sempre isto foi uma escolha, mas sim foi uma imposição de circunstâncias, de um ambiente adverso, onde a sobrevivência dependia da fria sagacidade do réptil.

Dizem também que, respeitando a cronologia evolutiva, diante de súbitas situações críticas, todos nós reagimos primeiro com nosso cérebro reptiliano. Se somos agredidos, de imediato tendemos a reagir com ainda mais agressividade; nos noticiários, as notícias de violências e tragédias atraem muito mais que aquelas que dão conta de pacíficos entendimentos; as mentiras conspiratórias têm muito mais repercussão que verdades edificantes. Por esse motivo recomenda-se que, antes de uma reação precipitada diante de uma situação extrema, contemos até dez: é o tempo para acionar o cérebro límbico, o neocórtex e a hipófise, antes que façamos uma reptiliana besteira.

Vivemos um momento histórico em que, em todo o mundo, o cérebro reptiliano está sendo exaltado, por indivíduos, nações, agremiações religiosas, políticas, econômicas, ideológicas. Isso parece resultar de uma intrincada e inusitada conjunção de fatores, que inclui desde a enormidade da população da Terra até o voraz sistema econômico vigente e as sofisticadíssimas tecnologias de informação e desinformação. Premidos por estas forçantes, os seres humanos são seduzidos por crenças e comportamentos que caberiam bem para bandos de predadores, sejam extintos velociraptors ou atualíssimos lobos-cinzentos.

A capacidade de destruir que a engenhosidade humana alcançou não nos permite mais negligenciar a manifestação do cérebro reptiliano. Ele precisa ser humanizado. É isso que a educação, a cultura, as leis, os órgãos de segurança e o sistema penal tentam fazer: conter, civilizar ou penalizar aqueles que ainda não conseguem controlar a fera introjetada. Na atualidade, agir sob o comando do cérebro reptiliano não é mais lutar pela sobrevivência; é arriscar a extinção da espécie humana e da vida no planeta.

O apoio explícito à tortura e a exaltação de torturadores, o confesso totalitarismo, a sistemática agressão àqueles que têm opinião diversa, o descaso com pandemias mortais, suas vítimas e familiares, a apologia do armamentismo, da violência da mentira e da intolerância, o linguajar escatológico, chulo e colérico, a completa incapacidade de empatia com outros seres humanos, o negacionismo e a ignorância, são todos sinais da desvairada manifestação do cérebro reptiliano. Uma insanidade, que precisa ser contida. Principalmente se acometer pessoas que ocupam cargo de mando, e assim são capazes de incitar o réptil que ainda espreita dentro de todos nós.

Há quem defenda que seu antídoto, mais eficaz que o embate, é o amor de Eros. Sóbrio, sereno, doce, sapiente, firme. Por certo é o desamor que engendrou, talvez inadvertidamente, os infelizes seres humanos que não conseguem escapar do comando do cérebro reptiliano. Neles dormem o cérebro límbico, o neocórtex e a hipófise. É preciso encontrar o caminho para despertá-los.