CAÍRAM AS MÁSCARAS?
CAÍRAM AS MÁSCARAS?
Com a liberação do uso das máscaras, muitos ficaram divididos entre retirá-las ou não. Em contexto não pandêmico e metafórico, reflito que essa é uma questão bastante particular e também impossível, pois nunca mostraremos nossa verdadeira face, pois temos diversas facetas condicionadas a circunstâncias várias. Por exemplo, é muito fácil ser simpático quando se está bem alimentado, teve uma boa noite de sono e está com banho tomado.
Nós somos constantemente impelidos a vestir a máscara que nos seja mais confortável, a que não nos gerará sofrimento, porque estamos constantemente em busca de aceitação. Há algum problema nisso? Sim, porque chegará o momento no qual teremos de prestar contas ao tempo, por termos vivido um personagem. “Quando quis tirar a máscara/estava pegada à cara/quando a tirei e me vi no espelho,/já tinha envelhecido”. Diz o poeta Fernando Pessoa.
É preciso estar muito atento para não ser sequestrado pelos anseios alheios, como se fôssemos marionetes movidas aos seus bel-prazeres. Estamos no modo automático, desejando respostas imediatas e soluções mágicas para aquilo que é processual. Estamos construindo nossos sonhos ou estamos nos bastidores ajudando outra pessoa a construir os dela? O problema não está em ajudá-la, mas em se esquecer de que só é possível arrancar ao máximo a(s) máscara(s) se não formos de encontro a nós mesmos. A preposição faz toda a diferença – pergunte-se: tenho ido de encontro a mim ou ao encontro de mim? Se a resposta for a primeira, qual será o caminho que se deve trilhar? E mais: como? Com quem? Quando?
Quando já não tivermos vergonha das cicatrizes, da cara quebrada. Talvez, assim, conseguiremos viver mais em conformidade com aquilo que queremos e com o que somos. Tirar as máscaras é uma oportunidade de nos (re)conhecermos.
Ainda sobre as máscaras, muitos já estavam sob elas antes da pandemia do novo coronavírus devastar o planeta. Com muita dor, vimos faces, na verdade, eclodirem em um formato mais autêntico – ainda que não agradável.
Os mais ingênuos acreditaram que seria a chance de promover a solidariedade. Porém, no movimento que já vínhamos fazendo, eu tinha a certeza de que o egoísmo e o instinto de sobrevivência predominariam. O que vimos foram milhares de pessoas mais preocupadas, literalmente, com os seus traseiros do que com quem passava fome. Evidentemente, podemos contrastar esse cenário ao fato de que milhares de profissionais de saúde arriscaram suas vidas e até mesmo as perderam para que pudessem salvar tantas outras.
Nada me entristeceu mais do que o negacionismo, que vejo como um eufemismo para o termo “burrice”. O vírus da ignorância foi inoculado mais abruptamente do que o próprio corona. E o pior (me parece) é que estamos muito distantes de sequer abrandá-lo, pois pior do que a insipiência é quando se insiste em se manter no obscurantismo. Que me perdoem (ou não), mas para mim é inaceitável a ideia de que, tendo todas as condições de acesso ao conhecimento, uma pessoa prefira se manter alheia ao mundo.
É o que se tem chamado de “realidade paralela”. Surreal, não? Platão, no “Mito da Caverna”, já nos atentava para o fato de que muitos preferem as sombras, se manter na sua “bolha” a encarar que estão enganados. Essa talvez seja a maior confirmação de uma vaidade: a de querer estar sempre certo, a de não admitir o erro, como se isso fosse reduzir sua credibilidade. Todavia, é muito mais decente reconhecer a falha e pedir desculpas.
É infinito o que desconhecemos. Crescemos muito mais quando admitimos nossa incultura, porque assim podemos dar espaço ao conhecimento. Infelizmente, parece que perdemos nosso apetite para a ciência. Nossa curiosidade tem se voltado mais ao fútil, ao inútil e ao nada prático, quando é necessário usar nosso impulso criativo para modificar realidades que nos fazem sofrer.
Já estava na hora de retirar nossas máscaras. E agora desejo que se renovem as vestes: a da esperança de que tenhamos aprendido, de fato, alguma coisa e a de que a perda de milhões de vidas não tenha sido em vão.
Leo Barbosa
Texto publicado em A UNIÃO em 20/05/2022