O golpe da bênção

O jornal da cidade média interiorana onde vivo traz uma notícia de fato acontecido numa estrada rural de uma pequena cidade vizinha, ainda mais interiorana. O carro de um casal de gente simples da roça teve uma pane, e logo apareceu um outro casal, disposto a ajudá-los. Não consertaram o carro, mas fizeram orações e bênçãos para afastar o azar do veículo, dos bens e do devir do ingênuo e desafortunado casal de lavradores. Abençoaram inclusive a bolsa da mulher, onde estavam bens pessoais, incluindo a carteira com o cartão de banco e a senha anotada num papel. Sim, porque a memória de uma trabalhadora da roça não é feita para lembrar números que são usados uma vez por mês na cidade.

A notícia não diz como foi, o desaventurado casal conseguiu chegar à cidade, e logo constatou que a bolsa da esposa fora aliviada de tudo que tinha valor. Depois, descobriram que a conta bancária também fora aliviada, de tudo o que tinham, e mais o que não tinham. O dadivoso casal distribuidor de bênçãos fora rápido e minucioso, depenou o crédulo par de vítimas até o último centavo. Talvez até estivessem confiantes ser um preço justo a ser pago para aprender uma lição capital: a fé cega é desastrosa.

Essa notícia de jornal de interior é uma metáfora de sentido generalizado para toda a sociedade: o golpe da bênção é uma atualização do antigo golpe do pagamento de indulgências, que existiu desde sempre, e que teve seu apogeu durante a Santa Inquisição, quando a Igreja Católica aterrorizou e perseguiu alegados hereges pecaminosos, amiúde condenando-os à fogueira e outras penas bárbaras. Para escapar dos pecados e da condenação, os fiéis pagavam pesados tributos, compravam o perdão.

Hoje, além do perdão compram-se outras bênçãos. O casal da estrada rural foi induzido a aceitar as bênçãos para afastar o azar e alcançar a ventura. Distraído, o preço pago foram suas economias, acrescidas de dívidas. Os muitos fiéis incautos das igrejas adeptas da nova teologia da prosperidade, fragilizados e ludibriados pelo momento de incertezas que vive a humanidade, compram a salvação, a paz de espírito e a promessa de abastança, pagando tributos que muitas vezes significam, na verdade, a redução do alimento na mesa de famílias penalizadas pela injustiça social e a pobreza.

Os pastores da teologia da prosperidade não surrupiam às escondidas a bolsa e o cartão bancário de seus fiéis. A fé cega faz com que os crentes entreguem confiantes e de bom grado suas economias, tal como faziam os pecadores da época da inquisição para redimir seus pecados. Agora com a diferença que os tributos não só livram das culpas, mas são a promessa da conquista da prosperidade e da riqueza.

A fé na prosperidade é reforçada pelos suntuosos templos edificados para acolher os aflitos fiéis, e pelos convincentes discursos de missionários que ostentam inquestionável riqueza. Diante de tanto fausto, não parece possível que tal fé não traga, de fato, fortuna e felicidade.

Na verdade, a astúcia do casal abençoador na estrada rural da pequena cidade do interior não é diferente da lábia dos pastores que convencem o desesperado fiel a entregar para a igreja o dinheiro que seria para pagar o aluguel. Ambos abusam da fé e da ingenuidade do povo simples, para espoliá-lo.