O VAZIO DE PENSAMENTO

ATENÇÃO: faz-se necessário ler, antes, o texto anterior "O MAL RADICAL", (aqui mesmo, neste espaço) do qual este é continuação e complemento. Resumo de TESE DE DOUTORADO de Nádia Souki, de 1998, em segunda edição, edit. UFMG.

O VAZIO DE PENSAMENTO

1 - o pensamento, em seu sentido não-cognitivo, como uma necessidade natural da vida humana, como a realização da diferença dada na consciência, não é uma prerrogativa de poucos, mas uma faculdade sempre presente em todo mundo; do mesmo modo a inabilidade de pensar não é uma imperfeição daqueles muitos a quem falta inteligência, mas uma possibilidade sempre presente para todos -- incluindo aí cientistas, os eruditos e outros especialistas em tarefas do espírito. Todos podemos vir a nos esquivar daquela interação com nós mesmos, cuja possibilidade concreta e cuja importância Sócrates foi o primeiro a descobrir. O pensamento acompanha a vida e é ele mesmo a essência desmaterializada do estar vivo. Uma vida sem pensamento é possível, mas "(...) ela fracassa em fazer desabrochar sua própria essência -- ela não é apenas sem sentido; ela não é totalmente viva. Homens que não pensam são como sonâmbulos". (in "A Vida do Espírito", pag. 141, de Hannah Arendt)

Depois de termos visto como o pensamento é abordado, na concepção arendtiana, passaremoa a tratar, agora, da possibilidade de sua não-utilização dentro da experiência humana e as implicações éticas e políticas advindas desse fato. Referimo-nos a não-utilização, pois seria inadequado falar em ausência ou privação de pensamento, desde que essa faculdade, como já marcamos anteriormente, não é prerrogativa de alguns, mas um atributo essencial do ser humano. Tal qual a faculdade de pensar está sempre presente em todos, também a inabilidade de pensar não é prerrogativa de alguns, mas sim a possibilidade, sempre presente em todos, de esquivar-se da interação consigo mesmo". (pags 118-119)

2 - O VAZIO DE PENSAMENTO

(...) é importante observar que o termo "vazio de pensamento" não se encontra suficientemente delimitado e nem localizado especificamente na obra de Hannah Arendt. Mas ele pode ser destacado sempre apresentando as seguintes características: encontra-se salpicado em diversos pontos de sua reflexão sobre o mal com os nomes de "ausência de pensamento", "superficialidade" e "irreflexão" e se acha sempre associado à banalidade do mal. Além disso, como um vazio, um negativo, ele não é definido por si, mas a partir de seu positivo: O PENSAR. Já que o que temos em mãos são essas três características, passaremos então a segui-las como pistas para se chegar a uma possível descrição do fenômeno". (PAG. 119)

(...) o senso comum é o que nos dá acesso ao real, e a realidade apreendida por nossos sentidos é garantida pela segurança constante com que os outros percebem e manipulam os mesmos objetos, num mundo em que nos percebemos em comum. Sem essa garantia o REAL se esvanece, dá lugar à ficção e dá espaço á crença de que tudo é possível. Somente o senso comum vivaz, a percepção e a AÇÃO EM COMUM num Mundo compartilhado podem resistir a essa eliminação da objetividade do mundo real. (...) O senso comum é, então, o ponto de partida e ponto de chegada do pensamento. Finalmente, podemos dizer que é através que é através da desvalorização do senso comum (o senso do real) -- estimulada pela propaganda totalitária e possibilitada pela condição de isolamento do homem de massa -- que o "vazio de pensamento" se torna uma realidade.

Passemos então à análise do segundo parâmetro, para se pensar as contingências em que se dá o "vazio de pensamento": A IDEOLOGIA DO MOVIMENTO. O totalitarismo é uma ideologia em que tudo é movimento e em que TUDO é possível. O regime totalitário pode ser descrito como uma obsessão de movimento. De fato, esse regime vive em estado de requisição permanente, forçando uma marcha constante para frente, e toda tentativa de estabilização deve ser sufocada na origem. (pag. 123) Como já vimos no Capítulo II, no Estado totalitário o movimento se encontra erigido como princípio absoluto. (...)

3 - "Se todo pensar exige um "pare-e-pense", tal movimento permanente é incompatível com a atividade de pensar. Nessa pausa onde o homem pode suspender, provisoriamente, seus juízos de valor e suas certezas prévias, "parar-para-pensar" é o primeiro ato de resistência a uma imposição EXTERNA, uma exigência de OBEDIÊNCIA. É exatamente nessa parada, momentânea mas decisiva, que o homem pode começar a realizar sua autonomia. E esse fluxo contínuo, que interdita qualquer parada, qualquer pensamento, tem como objetivo, exatamente, o automatismo em que os homens deixam de interrogar para, prontamente, OBEDECER.

Em decorrência disso, como o pensar não produz resultados práticos, ele passa a ser desprezado, pois a multidão quer ver resultados imediatos. Além de não produzir resultados, o pensamento faz dissolver todas as verdades previamente estabelecidas, por isso se diz que ele é perigoso. O pensamento é "FORA DE ORDEM" não só porque interrompe todas as demais atividades necessárias para os assuntos vitais e para a manutenção da vida, mas também porque inverte todas as relações habituais. Disso resulta que a ausência de pensamento, ao proteger os indivíduos contra os perigos da investigação, ensina-os a ADERIR rapidamente a tudo o que as regras de conduta possam prescrever em determinada época para uma determinada sociedade -- essa ausência induz ao conformismo. Essas são as contingências que obrigam o homem a não-pensar e, ao mesmo tempo, A SE SUBMETER.

4 - Pensemos, então, como estes pontos -- aqui arrolados -- organizados sucessivamente, interditam, a cada passo, a espontaneidade do homem na atividade de pensar. Primeiramente, há uma SUPRESSÃO do senso comum interditando o contato com a realidade; a seguir, uma impossibilidade de se "parar-para-pensar", engolida por uma ideologia do movimento e, finalmente, a INDUÇÃO AO CONFORMISMO. Com a experiência desse percurso, o homem passa à condição de "ser que não pensa", a um AUTÔMATO, sem memória, SEM IDENTIDADE e sem responsabilidade. Nesse contexto de deterioração humana, dissolvem-se os parâmetros de bem e de mal, de certo e de errado, de justo e injusto; o homem não pensa e NÃO JULGA, só age, indiferentemente, como um "instrumento do mal", como nos fala Kant. Nessa situação extrema e perversa o homem é, ao mesmo tempo, vítima E INSTRUMENTO desse mal".

Este é, pois o contexto no qual aparece a banalidade do mal. E o Estado totalitário favorece o vazio... de pensamento, na medida em que tenta preencher este vazio -- forjado artificialmente -- com s sua ideologia. Na verdade, é um FALSO VAZIO, porque está recoberto com o pensamento ideológico. Este esvaziamento do pensar, operado pela ideologia, produz a INDIFERENÇA AO MAL, permitindo aos governantes totalitários, além da transmutação das percepções históricas de bem e mal, a INVERSÃO TOTAL do quadro de valores da sociedade". (pags. 124/125)

CONTINUA QUANDO DER... favor aguardar ! *** NATOAZEVEDO (pela transcrição)