"Você é um vagabundo que não quer trabalhar"
Auto análise do meu caso de inadaptação
Depois de um bom tempo sem conseguir encontrar trabalho e, na verdade, sem ter procurado muito também, eu tenho concluído que sou cronicamente dependente dos outros, inclusive quanto às minhas necessidades mais básicas, como ter o que comer e um teto para morar. Eu cheguei a fazer faculdade e tirar o diploma, mas como a profissão mais provável de exercer seria a de professor, declinei deste compromisso por incapacidade psicológica, específica ao mesmo. Então, desde que me formei tenho estado num hiato profissional, tradicionalmente falando, de não ter carteira assinada, com um emprego e um salário oficiais. Eu também comecei a escrever e considero essa atividade como algo além de "mera" recreação. De qualquer maneira, para os olhos de nossa sociedade, eu sou um fracassado vagabundo que não quer trabalhar. Até poderia ser alguém que, legitimamente, não quer trabalhar e, sejamos sinceros, pois se pudesse escolher, a maioria optaria pela "vida mansa", ainda mais se for para ganhar um salário baixo, com jornadas exaustivas e sofrer humilhações de "patrões" safados que só pensam em seus lucros. Mas eu gostaria mesmo de estar trabalhando para ganhar meu dinheirinho e poder ter mais autonomia.
Para mostrar que essa dependência crônica é mais complexa do que muitos pensam, talvez, não apenas no meu caso, eu vou listar abaixo os fatores que tem me impedido de correr atrás de um emprego.
Sem mais demoras, saiba por que eu não sou apenas mais um vagabundo que não quer trabalhar...
1. Timidez ou ansiedade social
Eu tenho essa tendência de me preocupar muito com a opinião alheia e, mesmo que tenha conseguido diminuí-la, não é algo que se cura por ser parte do meu jeito de ser. Eu sei muito bem que a timidez tende a limitar nosso rol de possibilidades, inclusive as profissionais, especialmente para os que são mais arredios. E, diferente do que é comum de se pensar, é muito difícil, se não impossível, "mudar" a própria personalidade. A minha timidez é uma maneira que a minha mente encontrou de me ajudar a [sobre]viver, principalmente em uma sociedade em que relações abusivas fazem parte da sua ''normalidade''.
Eu poderia acrescentar minha antropofobia, meu grande medo em relação à espécie humana, de sua capacidade, que parece infinita, de cometer crueldades.
1.1 Baixa autoestima
A timidez também é um sinal de se ser menos autoconfiante. No meu caso, eu diria que a tenho de modo mais flutuante, com altos e baixos.
2. Gagueira
Não bastasse ser tímido, eu também sou gago, do tipo residual, porque consegui, por conta própria, controlar parcialmente minha gagueira, mas sem ter aprendido técnicas que poderiam fazer toda diferença. Tudo por causa de uma negligência inexplicável dos meus pais que, quando eu era criança e, depois, adolescente, jamais me levaram a um profissional de fonoaudiologia. Pois o estigma de ser gago é tão alto quanto o de qualquer outra desordem mental.
3. Perfil cognitivo discrepante
Meu perfil cognitivo pende de maneira significativa para as profissões das ciências humanas, onde as capacidades de se comunicar e interagir socialmente são muito importantes. Agora, junte a isso o fato de ser tímido e gago, o que me resta??
E não só isso porque, para passar em concurso público ou universidade, é exigido conhecimentos gerais e/ou capacidade de memorização, enquanto que o meu perfil é mais específico e forte no pensamento divergente no que no convergente. Eu ainda poderia citar minha alta capacidade racional que me faz mais propenso a entrar em conflito com os outros e suas crenças irracionais, e que, com certeza, não me ajudaria se fizesse ou fizer uma outra faculdade, se na educação superior a conformidade ao que é passado pelos professores, tal como na escola, é uma das regras implícitas mais básicas.
4. Motivação intrínseca predominante
Desde que me conheço por gente, eu sempre busquei fazer o que quis e, principalmente, no âmbito intelectual, de estudar, "brincando" com os meus interesses especiais. Pois eles sempre dominaram a minha atenção de maneira significativa, mesmo quando eu tinha consciência de que deveria me dedicar a uma atividade extrínseca aos meus desejos para alcançar um objetivo desejável, por exemplo, de estudar (memorizar) para a prova de concurso público e tentar tirar uma boa nota.
5. Realismo ou maturidade filosófica
Imagine você ter cristalizado em sua mente que: dinheiro é apenas papel, que somos todos iguais, em essência, que não existe vida após a morte, que só existe essa que temos para viver, que a mentira não tem maior valia que a verdade...??
Combinando esse realismo com os meus descompassos, minha motivação para seguir as etapas normativas da vida em sociedade tem sido extremamente baixa. Minha incapacidade de tratar o mundo humano com respeito a ponto de me jogar em sua selva de regras estúpidas, ganância e hipocrisia, de normalizá-lo no meu cotidiano, tem me forçado a uma espécie de exílio parcial.
6. Transtornos e condições mentais
Além da ansiedade social, eu poderia citar outros transtornos nos quais eu estou mais perto de ser diagnosticado, mas não o suficiente, por não apresentar uma estereotipia clínica para nenhum deles. Autismo, personalidade borderline, TDAH... Se conseguisse pelo menos um diagnóstico, poderia usá-lo como álibi para mostrar às pessoas o porquê de não conseguir me adaptar, como a maioria delas, ou de incorporá-lo no meu currículo em branco, mas nem isso.
A conclusão mais plausível que eu posso chegar é a de que ninguém em sã consciência gostaria de estar sem emprego, sem qualquer perspectiva de futuro, dependente da caridade alheia, primariamente da família, e estigmatizado pelos outros, chamado de parasita, vagabundo, inútil...