A América triunfante

O meado do século XVI marca um momento original da história humana: o pólo da atenção universal declinou de chofre para a América. Foi uma declinação gigantesca que abalou o mundo; desfaz-se a magia do Oriente com o sândalo e as especiarias, e a ela sucedeu agora a fascinação do ouro em massa e da prata do México e do Peru, envoltos nas façanhas sangrentas e inauditas dos conquistadores. A realidade, que já era assombrosa, juntou-se lendas ainda mais inverossímeis, e talvez sem elas o povoamento do novo mundo fora impossível.

Para nós foi um momento decisivo. Ao Norte do Brasil é que se colocava o imaginário país do El Dorado, ficção maravilhosa de um reino encantado, cujo príncipe, ungido ao anoitecer de óleo, pela manhã, ao levantar-se, revolvia-se em pó de ouro resplandecente. El dorado tinha palácios de esmeraldas e safiras e os seus domínios eram fechados por cordilheiras de cristal. Esta legenda abriu o apetite dos aventureiros, já preparados pelas riquezas magníficas dos incas. E punha-se essa região encantada, como em geral sucede, no trecho então menos conhecido da América do sul, entre o Oiapoque e o Maranhão e pelo interior dessas terras e delas por oeste até os confins das cordilheiras. Foi para achar o país assombroso que Orellana desceu do Peru, e foi o primeiro, por um rio gigantesco que parecia antes oreano e onde bateu um exército de mulheres ( amazonas)

Orellana partiu de Guayaquil em busca de terra da canela, com expedição numerosa de castelhanos e milhares de indígenas escravizados. Galgando o declive da cordilheira, passaram, os seus, transes horríveis, por terras inóspitas e maravilhosas. Desceu o aventureiro o grande rio em embarcações improvisadas e ouviu falar de mulheres guerreiras, as Amazonas.

Chegando à Europa intentou nova viagem e entre dificuldades aparelhou a nova empresa cujo grande fim era mostrar o caminho do Peru pelo Atlântico e pelo Maranhão.

Velejou em 1545, e, costeando o litoral do norte do Brasil até alcançar o mar doce, por ele enfiou, mas, perdendo-se no labirinto das ilhas e canais do rio, aí naufragou e pereceu. Acabaram assim as esperanças das riquezas fabulosas com que contavam os audazes aventureiros.

Dava-se essa aventura às portas do Brasil; isto chamou a atenção dos portugueses, que, também comovidos pelas legendas que corriam o mundo, voltaram a pensar mais detidamente na América. Sabia-se já então que a terra do Peru era a mesma do Brasil; o mesmo continente e por conseguinte a possibilidade das mesmas riquezas; o primeiro governador ( Tomé de Sousa) prestou logo muita atenção ao descobrimento das minas que, se supunha, não tardaría a realizar-se. A todo o tempo, os flibusteiros franceses acossavam as costas que as capitanias não podiam defender; havia mister socorrê-las, firmar a propriedade do solo, entregue aos aventureiros de toda a parte, e organizar a defesa; não tardaria a guerra pela posse do Brasil e então estaria ele (como esteve depois na verdade) aparelhado para resistir e expedir os invasores.

A unidade do país sob um governo único foi ao mesmo tempo um ato de boa política interna porque obsta a ruína das capitanias enfraquecidas por tantas causas, e de grande previsão quanto à política exterior, porque fornecia a base da reação nacional contra os holandeses.

Já agora na consideração universal, a América deixará de ser o mundo deserto, maravilhoso e inútil. O ouro, as pedrarias, o comércio da escravidão e riqueza apenas suspeitadas atraiam a cobiça européia, e provocaram uma crise geral de todos os valores económicos; o preço da prata ficou reduzida a um quarto, e dela consistiam a maior parte de alfias e baixelas de casas ricas e das igrejas. As cidades italianas tomam a primazia sobre as antigas feiras das cidades interioranas. Cada nação sonha repetir-se no novo continente: uma nova França, uma nova Espanha, uma nova Inglaterra e nova Lusitânia é o título que toma a capitania de Duarte Coelho.

Nasceu assim um novo sentimento anti-asiático na consciência portuguesa. Na verdade, o Oriente foi uma amarga ilusão.

A índia começava logo a despertar a repulsa entre os espíritos mais eminentes; era um sorvedouro de homens válidos e de esquadras que o oceano devorava. As riquezas de outrora iam desaparecendo; as empresa de Cabral, sem embargo de perder a metade ou seis dos navios, rendia aos capitães 500%; agora já as empresa da Índia eram um sacrifício. Em trinta anos ( 1521-1551) perderam-se 32 naus reais no valor de mais de quinhentos mil cruzados.

Os serviços de guerra traziam o tesouro acabrunhado de privilégios, tênias e mereces vitalícias e ao mesmo tempo, ceifando a nobreza e os homens válidos, desproveram os campos. Dissipando-se assim todas as energias da raça portuguesa transformada em prole parasitária. O ouro que vinha passava para Veneza e Flandres, onde estavam as indústrias.

Portugal ficará sendo apenas o quartel militar da Europa, cheio de soldados e consumidores, morada de estranho luxo e de miséria maior ainda que o luxo. Não tendo capacidade para a vida industrial, o país sabia absorver sem utilizar, e haurir sem alimentar-se. A opulência de suas conquistas como por encanto passava às mãos dos estranhos, e no meio de tanta riqueza D. João III pedia emprestado às praças estrangeiras. ( A conquista da Índia não nos deu campos semeando-se ( diz um escrito desse tempo) nem em que apresentando-se gado, antes nos tira os que nisso nos haviam de servir, leva-nos homens sem nos dar outros que os supram. Com as ilhas e o Brasil não sucede outro tanto; as ilhas, porque se povoaram duma vez; com o Brasil. Porque povoar-se com degredados, com muito proveito e pouca despesa do reino, é fertilíssimo em açúcar e outros produtos e até do trigo e pode ser e não está tão distante que nos não possa valer em ocasião de apuro, como e não pode a Índia.)

Professor universitário- Marrocos

ELMOUTAQI
Enviado por ELMOUTAQI em 23/04/2022
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