NOSSA RELUTANTE ADMIRAÇÃO
NOSSA RELUTANTE ADMIRAÇÃO
Machado de Assis, em seu romance “Quincas Borba”, escreve que a inveja é “a admiração que luta”. O professor e historiador Leandro Karnal a define como a tristeza pela alegria alheia. O que bem dialoga com o pensamento do Bruxo de Cosme Velho. Parece, então, ser bem difícil lidar com o sucesso alheio. Para alguns, é preferível negá-lo a reconhecê-lo.
O que torna mais temeroso para quem sente inveja e para quem quem dela é alvo é o fato de que esta é pior do que a cobiça. Cobiçar é ter a vontade de adquirir o que o outro tem, ao passo que invejar é quando não se tem nem se quer que o outro seja detentor do objeto desejado. O mais interessante é que quase todas as pessoas negarão nutrir ou ter nutrido esse “pecado capital”, mas todos já se sentiram ou se sentem vítimas dele. Reflitamos: ter acessos de inveja não seria o mais fatal? Ou se sentir como aquele que é perseguido e idolatrado é pior? Haja vista que isso se configuraria como uma vaidade ou uma egolatria.
Como disse o poeta Mario Quintana, “a humildade é a vaidade atrás da porta”. E é fato que as redes sociais vieram derrubar as portas e disseminar um sentimento de insuficiência diante da vida. Redes como Instagram, Facebook, Tiktok apresentam pessoas aparentemente desprovidas de qualquer defeito. São todas felizes, bem-sucedidas, estão sempre viajando, são produtivas e não têm celulite. Filtros e mais filtros nos vídeos e nas fotos. É sintomático quando vemos que há quem escreva na legenda das postagens “sem filtro”, para indicar que não há recurso de edição na imagem, o que revela que não ter é exceção e não regra. Uma pesquisa apontada pelo psiquiatra Cristiano Nabuco, no livro “Psicologia do cotidiano” revela que mais de 90% das imagens veiculadas na internet passam por algum tipo de edição.
E agora divago e penso no quanto estamos invejando um mundo maquiado, repleto de ilusões, com a falsa ideia de que ter milhares de seguidores representa algo de fato relevante, se não passar de um número e esta pessoa, um(a) influenciador(a) digital não tiver realmente cultivado relacionamentos de amizade.
Como temos perdido um bem tão precioso e irrecuperável – o tempo – com constante fixação pela vida alheia e pouco enxergando a nós mesmos. Talvez por isso vivamos uma vida marcada por frustrações, por depressão, pela incapacidade de gerar autoconhecimento e de promover inteligência emocional. E, por isso, seja tão urgente ensinar nas escolas as “competências socioemocionais”.
A grama do outro é mais verde ou é você que não tem cuidado adequadamente da sua, deixando-a repleta de ervas daninhas? É preciso dizer que nada adiantará criticar o cultivo do vizinho. Isso não melhorará sua relva. E talvez ele esteja ocupado demais zelando pela dele, enquanto a outra pessoa esteja lamentando seu insucesso ou procurando culpados para justificá-lo.
Entende-se que ver a vida do outro como parâmetro, como desejo de alcançar algo semelhante ou para compreender como o outro alcançou seus feitos é algo importante, mas o problema advém quando nos esquecemos de que por trás daqueles “louros” pode haver (e geralmente há) muitas renúncias, lágrimas, dores, momentos de solidão, vontade de desistir. Além disso, é preciso pensar na ilicitude que pode existir na conquista de determinados bens. Há muito nos bastidores. E só sabe disso, de fato, quem está como protagonista. Por trás do êxito ou do infortúnio há muitas circunstâncias invisíveis aos olhos desafeitos a análise.
Que não percamos a oportunidade de construirmos com solidez e autenticidade a nossa própria vida, que tem (e deve) ter seu próprio cenário, personagens e circunstâncias várias. Ao se virar demais para a vida alheia, pode-se correr o risco de ser injusto consigo, esquecer-se de suas vitórias, de sua força, de quanto já se conquistou e ainda pode ser conquistado.
Como disse Caetano Veloso: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. No mais, compartilho a melhor conselho que ouvi para quem anda cuidando demais da vida alheia: dê um gato a ela e peça para cuidar de oito vidas. A dela mesma e as sete do felino.
(Texto publicado em A UNIÃO em 22/04/2022)