O povo brasileiro não tem memória?

Ultimamente tenho conversado com várias pessoas que reportam perda de memória. Existem várias razões para esse fe­nômeno, entre as quais as chamadas doenças do envelhecimento como o Mal de Alzheimer e a demência; entre os jovens a principal é a ansiedade; nas crianças e adolescentes o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Nas várias faixas etárias a privação de sono crônica, a depressão e o hipotireoidismo, também são fatores importantes.

Para aumentar o rol, recente estudo publicado na revista de ciência Nature por pesquisadores da Universidade de Oxford aponta que a covid-19 pode causar danos ao cérebro, entre os quais a diminuição da massa cinzenta, a danificação das áreas que controlam o olfato e o paladar e a perda de memória. Considerando os números de infectados, poderíamos afiançar que já estamos com milhões de desmemoriados.

É bom frisar que isso não tem nada a ver com aquelas antigas afirmações de que “o povo brasileiro não tem memória” ou “o povo brasileiro tem memória curta”. Aquela falta de memória é outra e se refere à memória histórica. Segundo os historiadores uma das razões é o desinteresse e desvalorização da própria história. A consequência é péssima, pois um povo que não conhece seu passado, que não compreende suas origens e referências, perde oportunidades de reparar erros históricos. Se uma pessoa pode optar pela falta de memória, uma nação jamais terá este direito.

Agora juntando as duas modalidades de falta de memória, teremos um resultado desolador. As ausências de memória causadas por doenças geram problemas e constrangimentos no cotidiano da pessoa e do seu círculo próximo de relacionamento e vão desde esquecer o horário do compromisso ou do medica­mento, deixar o fogão acesso, o ferro de passar roupa ligado ou onde colocou as chaves de casa até tragédias como esquecer o filho trancado no automóvel. Por seu lado, a amnésia histórica, geralmente traz consequências coletivas e de difícil reparação.

Tão grave quanto a perda da memória é a distorção dos fatos e certamente você conhece alguém que, tendo um familiar com Al­zheimer, deixou de ser reconhecido ou foi acusado de maus-tratos, em casos assim a fuga da realidade é justificável. Quando falamos da memória histórica não dá para defender omissões ou deturpações da verdade. Um exemplo é a luta pela preservação ambiental onde Chico Mendes, Dorothy Stang e inúmeras outras lideranças tiveram as vidas ceifadas ao defender a causa e não podem ser esquecidos. De outra feita, governantes que incentivam a invasão de terras indí­genas e favorecem a ampliação anual do recorde de devastação da Amazônia estão sendo homenageados. Dá para acreditar?

Não podemos esquecer que nos últimos anos o discurso da mudança prevaleceu e as gestões reformistas reduziram dras­ticamente direitos trabalhistas e previdenciários; as reformas administrativa e fiscal não emplacaram, tão pouco a famosa aus­teridade fiscal foi praticada. O que se observou foi o desmonte das políticas públicas, a fragilização do Estado e a população em geral mais empobrecida. Uma visita ao supermercado ou uma parada no posto de combustíveis será suficiente para verificar como o poder de compra despencou. São tantos fatos que não podem ser esquecidos, especialmente agora que a campanha eleitoral se avizinha e grandes marqueteiros já estão sendo acionados para tentar apresentar um país lindo e vender mais ilusões.

Enquanto os cientistas se empenham na busca de tratamento para amenizar a perda de memória causada por doenças, cabe a cada um colaborar para que a memória histórica do país seja mantida. No final deste ano saberemos se o povo brasileiro tem ou não memória, mais do que isso, se tem ou não consciência e coragem para mudar e ser o senhor do seu próprio destino.